EntretenimentoVariedades

Musical sobre Clube da Esquina comove ao conectar ao Brasil de 2022 os sonhos de Milton Nascimento e da família Borges

Resenha de musical de teatro

Título: Clube da Esquina – Os sonhos não envelhecem

Texto: Fernanda Brandalise (com base em livro de Márcio Borges)

Direção: Dennis Carvalho com assistência de Thiago Marinho

Direção musical: Alexandre Kassin com assistência de Elísio Freitas

Elenco: Tiago Barbosa (Milton Nascimento), Rômulo Weber (Márcio Borges), Cadu Libonati (Lô Borges), Léo Bahia (Marilton Borges), Marya Bravo (Maricota Borges), Rafael de Castro (Salomão Borges), Vitor Novello (Wagner Tiso), Daniel Haidar (Fernando Brant), Tom Karabachian (Beto Guedes), Gab Lara (Ronaldo Bastos), Celso Luz (Naná Vasconcelos), Eline Porto (Duca Leal), Elá Marinho (Elis Regina), Guilherme Ferraz (Robertinho Silva), Oscar Fabião (Toninho Horta) e Ana Elisa Schumacher (Sofia e Jeanne Moreau)

Cotação: ★ ★ ★ ★

♪ Espetáculo em cartaz no Teatro Riachuelo, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), de quinta-feira a domingo, até 23 de outubro, com sessão extra em 19 de setembro.

♪ Um sol que evoca a imagem de um trem é a primeira visão do espectador quando o musical Clube da Esquina – Os sonhos não envelhecem entra em cena no palco do Teatro Riachuelo. A imagem simboliza a chegada de Milton Nascimento (Tiago Barbosa), de mala na mão, a Belo Horizonte (MG), terra em que brotaria uma amizade sólida entre o artista, o clã dos Borges e amigos parceiros como Fernando Brant (1946 – 2015).

Mote do movimento pop que seria conhecido como Clube da Esquina, esses laços fraternos são a matéria-prima do musical de teatro, cujo texto de Fernanda Brandalise é baseado no livro Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina (1996), escrito pelo compositor Márcio Borges, um dos personagens centrais da narrativa protagonizada por Milton.

Nove anos após orquestrar Elis, a musical (2013), um dos maiores sucessos do teatro musical brasileiro, Dennis Carvalho dirige espetáculo que emociona ao entrelaçar histórias de amor, música, amizade e política que sensibilizam o público, sobretudo quando estabelecem conexão com o momento de resistência do Brasil em 2022, como em Para Lennon & McCartney (Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant, 1970), número coletivo puxado pelo ator Rômulo Weber, intérprete de Márcio Borges.

A rigor, essa história começou há 60 anos quando Milton compôs a primeira música em 1962 – Barulho de trem, lançada em disco em 1964 em registro instrumental do Conjunto Holiday – e ganhou impulso a partir do encontro do artista iniciante com os Borges, família que o acolheu com afeto, sob a benção da matriarca Maria Fragoso Borges (1920 – 1996), a Dona Maricota, personagem defendida com humor por Marya Bravo, atriz pouco aproveitada em cena como (ótima) cantora, com direito a um único (meio) solo em Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976).

A parceria com Márcio Borges – iniciada quando Milton e o novo amigo assistem ao filme Jules et Jim (1962) e decidem fazer música, embevecidos pela beleza do longa-metragem do cineasta francês de François Truffaut (1932 – 1984) – foi o primeiro passo de movimento gregário que floresceria no alvorecer da década de 1970.

Com projeção de algumas imagens do filme de Truffaut, o musical enfatiza a amizade verdadeira entre os dois jovens músicos, mineiros de alma e coração, ainda que a origem da personagem principal seja acidentalmente carioca.

Em cena, Tiago Barbosa personifica Milton Nascimento de forma excepcional, escorado em caracterização perfeita que faz o ator evocar a figura do cantor em todas as fases da vida. Embora a voz de Milton seja coisa de Deus, irreproduzível em cena, como fica claro logo na interpretação do primeiro número, Cais (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972), Tiago Barbosa canta bem e tem momento arrebatador ao atingir a profundidade emocional de Caçador de mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980), já perto do arremate da narrativa, quando Milton busca fugir das armadilhas da mata escura, personificadas pelo apego ao álcool.

Fiel ao espírito gregário da história, o musical Clube da Esquina – Os sonhos não envelhecem se escora na força coletiva de elenco harmonioso. Ainda que haja presenças sobressalentes como a de Léo Bahia, que imprime em Marilton Borges um registro cômico típico do ótimo ator (para deleite da plateia), o espetáculo é regido pela coletividade e, por isso, alcança o coração de estudante do espectador.

O texto flui bem, ainda que com eventuais imprecisões históricas. A mais grave é dar a entender que Elis Regina (1945 – 1982) –um tanto histriônica na interpretação de Elá Marinho – se deslumbrou com a música de Milton Nascimento após ouvir o cantor apresentar Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant) em 1967 na segunda edição do Festival Internacional da Canção (FIC) quando, na verdade, a antenada cantora projetara o compositor no ano anterior ao gravar Canção do sal (Milton Nascimento, 1965) no álbum Elis (1966).

https://0475bc9689b12a10d11471f7087c401c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

A serviço da emoção, o texto se desprende da cronologia dos fatos e das músicas, apresentadas fora do contexto original. Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento, Márcio Borges e Lô Borges, 1972), por exemplo, é cantada no momento em que Milton grava o álbum Clube da Esquina 2 em 1978, mas, a rigor, a canção fez parte do antológico primeiro álbum Clube da Esquina, gravado em 1972 e assinado por Milton com Lô Borges, personagem confiado a Cadu Libonati.

Nenhuma dissonância histórica impede, contudo, que o musical resulte sedutor ao longo dos dois atos orquestrados com ênfase na irmandade estabelecida entre os jovens artistas com doses de álcool e de esperança no futuro do Brasil. A fluência é notável do início ao fim.

Sob a direção musical de Kassin, assistido por Elísio Freitas, o monumental repertório do Clube da Esquina – e de compositores agregados ao movimento, como Toninho Horta, autor de Beijo partido (1975), memorável solo de Eline Porto no momento da separação da personagem Duca de Márcio Borges – reaparece em cena sem invenções de moda.

Estão lá, intactas, letras e melodias que atravessam gerações com a juventude dos sonhos que nunca envelhecem. O que facilita a interação do público, por exemplo, quando os atores Tom Karabachian (bem como o comicamente tímido Beto Guedes)) e já citado Cadu Libonati (idem como Lô Borges) puxam o coro da plateia em Paisagem da janela (Lô Borges e Fernando Brant, 1972).

O musical entrelaça humor e fraternidade com política, entranhada em boa parte da dramaturgia. A notícia da morte do estudante Edson Luís (1950 – 1968) – assassinado pela polícia que entrou em confronto contra manifestação estudantil – é pretexto para Tiago Barbosa comover no canto denso de Menino (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1976).

Entram em cena também os ciúmes (logo superados) dirigidos por Márcio Borges a Fernando Brant (Daniel Haidar) no início da parceria de Milton com o letrista lapidar de Saudade dos aviões da Panair / Conversando no bar (1974).

Brant e Márcio se complementaram na obra de Milton Nascimento porque ambos traduziram em palavras precisas a alma do compositor, como deixa claro o balanço existencial da geração, feito nas músicas-irmãs O que foi feito devera (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1978) e O que foi feito de Vera (Milton Nascimento e Márcio Borges, 1978), letradas por um e por outro.

E por falar em Fernando Brant, o dueto de Daniel Haidar com Tiago Barbosa em Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1980) enternece por trazer à cena o menino que ainda mora dentro da alma de todos aqueles jovens que, fazendo música, fizeram história neste musical de teatro que já vem arrebatando plateias desde que estreou em agosto em Belo Horizonte (MG), cidade onde nasceram os sonhos que ainda mobilizam o Brasil em 2022, como ressalta esse espetáculo de espírito gregário, tão fraterno quanto necessariamente político porque outros outubros hão de vir.

FONTE : G1 ( POR MAURO FERREIRA)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *