Como clima está tornando Austrália cada vez mais inabitável
“É devastador. Você dedica muito tempo e esforço à sua casa para depois vê-la afundar na água.”
Sam Bowstead é um arquiteto especializado em preparar casas para resistir a desastres naturais. Mas quando as inundações engoliram a própria residência dele em Brisbane, em fevereiro, ele passou a se sentir impotente.
“Eu trabalhei com pessoas que estiveram em situações semelhantes. Agora isso aconteceu comigo”, diz ele.
“Fiquei chocado com o quão rápido [a água] subiu… mais de um metro em algumas horas. Passei de preocupado com a nossa propriedade para preocupado com a nossa segurança.”
No final, um barco foi a única saída.
A experiência de Bowstead tornou-se cada vez mais comum para os australianos.
Nos últimos três anos, incêndios florestais e inundações recordes mataram mais de 500 pessoas e bilhões de animais. Secas, ciclones e marés altas assolam as comunidades.
A mudança climática é uma preocupação fundamental para quem vai votar nas eleições da Austrália no sábado (21), assim como o custo de vida — e essas questões estão convergindo como nunca antes.
Crise nos seguros
A Austrália está enfrentando uma “crise de segurabilidade”, com uma em cada 25 casas a caminho de se tornar inelegível para ser coberta por seguro até 2030, de acordo com um relatório do Climate Council. E uma em cada 11 corre o risco de ficar com seguro insuficiente.
O seguro para as casas de maior risco será proibitivamente caro ou recusado pelos provedores, diz o Climate Council, que criou um mapa interativo para os australianos pesquisarem.
“As mudanças climáticas estão acontecendo em tempo real aqui e muitos australianos agora descobrem ser impossível fazer um seguro para suas casas e negócios”, diz a presidente-executiva da entidade, Amanda McKenzie.
O Estado australiano mais exposto
O maior problema é em Queensland, Estado que abriga quase 40% das 500.000 casas que, em breve, não serão mais cobertas por seguros.
Queensland foi devastada por inundações nos últimos meses. Em fevereiro, a capital do Estado, Brisbane, teve mais de 70% de sua precipitação média anual em apenas três dias.
“Ainda me sinto bastante traumatizada quando chove muito”, diz Michelle Vine, cuja casa em East Brisbane foi destruída junto com décadas de suas obras de arte.
“Tivemos que sair da casa, ela se tornou inabitável.”
As seguradoras dizem que as inundações, que também atingiram Nova Gales do Sul, se tornarão o evento climático mais caro da Austrália. Mas mesmo antes deste ano, os custos de seguro dispararam.
Embora o aumento dos preços dos imóveis seja um fator, o principal órgão da indústria de seguros da Austrália aponta o dedo para as mudanças climáticas.
O Conselho de Seguros da Austrália diz que nenhuma parte do país está atualmente sem seguro, mas há “claramente preocupações de acessibilidade e disponibilidade”.
Ao longo da última década, o valor pago pelas seguradoras por danos causados por desastres naturais praticamente dobrou.
Em média, os consumidores agora pagam quase quatro vezes mais pelos prêmios de seguro residencial do que em 2004.
No norte da Austrália, esses números são ainda mais extremos — em alguns casos, 10 vezes maiores do que em outros lugares.
Mais australianos estão sendo forçados a fazer um seguro insuficiente — comprar apólices mais baratas que cobrem muito pouco — ou abrir mão completamente do seguro.
“Esta é provavelmente a questão de custo de vida mais importante da Austrália”, disse Antonia Settle, economista política da Universidade de Melbourne, à BBC News.
“As famílias que não têm seguro correm o risco de perder seu ativo mais importante.”
Barganha
Propriedades em áreas de alto risco estão se tornando mais baratas para comprar e alugar, muitas vezes atraindo pessoas menos capazes de pagar um seguro adequado, agravando o impacto financeiro dos desastres.
“As pessoas não estão se afastando de lugares ameaçados pelo clima na Austrália. Na realidade, é provável que se movam em direção a eles”, diz a demógrafa Liz Allen, da Universidade Nacional Australiana.
“A questão da acessibilidade à habitação na Austrália é tão terrível… que as pessoas veem a catástrofe climática quase como uma barganha, uma forma de garantir que possam ter um lugar para chamar de seu.”
“O fenômeno também pode agravar a desigualdade social e criar ‘guetos climáticos’”, diz Climate Valuation, empresa de análise de risco.
Vine é um exemplo disso. Ela diz que foi atraída para uma área vulnerável pelo preço. Na época, ela sentiu como se tivesse “ganhado na loteria”. Bowstead fez uma escolha semelhante.
E uma vez em uma área de risco, é quase impossível para muitos sair, como é o caso de Gary Godley na cidade de Grantham, a oeste de Brisbane.
Dada a terrível história de enchentes de Grantham – 12 pessoas morreram lá em 2011 – não há compradores para sua casa.
“Nós queremos sair. Nós simplesmente não podemos pagar”, diz Godley. “Não podemos fazer nada.”
Então, o que pode ser feito?
O governo prometeu bilhões para ajudar a “ressegurar” as seguradoras contra grandes sinistros resultantes de desastres, argumentando que isso reduzirá pela metade os prêmios para as pessoas no norte da Austrália.
Mas é uma política arriscada, e não é algo que o Conselho de Seguros da Austrália ou o órgão de fiscalização da indústria do país desejavam.
Os críticos apontaram que os desastres agora são frequentemente devastadores em áreas fora do norte da Austrália que não serão cobertas pela política.
Em vez disso, eles estão pedindo que o governo limite o desenvolvimento de áreas residenciais em áreas de alto risco, considere comprar imóveis de alguns proprietários ou crie incentivos para que as pessoas tornem suas propriedades resistentes a desastres.
Mas a resposta óbvia é abordar seriamente o problema da mudança climática, diz Settle — embora isso seja algo que sucessivos governos têm relutado em fazer.
Após grandes incêndios florestais em 2019 e 2020, os australianos foram orientados a se preparar para um futuro “alarmante” de desastres simultâneos e cada vez mais graves.
No entanto, para uma nação tão exposta às mudanças climáticas, a Austrália continua sendo um dos maiores emissores do mundo por habitante.
O governo do primeiro-ministro Scott Morrison prometeu reduzir as emissões em 26% até 2030. Os trabalhistas, sob Anthony Albanese, prometeram um corte de 43%.
Ambas as metas estão abaixo dos 50% recomendados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, das Nações Unidas.
O problema do carvão
A maioria dos australianos quer uma ação climática mais dura, mas tanto o partido do governo quanto o Trabalhista mantiveram silêncio sobre o assunto durante esta campanha eleitoral.
Na cidade de Gladstone, na região central de Queensland, a razão para isso é evidente.
O carvão é parte importante da economia de Gladstone. O produto é enviado do porto local e ajudou a Austrália a se tornar o segundo maior exportador global, além de criar milhares de empregos.
Phil Golby, um funcionário local do Sindicato dos Trabalhadores de Manufaturados da Austrália, diz que “a mudança é inevitável”, mas teme que os trabalhadores da indústria de combustíveis fósseis sejam deixados para trás.
“Ouvi muita conversa. Ouvi muitas apresentações – mas ainda não vi uma trajetória clara para seguir”, diz Golby.
“Se uma nova indústria vier [para Gladstone], precisamos ter certeza de que vamos treinar nossa força de trabalho… [e] que os trabalhadores terão fonte de renda. Não podemos começar a ver as pessoas retrocedendo.”
O carvão está no centro da discussão sobre prosperidade, política e os perigos ambientais da Austrália.
Portanto, eliminar gradualmente os combustíveis fósseis é uma questão politicamente tóxica que nenhum grande partido quer enfrentar de frente, especialmente durante uma eleição.
Isso frustra Bowstead. Para ele e tantos jovens, há uma ansiedade real sobre o impacto da mudança climática na forma como as pessoas vão viver na Austrália no futuro próximo.
“[Isso] não vai acontecer – isso já está acontecendo”, diz ele.
“Parece que vamos ter que assumir a responsabilidade e suportar o peso disso por muito mais tempo do que a maioria das pessoas que estão no poder agora.”
FONTE:AMBIENTE BRASIL (VIA BBC)