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O acesso à energia e a mudança na vida de uma comunidade no Sul do Amazonas

Vila Limeira é a 1ª comunidade remota com eletricidade 24 horas e 100% solar do Sul do Amazonas, com usina fotovoltaicaCriada a partir do ciclo da borracha, na década de 1950, a comunidade de Vila Limeira é uma das quase 100 que integram a Reserva Extrativista Médio Purus, entre os municípios de Lábrea e Pauini, no sul do Estado do Amazonas. Os primeiros moradores foram nordestinos que chegaram na região para trabalhar com borracha. Com a mudança do ciclo econômico, tornaram-se extrativistas, vivendo do que a floresta lhes dá: pesca, madeira, frutos, mel, farinha, roçado.

Hoje cerca de 80 pessoas vivem nesta comunidade, e como em todas as outras localidades remotas sem acesso à energia convencional, só tinham eletricidade por três horas noturnas a partir de um gerador a diesel comunitário, que consumia cerca de 10 litros por dia.

Em 2018, a comunidade quis saber mais sobre a energia solar. Queria entender como funcionava, qual era o custo, o que precisava fazer para ter eletricidade 24 horas por dia e assim aumentar sua produção com oferta de refrigeração e gelo, ampliar o acesso à educação e comunicação e claro, levar mais lazer aos moradores.

Foi assim que surgiu o projeto Vila Limeira 100% Solar, numa iniciativa conjunta da Apavil – Associação dos moradores da Vila Limeira, do WWF-Brasil, com apoio da Fundação Mott e autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Por conta da pandemia de covid-19 e restrições a viagens, a implantação do projetos atrasou, mas em agosto de 2021 a usina solar foi inaugurada.

Na Vila Limeira, todas as casas, a escola, centro comunitário e a maioria das atividades produtivas acontecem muito próximas. Por isso, optou-se por projetar e implantar uma minirrede off grid, conhecida no Brasil como Microssistema Isolado de Geração e Distribuição de Energia Elétrica (MIGDI). Somando todas as demandas energéticas locais, concluiu-se que uma usina solar de 30kWp seria suficiente para as expectativas comunitárias.

O sistema foi projetado com equipamentos e uso de tecnologia no estado da arte, incluindo banco de baterias de lítio, com durabilidade de 15 anos e medidores individuais digitais em todas as unidades consumidoras. A comunidade participou de todo o processo, desde o início do projeto, da instalação final e atualmente no monitoramento do consumo de energia.  Foi responsável pelas obras físicas de estrutura e foi treinada na instalação para dar manutenção básica ao sistema, além de monitorar a geração, o consumo e o carregamento de baterias. Saber quanto é gerado e controlar o consumo é importante para a durabilidade e sustentabilidade do sistema e bem-estar de todos.

Dados da implementação do projeto

A Vila Limeira é a 1ª comunidade remota com eletricidade 24 horas e 100% solar do Sul do Amazonas. No local foi adotado um Microssistema Isolado de Geração e Distribuição de Energia Elétrica (MIGDI) com usina solar fotovoltaica de 32 kWp.  Segundo a Eletrobrás, o atendimento aos sistemas isolados, conforme Manual para Atendimento às Regiões Remotas dos Sistemas Isolados, deverá ser feito por meio de MIGDI ou Sistema Individual de Geração de Energia Elétrica com Fonte Intermitente (SIGFI), os quais possuem procedimentos e condições definidos na Resolução Normativa da ANEEL nº 493/2012.

Assim, após instalação do sistema e construção da minirrede, houve um período de ajustes e definições, tanto do modelo de operação e de cobrança pela energia gerada até a pactuação sobre à manutenção do sistema. Um treinamento básico foi realizado com moradores que passaram a cuidar da instalação.

O projeto Vila Limeira 100% Solar apresentou diversos desafios ao longo do seu processo de implantação, desde a interrupção de trabalho em campo, causada pela pandemia, pelas dificuldades inerentes ao ecossistema Amazônico, como logística, por exemplo. Apesar de todas as barreiras e dificuldades, a instalação física do sistema foi finalizada em meados de 2021 e segue operando e gerando energia limpa e renovável. Dados estão sendo coletados localmente e têm gerado informações interessantes sobre o perfil de consumo comunitário.

Consumo de energia

O relatório completo (veja ao lado em downloads) apresenta tabela completa com o consumo de energia por unidade consumidora em Vila Limeira. Os valores foram registrados individualmente por meio de medidores de energia instalados em cada unidade consumidora.

O consumo médio mensal de energia de toda a comunidade é de 1.063 kWh. Esse consumo equivaleria a cerca de 50% da capacidade de fornecimento de energia do gerador solar. O consumo médio mensal por UC é pouco acima de 30 kWh. Esse é um dado bem importante para futuras modelagens de MIGDIs na região. É fato que existe uma demanda reprimida por energia e que tal consumo médio deverá subir nos próximos meses, principalmente após aumento de renda. De qualquer forma, é um indicativo de consumo de energia em comunidades recém eletrificadas.

A falta de uma cadeia de suprimento na região dificulta a manutenção corretiva, como foi o caso do ocorrido em outubro, quando um simples cabo de comunicação falhou e o sistema ficou parado por 30 dia. O componente necessário teve de ser despachado de São Paulo, com custos e prazos bem dilatados.

A necessidade de se estruturar uma cadeia de fornecedores de serviços e equipamentos na região Norte é de grande importância para que os sistemas energéticos instalados na Amazônia possam funcionar por muitos anos e gerar o maior benefício possível para as comunidades, permitindo as condições para a universalização do acesso à energia elétrica no Norte antes das metas do governo, que seguem sendo postergadas indefinidamente.

O trabalho conjunto entre concessionárias, universidades, empresas fornecedoras, associações representativas e ONGs poderia fomentar a criação de empreendedores / empresas locais (regionais) para dar manutenção preventiva e corretiva nestes sistemas energéticos (basicamente sistemas fotovoltaicos), gerando uma competência local que iria diminuir muito os custos com deslocamento e tempo. Contudo, nada disso irá se materializar se não houver políticas públicas melhor desenhadas para o acesso à energia na Amazônia.

Gestão financeira

Do ponto de vista de gestão financeira e cobrança de tarifa pela energia consumida, a comunidade decidiu que seria cobrado, a princípio, R$ 0,80 / kWh (oitenta centavos por quilowatt-hora). A partir de junho de 2022 em acordo, o valor aumentou para R$ 1/kWh (um real por quilowatt-hora). Com base nestes valores, a comunidade acumulou cerca de R$ 9.800 nos 10 meses de operação. Em 12 meses a projeção de receita é de aproximadamente R$ 12 mil.

O grande desafio neste modelo de gestão comunitária é conseguir, de fato, acumular os valores coletados ao longo dos anos. É comum que as prioridades mudem e necessidades de curto prazo demandem capital que é difícil conseguir de forma rápida. Nestes casos, o valor que vem sendo reservado para a troca do banco de baterias é uma possível, e talvez única, fonte de recurso disponível imediatamente. Historicamente, fundos de manutenção falharam exatamente por este motivo, serem utilizados para outros fins.

É nesse ponto que podem ser interessantes contratos de manutenção com as atuais distribuidoras. Atualmente, elas só oferecem manutenção nos sistemas por elas instalados e muitas vezes são realizados pelas empresas que foram contratadas para fornecer os kits solares no âmbito dos programas oficiais (Mais Luz para a Amazônia e Luz para Todos). Ou, a depender dos modelos de negócios a serem implantados na região, outras empresas especializadas também poder oferecer esse tipo de serviço, sempre seguindo as normativas da ANEEL e ABNT.

O caso da Vila Limeira traz essa perspectiva de negócio, mas também fortalece a opção das MIGDIs com medidores individuais como importante opção energética. Sem a necessidade de mudança na estrutura física de cada construção de uma comunidade, principalmente daquelas onde a vida comunitária acontece muito próxima e mantendo a usina a uma distância segura da comunidade, com moradores treinados para a manutenção e leitura de medidores. O caso na Vila Limeira mostrou-se mais vantajoso do ponto de vista econômico e ambiental uma minirrede que dezenas de SIGFIs. Não mudou a dinâmica da comunidade, não afetou a paisagem local.

Sugere que também nos programas públicos de eletrificação seja feita essa consulta às comunidades, em vez de a concessionária chegar com um pacote pronto.

FONTE: WWF BRASIL

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