No STF, organizações questionam a “boa-fé” no comércio de ouro no Brasil
A DPU (Defensoria Pública da União), o WWF-Brasil, o Instituto Alana e o Instituto Socioambiental ingressaram ontem, 16/2, no STF (Supremo Tribunal Federal) como amicus curiae (amigo da corte) em ação que questiona a “boa-fé” no comércio do ouro. Atualmente quem adquire o minério de forma ilícita é beneficiado por alegar a presunção de legalidade, inviabilizando a responsabilização. Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pode derrubar a auto-declaração de origem do minério e obrigar as DTVMs (Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários) a estabelecer mecanismos para se certificar que o ouro comprado é legal e respeita os direitos humanos.
As entidades defendem a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 4º, do artigo 39, da Lei n. 12.844/2013, que instituiu a presunção de legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente. Segundo eles, as extrações ilegais de ouro, as violações aos direitos humanos e os danos ambientais aumentaram exponencialmente desde a promulgação desta lei. A crise Yanomami é um exemplo recente das consequências da debilidade da legislação brasileira sobre o comércio de ouro.
Dados inéditos, fornecidos pelo WWF-Brasil, foram entregues ao STF. A organização identificou índices alarmantes de ilegalidade na produção de ouro nacional. Faltam autorizações da Agência Nacional de Mineração para cerca de 75% da área garimpada na bacia do Tapajós, uma das principais regiões de produção de ouro do país. No município de Itaituba e Jacareacanga, detentores de mais de 35% da área garimpada no Brasil, os índices de ilegalidade chegam a 90% e 98%, respectivamente. Além da falta de autorização da Agência Nacional de Mineração, boa parte do ouro ilegal está sendo produzido em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, onde a atividade é proibida pela Constituição Federal
“É urgente que o STF declare a inconstitucionalidade da presunção de legalidade e boa-fé na aquisição do ouro no Brasil, que tem favorecido atividades criminosas e a violação de Direitos Humanos. Temos visto nos últimos anos um avanço da mineração ilegal, com impactos diretos nas comunidades indígenas e o meio ambiente. É preciso estabelecer mecanismos eficientes para certificar e rastrear o comércio do ouro no país”, explica o advogado Rafael Giovanelli, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Segundo dados do Banco Central, na bacia do Tapajós estão localizados cerca de ¼ de todos os postos autorizados de compra de ouro (22 ao total), e o município de Itaituba é o campeão nacional (17 ao total). O ouro ilegal produzido no Tapajós entra em peso no mercado nacional, contaminando toda a cadeia produtiva do país. O fato é agravado por uma previsão legislativa que dá aos compradores de ouro a presunção de boa-fé na compra do metal, ou seja, segundo a legislação, mesmo nesse cenário de generalizada ilegalidade, as instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central a comprar ouro não precisam tomar nenhuma medida eficaz para garantir que o ouro que estão comprando não é ilegal.
O rastro de destruição deixado pelo ouro é gravíssimo, prejudicando o meio ambiente e a saúde humana. Estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz na Terra Indígena Sawré Muybu encontrou níveis de mercúrio acima dos limites toleráveis nos peixes da região, fato que expõe as populações dessa região, incluindo crianças, a um cenário de alta exposição e risco. O mercúrio é utilizado no processo produtivo do ouro, sendo despejado sem nenhum cuidado nos rios da Amazônia. Populações urbanas também sofrem com esse problema. Levantamento realizado pela Fiocruz em Santarém, no Pará, identificou que mais de 75,6% das pessoas testadas apresentaram concentrações de mercúrio superiores ao limite de segurança. A contaminação mercurial prejudica o sistema nervoso central, o sistema respiratório e contamina os fetos de gestantes, entre outras mazelas.
Segundo levantamento da Defensoria Pública da União, além da contaminação mercurial, garimpos clandestinos são ambientes propícios para a ocorrência da malária, a qual se espalha para as comunidades indígenas. Com o adoecimento da comunidade, as atividades de coleta de alimento e de roça se tornam impossíveis, reduzindo a disponibilidade de alimentos, o que resulta na elevação dos índices de desnutrição, atingindo especialmente as crianças e idosos. Além disso, a presença do garimpo ilegal gera conflitos entre os invasores e os povos indígenas, e com o Estado. Segundo a DPU, na Terra Indígena Yanomami, em razão dos conflitos, ameaças e condições precárias de trabalho, 6 (seis) Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram desativadas nos últimos anos, precarizando, ainda mais, o acesso à saúde do povo Yanomami.
FONTE: WWF BRASIL