Um sábado na Palestina
Quando voltei a Jericó, na Palestina, pela segunda vez, em novembro de 2022 o guia da Imersão Hadassa me mostrou na loja que é de propriedade de um primo distante do ex-presidente da República do Brasil, Michel Temer, a rosa-de-Jericó. Ele me explicou, então, que a flor-de-Jericó – assim chamada também – consiste numa metáfora da própria ressurreição do Cristo. Aos meus olhos, a rosa – que não tem nada de rosa, mas sim de espinho – se apresentou como um emaranhado de ramos, enrolados, dando a impressão de ser um novelo de lã ou um volume de fios entrelaçados. Típica do deserto – e Jericó é, na verdade um oásis, rodeada pela árida terra da Cisjordânia – a rosa-de-Jericó praticamente não depende de gota d’água para sobreviver. Sem água, ela é fosca – a que eu vi tinha assim a tonalidade mórbida e de aspecto ressecado. Contudo, ao receber partículas do precioso H2O, a flor vai ganhando vida, se expandindo, como se despertada para o mundo, ressuscitando-se. Por isso, a planta também é chamada de rosa-da-ressurreição.
A primeira vez que percorri as estradas entrecortadas pelo deserto da Palestina – o mesmo deserto de pedra e montanhas onde Jesus jejuou por 40 dias e 40 noites – não era um sábado, Sábado era quando lá voltei pela última vez. Eram os últimos momentos da imersão, passaríamos os três dias em Jericó, a cidade mais antiga do mundo. São 11 mil anos de história. Isso significa que o oásis já era habitado cerca de 9 mil anos antes da passagem de Jesus Cristo.
Recordo que entrando em Jericó pela primeira vez identifiquei um menino correndo e me veio à mente a antológica interpretação de Gal Costa de ‘Força Estranha’: “Eu vi um menino correndo, eu vi o tempo”. Gal ainda não havia falecido, morreria dias depois, em 9 de novembro de 2023. O tempo na Palestina me trouxe muitas outras lembranças, revivi muita coisa e foi lá que os cânticos islâmicos me envolveram no fim de tarde. Fica em Jericó o Monte da Tentação, onde Jesus não sucumbiu às insinuações das coisas mundanas, como o excesso do poder, a irresponsabilidade do ter e a inconsequência de assumir plenamente os impulsos momentâneos.
Lutamos sempre contra esses nossos rompantes e é por isso que vira e mexe me ocorre que Peter Pan luta contra ele mesmo ao encarar o Capitão Gancho. Pan luta para não ser um desequilibrado como o Gancho, quando adulto. Se Peter continuasse a crescer na Terra do Nunca, fatalmente, seria mais um Capitão Gancho a correr dos ponteiros de um relógio mágico e a se esconder de um baita crocodilo medonho, que para muitos é chamado de morte, de fim.
Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com