Decreto sobre mineração pode gerar catástrofe na Amazônia
Embora o texto use termos como “desenvolvimento sustentável”, “melhores práticas” e “promoção da saúde”, o decreto foi recebido como anúncio de uma catástrofe por pesquisadores e entidades que acompanham o tema.
Para Alessandra Munduruku, liderança que assiste ao aumento massivo de balsas garimpeiras dentro da Terra Indígena Munduruku desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, o decreto escancara as portas para invasores.
“Nós vamos fazer de tudo para segurar a porta dessa nossa casa, que é a floresta, para que os garimpeiros não entrem, não arrombem tudo, não nos matem. Porque esse governo, desde o começo, sempre quis nos matar”, disse Alessandra por telefone à DW Brasil, pontuando que uma das promessas de campanha de Bolsonaro era não demarcar terras indígenas.
Embora a Constituição Federal proíba a atividade nesses territórios, muitas licenças concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) estão geograficamente próximas a áreas indígenas, e a exploração avança também sobre unidades de conservação.
Com um alto índice de ilegalidade, o garimpo de ouro na Amazônia ganha um novo empurrão do governo Jair Bolsonaro. O decreto 10.966/2022, publicado nesta segunda-feira (14/02), cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) e elege a região como centro dessa exploração.
Embora o texto use termos como “desenvolvimento sustentável”, “melhores práticas” e “promoção da saúde”, o decreto foi recebido como anúncio de uma catástrofe por pesquisadores e entidades que acompanham o tema.
Para Alessandra Munduruku, liderança que assiste ao aumento massivo de balsas garimpeiras dentro da Terra Indígena Munduruku desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, o decreto escancara as portas para invasores.
“Nós vamos fazer de tudo para segurar a porta dessa nossa casa, que é a floresta, para que os garimpeiros não entrem, não arrombem tudo, não nos matem. Porque esse governo, desde o começo, sempre quis nos matar”, disse Alessandra por telefone à DW Brasil, pontuando que uma das promessas de campanha de Bolsonaro era não demarcar terras indígenas.
Embora a Constituição Federal proíba a atividade nesses territórios, muitas licenças concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) estão geograficamente próximas a áreas indígenas, e a exploração avança também sobre unidades de conservação.
“Esse decreto mostra como o governo vem trabalhando na Amazônia: ele quer pegar todas as operações ilegais e transformar em legais, em mercado formal”, afirma Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, entidade focada em sustentabilidade.
Dias antes da publicação do decreto, um estudo coordenado por Rodrigues detalhava como o metal precioso é extraído na clandestinidade. Em Raio X do Ouro, os autores concluem que quase metade da produção registrada de 2015 a 2020 tem origem duvidosa. Cerca de 229 toneladas, das 487 estimadas no período, podem ser ilegais – e mais da metade (54%) vem da Amazônia.
“Não existe ‘mineração artesanal’. O garimpo não é pequeno, rudimentar, como o título do decreto tenta passar. É uma cadeia industrial bem organizada, com muitos laços familiares e de negócios que vão gerar conflito de interesse na hora de fazer controle da origem de ouro”, afirma Rodrigues.
Cadeia de ilegalidades
Ainda não se sabe como o Pró-Mape irá funcionar na prática. A expectativa, porém, é que as regras detalhadas sejam conhecidas em breve.
Um decreto complementar (10.965) publicado na sequência dá mostras do desmonte ambiental: a resolução determina que a ANM adote critérios simplificados para dar autorização ao garimpo.
“Na prática, todo mundo que fizer pedido de garimpo terá a concessão. Esse decreto tira o poder da agência de fazer análises”, analisa Rodrigues. O resultado, ressalta a pesquisadora, será uma explosão de garimpos na Amazônia.
Após a análise de mais de 40 mil registros da ANM e de imagens de satélite, o Instituto Escolhas aponta que a comercialização com indícios de ilegalidade envolve as principais empresas que compram ouro de garimpos na Amazônia. “Nessa teia, há ligação delas com o garimpo ilegal”, afirma Rodrigues.
As principais ilegalidades no comércio do ouro apontadas são extração em terras indígenas ou unidades de conservação; títulos fantasmas usados para lavagem de ouro; extração para além dos limites geográficos autorizados; ausência de informação sobre os títulos de origem; exportação do metal sem os registros da produção oficial.
Com tanta ilegalidade, seria impossível que autoridades não detectassem os problemas. “Se o nosso estudo, que usou dados abertos, consegue comprovar que é possível monitorar o ouro, o governo também consegue e poderia fazer o mesmo imediatamente”, critica Rodrigues.
Impactos irreversíveis
Para Erika Berenguer, pesquisadora sênior das universidades de Oxford e Lancaster, na Inglaterra, o decreto sinaliza a direção que o último ano do atual mandato de Bolsonaro vai seguir. “Pode ser uma estratégia eleitoral de liberar o que não passou no Congresso. Será o ano mais difícil e duro para o meio ambiente no país”, analisa em entrevista à DW Brasil.
Ela comanda um dos capítulos dedicados aos impactos da mineração na Amazônia que compõem o relatório do Scientific Panel for the Amazon (SPA). O painel tem o objetivo de reunir resultados publicados em estudos e traçar um panorama do que a ciência já sabe sobre a região.
“Não faltam evidências do grande problema que é o garimpo na Amazônia, que provoca desmatamento, poluição e destruição de rios, contaminação de mercúrio nas populações humanas”, resume Berenguer.
Uma das conclusões mais chocantes do capítulo no qual trabalha é o impacto da atividade na segurança alimentar das populações locais. “O avanço do garimpo é tão alto em certas áreas, como no médio Tapajós, que os peixes estão tão contaminados que as populações que se alimentam dos peixes já apresentam uma série de problemas neurológicos por causa do mercúrio”, comenta.
O mercúrio, metal altamente tóxico, é usado por garimpeiros para unir os fragmentos de ouro e formar amálgamas. Basta o calor de um maçarico para separar os dois metais, já que o mercúrio se liquidifica e evapora numa temperatura inferior do que o ouro. Ao fim do processo de extração, as partes que não interessam, como os restos contaminados, normalmente são jogadas no rio.
“Mercúrio não é expelido pelo corpo, ele se acumula. Há estudos que falam em aborto natural em botos na Amazônia por conta da contaminação de mercúrio. Há jacarés com alto nível de mercúrio. São animais, como o ser humano, que estão no topo da cadeia alimentar”, diz a pesquisadora.
Em comunidades que dependem do peixe como principal fonte de proteína, o mercúrio se acumula no tecido adiposo, o que gera graves problemas de saúde. “Estudos com os Munduruku no Tapajós falam em problemas neurológicos como insônia, ansiedade, dificuldade locomotora e cognitiva nas crianças. Está sendo indicado que eles não pesquem mais. Agora, como eles vão viver, o que eles vão comer?”, questiona Berenguer.
“É como promover uma matança dos indígenas”
Alessandra Munduruku sabe dos altos níveis de contaminação por causa do garimpo. “É como promover uma matança dos rios, dos povos indígenas”, comenta sobre o impacto direito do mercúrio.
Vítima de ataques e de ameaças por denunciar invasões de garimpeiros no território, Alessandra diz que não vai parar de chamar a atenção para os crimes ambientais e violações dos direitos indígenas.
“Garimpo não é sustentável. Esse decreto é feito de mentiras e vai facilitar também a entrada de mineradoras em terra indígena. Junto com o garimpo, vem droga, prostituição, álcool, pistas clandestinas de pouso, máquinas que fazem estrada de pouso para os aviões – porque não tem fiscalização”, enumera.
“Quem usa anel e colar de ouro, quem vende mercúrio para os garimpeiros – todos têm responsabilidade”, afirma a líder Munduruku, lembrando que no território Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas, há cerca de 20 mil garimpeiros ilegais atualmente.
FONTE:AMBIENTE BRASIL ( VIA Deutsche Welle)