Qual é a infraestrutura necessária para o desenvolvimento da bioeconomia na Amazônia?
Historicamente, a implantação de grandes obras de infraestrutura “na” região amazônica não foi capaz de propiciar desenvolvimento econômico e bem-estar às populações locais, além de favorecer expressiva degradação ambiental e grandes desigualdades sociais.
Evidência dessas disparidades são os dados socioeconômicos da região Norte: em 2020, o rendimento domiciliar médio per capita foi de R$ 896, bem abaixo dos R$ 1.349 do país. O acesso da população à infraestrutura também é desigual. No quesito água e saneamento, a região Norte tem índice de acesso à rede de água de 59% (84% no Brasil), coleta de esgoto de 13% (55% no país) e tratamento de esgoto de 21% (contra 51%). Em relação à conectividade, os domicílios da região possuem o menor acesso à banda larga fixa do país, com percentual de 55%, abaixo da média nacional de 81,2%.
A região amazônica necessita, portanto, de uma infraestrutura “para” a Amazônia, que apoie a geração de riqueza para suas populações, com proteção socioambiental. Nesse contexto, a bioeconomia surge como uma rota econômica a ser considerada na Amazônia, tendo como preceitos o uso sustentável dos recursos naturais, a promoção de bem-estar e a geração de renda às populações locais. Essa visão de uma infraestrutura socioterritorial propõe a imposição de um conjunto de atividades e equipamentos que atendam às necessidades básicas dos moradores de um território, por meio de serviços como energia, saneamento básico e conectividadequedevem preservar a qualidade do ar, os recursos hídricos e ter sustentabilidade financeira e social. Em particular, qual seria a infraestrutura de apoio necessária a essa nova economia?
Buscando explorar esta questão, o WWF-Brasil e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração da FGV SP (FGVces) estabeleceram uma parceria, buscando identificar que tipo de infraestrutura seria necessária para o desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis na Amazônia. O estudo também buscou mapear quais desafios devem ser superados para o financiamento dessa infraestrutura por parte do setor financeiro privado.
Além de pesquisa bibliográfica, foram realizadas, entre maio e outubro de 2021, 33 entrevistas com representantes de cooperativas e associações presentes na região amazônica, empresas compradoras de cadeias produtivas sustentáveis, organizações da sociedade civil envolvidas nessas cadeias e atores do setor financeiro (como gestores de ativos e investidores de impacto) que investem ou têm interesse em investir em negócios na Amazônia. Foram analisados 13 estudos de casos, em sua maioria, de cooperativas localizadas nos estados do Amapá, Amazônia, Mato Grosso e Pará, que congregam produtores e extrativistas de ativos da sociobiodiversidade, visando identificar qual a infraestrutura necessária para terem maior escala de negócios.
E o que nossa pesquisa mostrou?
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que não há um consenso sobre o conceito de bioeconomia. Termos distintos como Amazônia 4.0, Terceira Via Amazônica, Economia do Conhecimento da Natureza, Economia da Sociobiodiversidade, entre outros, são adotados por diversos atores com algum grau de convergência. Nesse sentido, quaisquer discussões acerca da infraestrutura necessária para a Amazônia dependem do recorte de bioeconomia que é feito. Para tanto, adota-se aqui os conceitos de bioeconomia tradicional (baseada na biodiversidade, com atividades relacionadas ao extrativismo, neo extrativismo e agricultura de autoconsumo) e florestal (baseada em manejo florestal, com silvicultura de florestas nativas), conforme proposto pelo Grupo de Bioeconomia da Concertação pela Amazônia.
Em segundo lugar, para que os negócios sustentáveis tenham escala na Amazônia e, assim, tenham maior participação na economia da região, é preciso investir no desenvolvimento de dois níveis de infraestrutura: a infraestrutura pesada (ou física) e infraestrutura leve (ou intangível).
A infraestrutura pesada ou física trata de aspectos importantes para que as cadeias produtivas possam se instalar e se desenvolver na Amazônia. Nos casos, foram identificadas necessidades de investimentos em transporte e logística (por exemplo, barcos com câmara fria para transporte de produtos perecíveis, como açaí e pirarucu), acesso à energia elétrica (como uso de painéis solares em regiões isoladas), telecomunicações (por exemplo, acesso à internet de qualidade), saneamento (como estações de tratamento de água para beneficiamento dos produtos) e maquinário para o beneficiamento de produtos da sociobiodiversidade.
A infraestrutura leve ou intangível trata de aspectos relacionados ao ambiente de negócios para que as cadeias produtivas se tornem viáveis economicamente e se mantenham competitivas, tais como investimentos em apoio para: pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para atividades baseadas no extrativismo; o aumento da taxa de bancarização da população local, de maneira a aumentar a integração dos produtores locais ao mercado formal e reduzir os custos de transação; o desenvolvimento de capacidades técnicas e gerenciais (como assistência técnica para manejo sustentável); e acesso a capital de giro (como criação de fundo rotativo em cooperativas para financiamento de capital de giro a produtores/extrativistas). Apoios técnico e financeiro para certificação de produtos também apareceram como importantes.
Em terceiro lugar, ficou evidente a baixa propensão do investidor privado em investir em larga escala na região. Nos casos analisados, observamos, por exemplo, que a maior parte da infraestrutura de apoio da bioeconomia é viabilizada por doações de organizações internacionais, organizações da sociedade civil e empresas que dependem de matéria-prima da região. Isso acontece porque o risco percebido do investimento privado na região é bastante alto; há forte insegurança jurídica e regulatória (como o problema da regularização fundiária), pouco conhecimento do investidor sobre a região amazônica e dificuldade de encontrar negócios que atendam a seus pré-requisitos, como gestão profissional e balanço financeiro auditado. Ademais, a presença de fontes de recursos subsidiados e provenientes de doações geram dúvidas acerca da competitividade do investimento privado na região.
Verifica-se, portanto, para que cadeias produtivas sustentáveis se desenvolvam na Amazônia, é fundamental o investimento na criação das condições estruturantes que viabilizem a operação de negócios na região, como a provisão de maior segurança jurídica a empresas e investidores, com foco em diminuir custos de transação e risco. Essas condições também incluem o desenvolvimento de infraestrutura. Nesse sentido, o setor público, organismos multilaterais e doadores, com capital mais paciente e baixa (ou nenhuma) expectativa de retorno financeiro, poderiam investir no desenvolvimento de ativos com perfil mais próximo a bens públicos, como infraestrutura de conectividade e de transportes. Por outro lado, o fortalecimento das agendas ESG (no inglês, ambiental, social e governança) dos investidores e o desenvolvimento de mercados de carbono representam oportunidades para a aproximação do mercado de capitais com o setor produtivo, incentivando a canalização de recursos privados para a bioeconomia e sua infraestrutura de apoio na região amazônica.
Dentro da lógica de infraestrutura socioterritorial, o processo de implementação, seja leve ou pesada, deve surgir a partir da Amazônia, de toda gente que vive no território, e naturalmente que gere frutos locais. É preciso contemplar as estruturas, os processos de governança da tomada de decisão, e a construção de redes de conhecimento territoriais.
Se o potencial da bioeconomia brasileira na Amazônia é excepcional, grandes também são os desafios para que esse potencial se concretize. Nesse sentido, a parceria entre FGV e WWF-Brasil e FGVces buscou oferecer um mapeamento, a partir das perspectivas de stakeholders com atuação na região, dos desafios a serem superados para que maior número de projetos e empresas dedicados à bioeconomia se tornem economicamente viáveis. Em uma segunda fase, a parceria irá se debruçar na categorização de tipos de infraestrutura para a Amazônia e em recomendações para seu fomento e, assim, seguir contribuindo para a qualificação do debate, extremamente necessário, sobre uma infraestrutura para a região amazônica.
FONTE : WWF BRASIL