Mulheres e juventude ficam em destaque no ATL 2022
A 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena no país, chega ao fim nesta quinta-feira (14/04) fazendo história. Tornou-se um marco não apenas por ter batido o recorde de público, com a presença de 7 mil representantes de 200 povos que marcharam em Brasília contra a agenda anti-indígena e antiambiental, mas também por ter garantido que diversas vertentes do movimento indígena fossem ouvidas. O protagonismo feminino, que vem ganhando cada vez mais força e visibilidade Brasil afora, e o potencial da juventude ficaram em destaque.
Um dos pontos altos do ATL foi justamente a “bancada do cocar”, o lançamento de pré-candidaturas de um grupo de mulheres indígenas que pretendem concorrer às eleições deste ano para cargos nos legislativos estadual e federal, com o objetivo de fazer frente à bancada ruralista e combater os retrocessos socioambientais. Atualmente, há apenas uma deputada indígena no Congresso Nacional: Joênia Wapichana. Ela foi a primeira representante dos povos originários a ser eleita na Câmara Federal, em 2018.
Joênia, inclusive, fez uma das falas mais contundentes do ATL contra o PL do Vale-Tudo em Terras Indígenas (PL 191/2020), projeto de lei que tramita no Legislativo e que integra o pacote da destruição. “Trago comigo hoje pessoas que têm feito um papel fundamental na defesa dos direitos dos povos indígenas no Congresso Nacional. Somos poucos, mas somos fortes porque nos unimos em torno de uma causa que é suprapartidária e que a gente tem levado, não somente ao Brasil, mas para o mundo. Esse é o PL (191/2020) da devastação, da destruição, que reúne tudo o que é ruim e vem justamente para massacrar os povos indígenas”, ressaltou a deputada federal.
“Nossa luta inspira outras mulheres, outras juventudes”, defendeu Braulina Baniwa, diretora executiva da Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade). E não foi a única. Numa reunião com público feminino de diferentes partes do país, cujo tema foi “Retomando o Brasil: Vozes Diversas das Primeiras Brasileiras”, Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), destacou a importância de as mulheres ocuparem espaços para além das aldeias e que elas têm, sim, condições de liderar debates e construir um Brasil que as inclua.
“Nós somos muitas, nós somos diversas. E nós estamos aqui hoje em nome daquelas que nos antecederam e por aquelas que virão”, salientou Sônia. Ela frisou ainda que a luta pela demarcação dos territórios, pela proteção da floresta e das águas, pelo cuidado com os filhos, com a alimentação para família, além da educação e da saúde é feita também por mulheres. “É exatamente essa força que vem do chão da terra que a gente quer apresentar para provocar mudanças neste país”, acrescentou.
Trinta e duas mulheres tiveram espaço de fala nessa mesma mesa, lideranças das mais diversas organizações indígenas brasileiras. Uma delas foi Juliana Tupinambá, diretora do departamento de mulheres do Mupoiba (Movimento Unido dos Povos Indígenas da Bahia), da Terra Indígena de Olivença, no sul do estado. Ela relembrou ensinamentos que recebeu de outras mulheres.
“Pela minha avó, dona Nete, que hoje não está mais conosco, mas que sempre me incentivou”, afirmou Juliana. “Na aldeia, nossa tradição era aprender a usar borduna (arma indígena de ataque, defesa ou caça) ou pião. Mas minha avó dizia que ia chegar o tempo da caneta, e que os mais jovens tinham que se apropriar das canetas. É por isso que nós estamos ocupando os espaços acadêmicos e hoje somos mestres e doutoras.”
Segundo a Anmiga, existem atualmente 130 organizações somente de mulheres indígenas no Brasil, 9 departamentos de mulheres dentro de federações mistas e 6 em processo de consolidação.
Juventude indígena mobilizada
Se de um lado as mulheres indígenas vêm se consolidando enquanto lideranças, do outro a juventude tem tido um papel essencial no que os povos originários chamam de “aldeamento das redes sociais”. Ou seja: cada vez mais estão dominando técnicas e ferramentas de comunicação para que suas narrativas e demandas cheguem à sociedade sem a necessidade de intermediários nessa interlocução.
O fotógrafo Levi Tapuia, do território autodemarcado Vilarejo dos Cocos, no extremo sul da Bahia, é um desses jovens. “Hoje, estamos demarcando as redes sociais porque é um meio mais eficaz de unir vários povos no mesmo lugar”, acredita.
Esse movimento de ocupação das mídias sociais viralizou entre a juventude indígena, pois, independentemente da distância geográfica entre os territórios, os jovens são capazes de dialogar e unificar a luta por meio da comunicação, utilizando esse espaço para dar visibilidade às principais ameaças aos seus territórios e romper estereótipos.
“A gente consegue atingir um número muito grande de pessoas. Usamos as redes sociais para denunciar invasões no nosso território, por exemplo”, destacou Ana Raquel Kumarura, da Aldeia Suruacá, Território Kumaruara, no baixo Tapajós, Pará.
Assim como as mulheres, estar nas universidades tem sido uma das estratégias de enfrentamento da juventude. “Nossos pais e avós lutaram para que a gente pudesse estudar”, lembrou Vera Tukano, comunicadora do Encontro Nacional de Estudantes Indígenas e integrante do Coletivo Acadêmico de Alunos Indígenas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “E nós continuamos nessa luta. Embora nossos direitos sejam reconhecidos no papel, ainda não são reconhecidos nas salas de aula”.
Dentre os diálogos promovidos durante o ATL, também houve abertura para os jovens LGBTQIA+ abordarem sua relevância na mobilização dos povos originários. Pela primeira vez em 18 anos de evento, eles puderam partilhar seus anseios e desafios dentro e fora do movimento indígena. Durante o ato, foi lido um manifesto sobre a papel do capitalismo na mercantilização dos corpos e no aumento da violência que atinge esses jovens, em seguida o documento foi entregue à coordenação executiva da Apib.
FONTE : WWF BRASIL