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Governo federal promete reduzir emissões, mas busca aprovar lei em direção contrária

Será votado na próxima segunda-feira (08/11), na Câmara dos Deputados, o PL 528/2021, que propõe criar um “mercado de carbono brasileiro”. O que poderia ser uma boa notícia –dado que o Brasil é um dos poucos grandes emissores mundiais de Gases Efeito Estufa (GEE) que ainda não tem regras que obriguem os setores econômicos mais poluidores a reduzirem suas emissões– acabou sendo uma notícia ruim.

Isso porque o texto que será submetido à votação, elaborado formalmente pela Deputada Carla Zambelli (PSL/SP), mas gestado pelo Ministério do Meio Ambiente, é muito pior do que a versão que vinha sendo trabalhada pelo Deputado Marcelo Ramos (PL/AM), autor da proposta original, a qual incorporou pontos relevantes apresentados pelo setor empresarial e por especialistas na matéria.

Essa dramática mudança de direção do PL, liderada pelo Governo Federal, destoa das duas declarações assinadas pelo próprio governo nesta semana na COP26, nas quais o país ratifica o texto e se compromete em reduzir drasticamente suas emissões até 2030 (incluindo aquelas relativas ao gás metano, emitido principalmente pela pecuária), e estabelece a meta de acabar com todas as formas de desmatamento até 2030, tanto legal como ilegal.

Se levarmos em consideração o restante da agenda legislativa apoiada pelo governo Bolsonaro, que inclui facilitar a apropriação de florestas públicas por grileiros e fragilizar o sistema de avaliação de impacto ambiental de grandes obras e atividades poluidoras, percebe-se que o discurso, mesmo que formalizado numa declaração, está totalmente descolado da prática.

Enquanto versões preliminares do texto do PL previam claramente a criação, em prazo determinado, de um Sistema Brasileiro de Registro e Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBRC-GEE), estabelecendo parâmetros e princípios sobre os quais ele deveria funcionar, o projeto a ser submetido a votação submete o início do funcionamento de tal sistema a uma data futura e incerta. Segundo o texto que circula, o  atrela, sem nenhum motivo técnico, o início do período em que empresas brasileiras teriam que começar a reduzir suas emissões à ratificação pelo Brasil de regras a serem aprovadas no âmbito da Convenção do Clima. A questão é que nenhuma das regras hoje em negociação vai interferir em como o Brasil deve regular as atividades econômicas emissoras, estamos apenas cumprindo obrigações já assumidas. Não há, portanto, qualquer razão para essa protelação, a não ser a vontade de não assumir compromisso algum em reduzir emissões.

O projeto a ser apreciado pela Câmara dos Deputados, construído a portas fechadas, sem qualquer participação da sociedade, é uma verdadeira colcha de retalhos. Trata apenas superficialmente do mercado regulado de carbono e remete quase toda sua estruturação para regulamentação, dando, assim, um cheque em branco para que o Poder Executivo possa definir sua estrutura e funcionamento.

Nas versões anteriores o Sistema de Comércio de Emissões (SCE) seria regulado por um órgão técnico a partir de diretrizes estabelecidas por um colegiado com participação de diversos setores da sociedade, ou seja, com transparência e controle social. Na versão atual, as regras de funcionamento serão propostas (não está claro quem aprova) por um colegiado (Conselho Nacional de Política Climática – CNPC) composto em sua maioria (até 70%) por membros do próprio Governo Federal e pelas empresas emissoras. Não há qualquer participação de especialistas e de representantes da sociedade, ou seja, daqueles que têm o maior interesse em ter um sistema que leve à diminuição progressivamente as emissões do país.

Além de não estabelecer as bases mínimas para que tenhamos um sistema eficiente de redução de emissões, o projeto ainda o sabota, ao estabelecer, de forma totalmente casuística, que atividades agropecuárias, florestais e “relativas ao uso alternativo do solo” estariam proibidas de serem reguladas. Além de gerar uma imensa insegurança jurídica, pois qualquer coisa pode ser considerada como “uso alternativo do solo”, o projeto exclui explicitamente o setor que é responsável por 70% das emissões brasileiras, seja pelo desmatamento, seja pelas emissões diretas da agricultura e pecuária. Esse é um assunto técnico que deve ser definido por um órgão com competência e independência para tomar esse tipo de decisões. A exclusão de um setor por lei vai abrir caminho para que outros tentem o mesmo atalho, em prejuízo do clima do país e do mundo.

O projeto também não define quais os instrumentos jurídicos que a autoridade competente terá à disposição para garantir que todo mundo cumprirá com os limites por ela estabelecidos. Se não incluído na lei, isso poderá limitar severamente a eficácia do sistema. Além disso, não trata de salvaguardas sociais e ambientais a serem aplicadas aos projetos de redução de emissões aceitos no registro nacional, o que coloca em risco direitos dos povos indígenas e da floresta ao excluir os conceitos de titularidade dos créditos. 

O WWF-Brasil entende que o projeto em nada avança no objetivo de limitar as emissões de gases de efeito estufa no país, pelo contrário, cria um sistema confuso, obscuro e falho que poderá fazer o país perder anos na luta contra o aquecimento global, quando a Ciência demanda urgência. Se aprovado da forma proposta pela Câmara dos Deputados, o Brasil corre enorme risco de ficar fora do mercado, e deixar de captar bilhões de reais em função de uma regulamentação que não trará nem segurança jurídica ao investidor, nem consistência de entrega de resultados factuais. Se passar na Câmara, o texto terá que ser necessariamente reformulado no Senado Federal, com debates públicos, textos previamente conhecidos e a participação da sociedade.

FONTE : WWF BRASIL

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