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Mesmo vivendo nas margens de rios, comunidades do Pantanal sofrem com a seca

A rotina das 33 famílias que vivem na margem do Rio Paraguai, na APA (Área de Proteção Ambiental) Baía Negra, em Ladário, município de Mato Grosso do Sul, é feita de luta pelos direitos mais básicos, como o acesso à água potável. A comunidade é formada por cerca de 110 pessoas que tiram seu sustento da pesca artesanal, da coleta de iscas e do que a terra dá. Mas, mesmo estando em um lugar de natureza abundante, há anos os moradores locais não dispunham de água adequada para o consumo.

Essa escassez, segundo estudiosos, pode estar sendo agravada pelas mudanças climáticas – um problema global que resulta, em grande parte, da ação humana. Seja pelo desmatamento decorrente do mau uso da terra, como, por exemplo, na agropecuária insustentável e na mineração, ou por obras de infraestrutura, como hidrelétricas, que obstruem rios, provocam assoreamento e fragmentação da rede de drenagem. Uma das consequências de toda essa pressão é a intensificação das secas, com a diminuição da superfície da água no Brasil como um todo e o aumento das queimadas.

Só no Pantanal brasileiro, 74% da superfície de água foi perdida entre 1985 e 2020, de acordo com dados do MapBiomas Água. O estado com a maior redução absoluta e proporcional nesses 35 anos foi Mato Grosso do Sul, com queda de 57%. Embora essa diminuição tenha se dado basicamente no Pantanal, toda a bacia do Rio Paraguai também foi afetada.

Vivendo à beira de um dos maiores rios do Brasil, a comunidade da APA Baía Negra constatou a qualidade da água piorar e o rio encolher com o passar do tempo. “Fomos até a prefeitura de Ladário pedir água porque não dava para beber a do rio e nem todas as pessoas podiam ir buscar na cidade”, lembra Maria de Lourdes Arruda, agente de saúde e moradora do local há 20 anos. Desde 2007, a APA recebe todas as segundas-feiras um caminhão-pipa para abastecimento das casas. Uma medida que deveria ser uma solução emergencial, mas que acabou se tornando permanente.

“A água que o caminhão da prefeitura trazia vinha muito pesada, ruim para beber. A gente tinha que deixar parada para os metais assentarem embaixo, retirar com cuidado só a água, ferver e depois colocar no filtro de barro. Mesmo assim ela não ficava limpa, mas era o que tínhamos”, conta Maria de Lourdes, que hoje preside a Associação das Mulheres Produtoras da APA Baía Negra.

Em março deste ano, porém, a situação da comunidade começou a mudar após um projeto da Ecoa – Ecologia e Ação, em parceria com o WWF-Brasil e financiamento da União Europeia, implementar um sistema de filtragem e tratamento da água do rio, que levam o recurso até as caixas d’água que chegam à sede da associação, onde há uma cozinha comunitária e uma sala para atendimento médico. Naquele local, há torneiras pelas quais toda a população da APA tem livre acesso à água potável e pode abastecer seus galões para levar para as casas.

Esse mesmo projeto de emergência hídrica também foi implementado na comunidade Antonio Maria Coelho, que fica a 35 quilômetros de Corumbá (MS), beneficiando outras cerca de 120 pessoas que estavam com o acesso à água potável comprometido há anos em decorrência da atividade mineradora que secou um rio.

Água diretamente nas casas

Na comunidade Antonio Maria Coelho, o sistema de filtragem chega a cada uma das casas. Isso foi possível por meio de ramais, que levam canos que se conectam direto à pia da cozinha de cada residência, conforme conta o morador Rodrigo Corrêa de Oliveira, de 34 anos, que trabalha como encarregado de produção.

Nascido e criado na comunidade, Oliveira afirma que a água era abundante durante sua infância, mas isso mudou a partir da chegada da mineração. “A água que usávamos no dia a dia vinha de um poço artesiano, mas a Vale fez um poço acima do nosso e a água que chegava aqui secou. Temos um processo há anos na Justiça contra a empresa, mas nada acontece”, relata. Ele é pai de Ester Micaeli, de 7 anos, e de Vitor Gabriel, recém-nascido. “Agora, com esses filtros, o guri vai ter vida boa, só com água limpa. A menina tomou água com minério e pó por muitos anos”, pontua.

A batalha das famílias, como sempre, foi dura. “Foi preciso que a própria comunidade instalasse canos e mangueiras de um novo poço artesiano, a cinco quilômetros daqui, para conseguirmos ter água de novo. Mesmo assim, ela vinha pesada de sujeira”, acrescenta Oliveira. Além da contaminação da água, a comunidade convive com a fuligem do carvão usado como combustível numa siderúrgica local. “A gente coloca roupa no varal e ela sai suja, os móveis ficam cobertos com o pó preto”, destaca o morador.

“Eu, que atuo no Pantanal, me espanto de ver a situação de negligência a que essas comunidades chegaram. Falta água para beber ao lado do Rio Paraguai, um rio que parecia um mar. A atividade mineradora prejudicou demais essas pessoas, assim como outras atividades humanas que têm elevado os riscos climáticos. Está tudo conectado e nessa região isso fica muito evidente”, relata André Luiz Siqueira, diretor presidente da Ecoa.

Na análise de Osvaldo Barassi Gajardo, especialista em conservação e líder do núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil, as pressões impõem desafios variados ao Pantanal. “Nos anos anteriores, focamos nossas ações em equipar e capacitar brigadas para o combate ao fogo. Agora, atuamos também para apoiar comunidades que sofrem com limitações no acesso à água potável, pois temos visto que a seca tem se prolongado ano a ano”, diz.

Luta de gerações

O agravamento da seca não tem dado descanso aos moradores locais. Hoje, Maria Lourdes está à frente da Associação das Mulheres Produtoras da APA Baía Negra, mas a organização não é recente. Até janeiro, a presidenta era Júlia González, ou dona Julinha, liderança comunitária histórica na região, que morreu no início deste ano. “Ela puxava a gente para fazer tudo. E agora tenho que me inspirar nela para seguir nas batalhas da comunidade para melhorar a vida aqui. Um passo de cada vez pelos nossos direitos, direitos pelos quais lutei ao lado da dona Julinha por décadas”, afirma Maria de Lourdes.

Empresa responde

Em nota, a Vale disse que sua operação na região e é realizada em conformidade com a legislação ambiental, “seguindo as melhores práticas para minimizar os impactos para o meio ambiente e para a comunidade”. Informou ainda que a comunidade de Antônio Maria Coelho (AMC) realiza a captação d’água diretamente do córrego Piraputangas e que as operações da Vale “não tem interferência no fornecimento d’água para comunidade”.

Diz ainda: “A tubulação que a comunidade realiza captação tem um percurso de aproximadamente de 3km até abastecer as caixa d’água, e este fornecimento d’água só pode ser interrompido quando ocorre um rompimento desta tubulação sem interferência dos processos da Vale. Reitera-se que a manutenção desta rede de distribuição “tubulação”  é de 100% responsabilidade da comunidade. Quando ocorre um rompimento de tubulação que interfere no abastecimento d’água para comunidade, a empresa é sempre acionada pela comunidade para dar apoio com pipas e a Vale se coloca à disposição sempre para ajuda-los até que seja realizado o  reparo nesta rede de distribuição”. 

FONTE: WWF BRASIL

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