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A Saga

Meus avós maternos, que aqui adotaram o nome de Maria e Clemente, vieram de Osaka, depois que o pai do meu avô foi à falência. No Japão isso é considerado uma desonra e, nesse caso, os pais do outro cônjuge exigem a separação como meio de remediar a desonra para sua família. Minha avó Maria, uma mulher muito firme, enérgica, brava até, não queria isso para sua família, então resolveu que deveriam vir para o Brasil. Isso deve ter sido por volta de 1930 ou 31.
Meu avô paterno, que aqui adotou o nome de Matias, era de Nagano e minha avó paterna, que adotou o nome de Madalena, era de Nagasaki. Meu avô pertenceu à marinha mercante e durante a primeira guerra mundial serviu na marinha japonesa. Era o cozinheiro! Morou nos Estados Unidos e falava inglês e um pouco de francês. Era um homem à frente do seu tempo. A história mais triste da guerra foi quando seu navio foi torpedeado e ficaram à deriva no mar. Começaram a passar fome e os demais marinheiros, no desespero, quase o jogaram ao mar, lembrando que ele era o cozinheiro. Sorte que não o fizeram, porque um navio italiano os abordou e, como meu avô falava francês, conseguiu que os levassem à terra firme. Porém, o Capitão se negou a abandonar o navio, pois no código de honra japonês, um Capitão não abandona o navio. Segundo meu avô, o navio deles foi se afastando e o Capitão acenando foi a imagem mais triste que teve na vida.
Meu avô paterno, depois de trabalhar como colono, teve um hotel em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, e na época da Segunda Guerra, a irmã da minha avó queria vir para o Brasil com a família. Meu avô soube que no estado do Paraná havia ainda algumas fazendas precisando de colonos. Encantou-se pelo norte pioneiro. Comprou um terreno em Londrina, perto da rodoviária velha, mas achou que Cornélio Procópio iria crescer mais. Vendeu lá e comprou um terreno muito maior em Cornélio onde existia um hotel. Depois demoliu esse hotel e construiu um de alvenaria por conselho do então presidente da Caixa Econômica Federal do Estado do Paraná. Naquele tempo as Caixas não eram integradas. Um padre de Cornélio, fez a planta do hotel, muito moderna para época visto que já contava com água quente aquecida com serpentinas que passavam dentro do fogão à lenha.
Essa minha tia avó precisaria esperar a guerra terminar e nesse ínterim, foi lançada a bomba atômica que matou toda sua família. Ela veio do Japão com os sobrinhos, cujos pais assim como seu marido e filhos, morreram naquele fatídico dia.
Meu avô contava que quando terminou a Primeira Guerra Mundial, o Japão estava em maus lençóis pois desde o final do século XIX tinha incentivado a natalidade visto que esteve em guerra com a China, Coreia e Ilha Formosa, mas no término da Primeira Guerra, além de ter que reconstruir Hiroshima e Nagasaki, seu diminuto território não conseguia gerar comida para toda população.
Meu avô Matias, depois da guerra, resolveu criar raízes e casou-se com a promessa de que não iria mais aventurar-se. Qual nada! Ele e minha avó montaram uma loja e um dia ele pegou o ônibus para ir até o centro de Nagasaki para abastecer a loja. Na condução viu uma propaganda sobre o Brasil. Foi até a agência de turismo que constava no cartaz e a descrição que dono dela fez do nossos país, encantou-o ainda mais. O Odissan disse para ele que havia uma expectativa de que fosse patrocinada a vinda de algumas famílias para o Brasil. Quando saiu uma espécie de edital, seriam contempladas apenas as maiores famílias de cada província, e no caso do meu avô, era apenas ele e minha avó.
Mas o Odissan disse para meu avô deixar tudo pronto porque na hora sempre tinha a possibilidade de alguém desistir e então eles embarcariam.
A primeira providência que meu avô fez foi comprar 4 malas iguais. Uma ele comprou roupas leves de algodão, como era indicado no edital, duas eram de fósforos porque ele teve notícias de que havia uma carência disso aqui no Brasil. E a última ele colocou os cobertores e futons que deixaria no Japão, na casa dos pais da minha avó.
No dia do embarque realmente uma família desistiu e meus avós embarcaram. Quando chegaram perto da linha do Equador, o comandante do navio perguntou se alguém tinha algo no convés que poderia ser inflamável e meu avô lembrou-se dos fósforos. Começaram a tirar as bagagens e a surpresa foi que trocaram uma das malas e vieram os cobertores ao invés dos fósforos. O capitão brigou porque o objetivo de não trazerem esse tipo de conteúdo era para deixar o navio mais leve. Mas foi a sorte! Chegaram no Porto de Santos em pleno inverno e estava muito frio. Foi a primeira decepção com o Brasil visto que na propaganda dizia que aqui era calor o ano inteiro!
A família da minha mãe mudou-se de Morro Agudo para Jataizinho e lá montaram uma venda na qual vendiam de tudo um pouco, desde tecido até alimentos.
Essa é uma breve história desses pioneiros que nem sempre foram bem compreendidos por aqueles que ficaram e têm preconceito contra nós porque acham, erroneamente, que nossos antepassados “abandonaram o navio” quando ele estava à deriva. Nossos antepassados vieram para cá para que os demais pudessem sobreviver e ficarem livres do fantasma da fome. Foi um ato de coragem e bravura, não de covardia. Então, nossa admiração e respeito a esses pioneiros!

POR MADAH KAZUMI

FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS POR MADAH KAZUMI

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