Agrotóxicos banidos na UE encontram terreno fértil no Brasil
A aprovação de agrotóxicos no Brasil segue em ritmo acelerado desde 2019. Em três anos de gestão, o governo de Jair Bolsonaro aprovou a maior quantidade de defensivos agrícolas em mais de vinte anos: foram 1.560 novos ingredientes ativos registrados entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2021, uma média de 1,4 substâncias por dia, segundo dados disponíveis no site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Muitas destas substâncias, no entanto, não são mais usadas nos Estados Unidos e na União Europeia (UE). De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pelo menos 37 dos agrotóxicos registrados desde 2019 são proibidos nos EUA e na UE por causa da toxicidade à saúde. Quando se considera os ingredientes ativos, o número cresce: 44% dos 475 agrotóxicos registrados no Brasil em 2019 foram banidos nos países europeus, segundo um relatório do Greenpeace.
“A indústria do pesticida e do veneno vê no Brasil uma oportunidade para desovar os produtos que não conseguem mais vender em outras partes do mundo”, diz o especialista em Direito Ambiental, Kenzo Jucá, assessor legislativo do Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo a engenheira agrônoma Fran Paula, mestre em Saúde Pública e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), todos os registros realizados nos últimos três anos preocupam os ambientalistas, mas, se forem considerados somente os agrotóxicos banidos no exterior, os três mais preocupantes são o paraquate, a atrazina, e o glifosato.
O agrotóxico mais vendido do Brasil, o glifosato, é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) como “provavelmente cancerígeno”. Já o segundo herbicida mais usado no país, de acordo com a Embrapa, a atrazina – aplicada na cultura do milho – é proibida na UE e outros países desde 2004 por estar associada a doenças como Parkinson, câncer de ovário e próstata e infertilidade.
Já o paraquate é um caso à parte. Ele chegou a ser um dos agrotóxicos mais usados pelo Brasil, mas foi proibido pela Anvisa em 2020 após ser associado a casos de Parkinson e câncer. Neste ano, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), porém, solicitou “liberação emergencial” do produto e revisão da decisão da Anvisa.
Raio X dos agrotóxicos no país
No primeiro ano de governo Bolsonaro, 2019, o Brasil teve a maior quantidade de agrotóxicos classificados nos níveis mais altos de toxicidade e periculosidade: 32,8% são “extremamente tóxicos à saúde” ou “altamente tóxicos à saúde”; 52% são “altamente perigosos ao meio ambiente” ou “muito perigosos ao meio ambiente”.
No balanço geral dos últimos três anos, porém, dos mais de 1,5 mil agrotóxicos registrados 8% deles são classificados como “extremamente tóxicos” à saúde pela Anvisa e 31% como “altamente perigosos” ao meio ambiente pelo Ibama.
A DW Brasil questionou a Anvisa sobre o volume e a toxicidade das substâncias aprovadas de acordo com a própria classificação do órgão. A agência afirmou que “os agrotóxicos liberados no Brasil, à luz da ciência atual, e dentro das condições de uso aprovadas, são considerados seguros pela Anvisa, tanto do ponto de vista ocupacional como dietético”.
A agência também informou que, dentre os produtos já aprovados, mantém uma “lista de prioridades de ingredientes ativos indicados à reavaliação”, elaborada com base nas novas evidências científicas de riscos e no nível de exposição da população brasileira a esses ingredientes ativos.
“Os ingredientes ativos que atualmente preocupam a Anvisa são aqueles que se encontram na lista de ingredientes ativos selecionados para o processo de reavaliação: carbendazim, tiofanato metílico, epoxiconazol, procimidona, corpirifós, linurom e clorotalonil”, informa o órgão.
A DW Brasil solicitou dados ao Ministério da Saúde sobre mortes e internações decorrentes de intoxicação por agrotóxicos, assim como posicionamento sobre a quantidade de substâncias “extremamente” ou “altamente tóxicas” registradas. A pasta não quis se pronunciar e afirmou não ter estes dados de fácil acesso, não retornando até o fechamento da reportagem.
Estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que os agrotóxicos causam, por ano, 70 mil intoxicações agudas e crônicas e que resultam em morte em países em desenvolvimento.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os principais afetados pelo uso de agrotóxicos “são os agricultores, pecuaristas, agentes de controle de endemias, trabalhadores de empresas desinsetizadoras e trabalhadores das indústrias de agrotóxicos”, mas toda a população está exposta “por meio de consumo de alimentos e água contaminados”.
Legislação branda
Em janeiro, um relatório de grupos ambientalistas alemães sobre o uso de pesticidas no mundo alertou que a legislação brasileira é branda em relação aos limites de toxicidade dos resíduos em alimentos, o que permite ao Brasil importar agrotóxicos banidos em outros países.
“É um pesadelo e pode piorar”, avalia Paula sobre a política nacional de registros de novos agrotóxicos. Ela se refere ao Projeto de Lei 6.299/2020, aprovado em fevereiro pela Câmara dos Deputados em regime de urgência, que visa substituir a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989) com o objetivo de afrouxar as regras para aprovação de novas substâncias.
“O PL 6.299 permitirá o registro de agrotóxicos banidos em outros países, assim como de substâncias com potencial cancerígeno cientificamente comprovado”, alerta a engenheira agrônoma.
Apesar das já existentes críticas internacionais, o PL 6.299 irá abrandar ainda mais o processo de registro de novos ingredientes ativos, concentrando o poder regulatório no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), desconsiderando as avaliações de impacto dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente. Atualmente, todo agrotóxico utilizado no Brasil precisa de registro feito em conjunto pelo Mapa, Anvisa e Ibama.
“O objetivo é flexibilizar ainda mais o registro dessas substâncias, muitas já banidas em outros países por causa do perigo que representam, e transformar o Brasil em uma grande lixeira tóxica do planeta”, avalia Paula.
Campeão mundial
Desde 2008, o Brasil é campeão em uso de agrotóxicos no mundo. “Isso é reflexo de um modelo agrícola e agrário brasileiro atrasados, que não consideram a riqueza da sua biodiversidade. Somos um dos poucos países que tem a oportunidade de aliar desenvolvimento com produção agrícola sustentável, mas insistimos em um modelo de monocultura agrícola para as nossas commodities”, afirma Jucá.
O assessor do ISA se refere à produção de soja e grãos para exportação, principalmente o milho, alimentos também usados para abastecer o agronegócio.
O problema das commodities, segundo Jucá, é o seu modelo arcaico de monocultura dependente de agrotóxicos. “Produzimos commodities em uma grande extensão territorial, em um modelo arcaico que não consideram fatores climáticos e de características geográficas locais”, diz.
Dados de 2019 do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) apontam que a soja consumiu 52% das vendas de agrotóxicos no país, e 10% foram para o milho.
Tanto Paula quanto Jucá afirmam, contudo, que o modelo de monocultura promovido pelo agronegócio não representa a agricultura brasileira, mas que, por produzir as poucas commodities para exportação do país, é dominado por um setor forte política e economicamente. Por isso, o Brasil não depende de agrotóxicos e fertilizantes para garantir a sua segurança alimentar.
“Não precisamos de mais agrotóxicos para produzir alimentos”, afirma Jucá.
“A produção de alimentos no Brasil é mantida por pequenos e médios produtores e pela agricultura familiar, um tipo de agricultura mais diversificada e equilibrada, não dependente dessas substâncias”, diz Paula.
FONTE: AMBIENTE BRASIL ( VIA Deutsche Welle)