Erasmo Carlos justifica a fama de bom moço em álbum com toda a ternura das canções da Jovem Guarda
Resenha de álbum
Título: O futuro pertence à… Jovem Guarda
Artista: Erasmo Carlos
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *
♪ Embora Erasmo Carlos tenha encarnado na Jovem Guarda o amante viril, em contraponto à imagem romantizada de Roberto Carlos, o fato é que esse pioneiro roqueiro carioca sempre caiu bem no papel do namorado apaixonado e por vezes tristonho.
Essa fama de bom moço reverbera no álbum O futuro pertence à… Jovem Guarda, lançado nesta sexta-feira, 4 de fevereiro, com oito regravações de sucessos da Jovem Guarda e de canções da fase pré-tardes de domingo que nunca tinham ganhado registros fonográficos de Erasmo.
Aos 80 anos, Erasmo Carlos acerta ao insistir na juventude desses temas já sessentões. Basta ouvir a envolvente gravação de Alguém na multidão (Rossini Pinto, 1965) – sucesso do grupo Golden Boys – para perceber as boas intenções do produtor musical do álbum, Pupillo, e do diretor artístico Marcus Preto.
Está lá toda a ternura do cancioneiro romântico da Jovem Guarda, em letra pautada pela resignação amorosa e embebida em melancolia acentuada pelas cordas tocadas e orquestradas por Felipe Pacheco Ventura.
Só que esse repertório tão simples quando cativante reaparece embalado com som atual que se desvia do trilho indie modernoso. André Lima (sintetizadores), Luiz Lopez (guitarra), Pedro Baby (guitarra), Pupillo (percussão), Pedro Dias (baixo), Rick Frainer (bateria) e Zé Lourenço (teclados) armam a cama para deixar Erasmo confortável – com a voz do inverno do tempo do artista – no canto de baladas como O ritmo da chuva (Rhythm of the rain – John Claude Gummoe, 1962, em versão em português de Demetrius, 1964), o maior sucesso do cantor Demetrius (1942 – 2019).
Pena que a capa, que expõe o artista em ilustração de Marcelo Ment, esteja fora de sintonia com o espírito do álbum, em que pesem alguns símbolos alusivos à afetuosidade do repertório e do próprio Erasmo.
A alma de roqueiro está reafirmada pela pegada da regravação de Nasci para chorar (Born to cry – Dion DiMucci, 1962, em versão em português de Erasmo Carlos, 1964) – música lançada por Roberto Carlos antes do surgimento da Jovem Guarda – e pela construção de Tijolinho (1966), música de Wagner Benatti apresentada há 55 anos na voz de Bobby de Carlo, pseudônimo do cantor paulistano Roberto Caldeira dos Santos.
As guitarras de Pedro Baby e Luiz Lopes – ambos também nos vocais da faixa – dão solidez ao arranjo de Tijolinho sem fazer desabar a leveza que move o disco gravado entre setembro e novembro de 2021 em estúdio da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Canções como Esqueça (Forget him – Mark Anthony, 1963, em versão de Roberto Corte Real, 1966) e A volta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1966) – apresentadas ao Brasil nas vozes de Roberto Carlos e da dupla Os Vips, respectivamente – têm os toques dos sintetizadores de André Lima em arranjos que repaginam as músicas sem macular a arquitetura melódica e a simplicidade aliciante dessas canções que arrastaram multidões na década de 1960 e que atravessam gerações justamente pelo poder de sedução das melodias.
Sucesso da dupla Leno & Lilian que Adriana Calcanhotto tomou para si a partir de 2000, Devolva-me (Renato Barros e Lilian Knapp, 1966) peca no disco pela falta de uma emoção mais real. A melancolia da letra se dissipa na gravação feita com efeitos dos sintetizadores de Carlos Trilha. O canto de Erasmo resulta pouco aconchegante na faixa.
No fecho do disco, mixado e masterizado por Carlos Trilha, Erasmo faz pulsar a veia pop roqueira de O bom (1966), música composta e gravada por Eduardo Araújo. Guitarras, baixo (o de Pedro Dias) e bateria (a de Rick Frainer) deixam acesa a chama do rock que alimenta a alma do Tremendão.
E, para os seguidores do rock brasileiro de todas as gerações, Erasmo Carlos ainda é o bom, o bom, o bom moço que, de mau, sempre teve somente a fama alimentada no circo midiático da Jovem Guarda.
FONTE :G1 (VIA MAURO FERREIRA)