Parlamento Europeu aprova nova regra contra produtos oriundos de áreas de desmatamento
Por 453 votos contra 53, o Parlamento Europeu aprovou hoje uma ambiciosa proposta de lei proibindo a comercialização nos países do bloco de produtos oriundos de áreas desmatadas em qualquer parte do planeta. A posição do Parlamento também inclui o setor financeiro europeu, que tem apoiado desmatadores ao redor do planeta.
De acordo com a proposta aprovada pelos parlamentares, todos terão de cumprir um conjunto de regras que impedem a comercialização na UE (União Europeia) de produtos ligados ao desmatamento. Os eurodeputados também querem que as empresas verifiquem se os bens são produzidos de acordo com as disposições de direitos humanos no direito internacional e se respeitam os direitos dos povos indígenas.
A produção deve também respeitar a legislação no país de origem, e, no caso Brasil, estudos apontam que mais de 90% do desmatamento tem indício de ilegalidade.
“As medidas do bloco europeu vão impedir a entrada de produtos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o desmatamento de importantes biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado, e são um claro sinal para o setor produtivo de que a proteção ambiental e dos direitos humanos são itens mandatórios nos negócios internacionais”, afirma Jean François Timmers, especialista em Commodities e Ecossistemas do WWF-Brasil.
“Trata-se de um estímulo à separação do joio e do trigo do agronegócio brasileiro, uma oportunidade de merecida diferenciação comercial entre quem atua com responsabilidade socioambiental e dentro da lei, daqueles que invadem e grilam terras, violam direitos, desmatam e queimam ilegalmente — produtores estes que até então vendiam nos mesmos mercados e sem maiores restrições os seus produtos”, afirma Frederico Machado, líder da estratégia de Conversão Zero do WWF-Brasil. “Finalmente, será reconhecida pelos importadores a banda boa do agronegócio, que percentualmente é a maioria do setor. E, ao contrário do que vem sendo dito por quem representa interesses de grileiros e produtores que se favorecem do desmatamento ilegal não haverá interrupção ou boicote de produtos para a imensa maioria dos produtores brasileiros, que já fazem a coisa certa.”
Contrariando o pedido do atual governo brasileiro, a proposta não faz distinção entre desmatamento legal e ilegal. Isso evitará que mudanças legislativas que afrouxem regras de proteção, como as que estão em discussão no Congresso Nacional, possam ampliar as áreas que podem ser legalmente desmatadas, o que tornaria inócua a nova regra europeia, que tem como objetivo justamente eliminar o desmatamento derivado da expansão agropecuária.
Os eurodeputados estabeleceram que os produtos não devem ter sido produzidos em terras desmatadas após 31 de dezembro de 2019 – uma data de corte um ano anterior àquela ora proposta pela Comissão Europeia. Na prática, isso significa que as empresas importadoras passarão a verificar (a chamada “due diligence”) se os produtos vendidos na UE não foram produzidos em terras desmatadas ou degradadas a partir desta data. A medida visa garantir que os consumidores europeus não estarão, indireta e involuntariamente, contribuindo com a destruição de ecossistemas naturais para abertura de novas áreas para o agronegócio. O desmatamento é uma das principais ameaças à biodiversidade e uma das maiores fontes de emissões dos gases que estão acelerando a crise climática.
Essa regra beneficia sobremaneira o Brasil, que dispõe de tecnologia de produção, sistemas públicos de transparência (como Prodes Amazônia e Cerrado, Sistema CAR, SIGEF/Incra) e que possui imensas extensões de terras já desmatadas e aptas para multiplicar sua produção agrícola atual por 3 ou 4, no mínimo, sem precisar cortar uma só árvore sequer. Também ficou amplamente comprovado que o desmatamento é um dos grandes vetores das mudanças climáticas, reduzindo as chuvas que são essenciais para garantir a boa produção no campo.
Anke Schulmeister-Oldenhove, Diretora Sênior de Políticas Florestais do Escritório de Políticas Europeias do WWF: “A votação no Parlamento hoje para uma forte lei de desmatamento foi um claro sim: um sim para reduzir a pegada da UE e um sim para proteger florestas e savanas e os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais ao redor do mundo. Também foi um sim aos apelos dos cidadãos da UE que não querem alimentar a destruição da natureza através do seu consumo”.
Cerrado também será protegido
Outro importante avanço foi a inclusão de “outros ecossistemas com cobertura arbórea” (other wooded lands) além das florestas no texto da lei. Isso significa que produtos oriundos do desmatamento de quase toda a extensão e do Cerrado brasileiro, por exemplo, também serão barrados. Para tanto, a nova lei passa a exigir também um número maior de verificações de produtos, definições mais claras para termos importantes como “degradação florestal” e um leque de produtos amplo, que vai além da carne bovina e soja, abrangendo cacau, café, óleo de palma e madeira e incluindo produtos derivados dessas atividades agropecuárias, como couro, chocolate e produtos que usaram soja, por exemplo.
A aprovação da proposta coincide com o recorde de desmatamento da Amazônia registrado em agosto: 1.661 km², área 81% superior ao registrado em agosto do ano passado, de acordo com dados do Sistema DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse total é o segundo maior da série histórica do sistema, iniciada em 2016, sendo superado apenas por agosto de 2020, também durante o governo Bolsonaro, quando o desmatamento no bioma chegou a 1.714 km². No acumulado de 1 de janeiro a 31 de agosto, foram registrados alertas de desmatamento 52,1% superiores à média histórica do DETER para o período. O Cerrado, por sua vez, perde mais de dois mil hectares de vegetação nativa por dia.
Por outro lado, há no Cerrado cerca de 38 milhões de hectares de terras já desmatadas aptas à expansão da produção de soja. Essa é praticamente equivalente à área total de plantio de soja no Brasil todo. Ou seja, com um uso mais inteligente das terras já abertas, a produção de soja poderia quase dobrar, só no Cerrado, sem contar os milhões de hectares já abertos e com baixa produtividade disponíveis nos outros biomas.
Importante ainda salientar que já dispomos no Brasil de boas inspirações sobre como implementar políticas de desmatamento zero (legal e ilegal), sem comprometer a expansão produtiva. Um dos grandes exemplos mundiais é exatamente a Moratória da Soja na Amazônia, que desde o seu início, em 2006, permitiu a expansão da produção de soja no bioma em mais de 400% (ocupando principalmente pastagens degradadas), sem que tenha havido um impacto relevante de desmatamento.
Histórico e próximas etapas
A partir de agora, o texto da lei será discutido em diálogo tripartite entre o Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho da Europa, para aprovação de um texto definitivo, previsto para ser promulgado no final deste ano ou no início do ano que vem.
O texto hoje aprovado resulta de um clamor sem precedentes dos cidadãos europeus: mais de 200 mil pessoas enviaram mensagens aos deputados do Parlamento Europeu pedindo pela proteção dos ecossistemas naturais. Houve igualmente o apelo por parte de povos originários em países que exportam para a Europa, inclusive povos do Brasil, que têm até suas próprias vidas ameaçadas pelo processo de avanço da produção agropecuária sobre suas comunidades e áreas de vegetação nativa.
Na semana passada, a Rede Cerrado entregou a “Carta dos Povos do Cerrado” a eurodeputados, governos e setor privado europeus, demandando uma legislação ambiciosa que tenha a capacidade de eliminar o desmatamento do Cerrado. Essa carta contou com a assinatura de mais de 130 organizações de base comunitária, sociedade civil e grupos acadêmicos.
FONTE:WWF BRASIL