EntretenimentoVariedades

Zélia Duncan descarta hits em show confiante na fina costura de dois álbuns da artista

Resenha de show

Título: Sem tirar os olhos do mundo

Artista: Zélia Duncan

Local: Teatro Riachuelo (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 2 de agosto de 2023

Cotação: ★ ★ ★ ★

♪ “Confia no meu roteiro”, pediu Zélia Duncan ao ouvir intervenção de um dos espectadores que lotaram o Teatro Riachuelo na noite de ontem, 2 de agosto, para assistir à estreia carioca do show Sem tirar os olhos do mundo, cujo título reproduz verso da canção Pelespírito (2021).

A cantora, compositora e instrumentista fluminense confiou na intuição e na obra ao dar forma a show corajoso em que descartou hits em roteiro calcado no entrelaçamento dos repertórios de dois álbuns díspares, Sortimento (2001) e Pelespírito (2021), separados por 20 anos.

Se Sortimento é disco para fora em que Zélia começou a se expandir além do folk que deu o tom dos três álbuns lançados pela artista entre 1994 e 1998, Pelespírito é disco para dentro, interiorizado nos sentimentos e temores pandêmicos da era da peste biológica e da peste política que se abateram sobre o Brasil em anos recentes.

Em cena, misturadas no roteiro assinado por Zélia com as diretoras Flávia Pedras e Simone Mina, as músicas dos dois álbuns se irmanaram e cresceram sob a direção musical do baixista Ézio Filho, comandante de banda integrada por Webster Santos (guitarra e violão), Léo Brandão (teclados e acordeom), Christiano Galvão (bateria) e pelas vocalistas Luanah Jones e Senhorita Paola.

Foi interessante ver como título menos saboroso do cancioneiro autoral da compositora, Chicken de frango (2001), parceria com Rodrigo Maranhão, ganhou tempero, pegada e urbanidade que ecoaram a pressão do som da Nação Zumbi.

Se Tudo por nada (2021) migrou do sertão pantaneiro para o território norte-americano do country, Nossas coisinhas (2021) permaneceu desnuda, tocada ao violão pela cantora como declaração afetuosa de amor à companheira Flávia Pedras, designer que assina com Simone Mina a direção de arte do show, cuja moldura cênica é formada por videografismos criados por Vic von Poser a partir de desenhos de Zélia.

A costura de músicas, textos – com destaque para a história das bandeiras expostas em janelas vizinhas e antes amistosas – e vídeos dá sentido político ao show Sem tirar os olhos do mundo. E esse sentido soa natural porque não há mais como dissociar Zélia Duncan da militância e das bandeiras hasteadas em favor da democracia e das liberdades afetivas.

Os links são delicados como o show. É preciso estar atento para captar que o verso final da canção Vou gritar seu nome (2021) – dedicada por Zélia à atriz e humorista Claudia Jimenez (1958 – 2022) – é a senha para a entrega de Flores (2001) no número seguinte. Música aliciante de Fred Martins e Marcelo Diniz, apresentada pela cantora no álbum Sortimento, Flores foi uma das três vezes em que Zélia Duncan saiu do trilho autoral sem sair do conceito do show.

As outras vezes se justificaram com o canto de Beijos longos (Jerry Espíndola, Alzira E e Arruda, 2011) – música do álbum Minha voz fica (2021), songbook do cancioneiro de Alzira E – e com a lembrança de Por que eu não pensei nisso antes? (1998), tema de Itamar Assumpção (1949 – 2003), compositor do qual Zélia foi a principal tradutora para o universo pop, tendo autoridade para cantar o Nego Dito.

A propósito, cabe elogiar a lisura da artista em optar por não cantar Rita Lee (1947 – 2023) no show no momento em que muitos embarcam em tributos de caráter puramente mercantilista. Zélia poderia cantar Rita Lee se quisesse, pois já gravava música da roqueira desde o primeiro disco, Outra luz (1990), quando ainda se apresentava com o nome de Zélia Cristina. Mas não fazê-lo nesse momento é reiterar integridade artística exposta ao longo das 24 músicas de roteiro construído sem concessões.

Entre a constatação de Passam (2021) e a fervura de Boca em brasa (2022), baião composto por Zélia com Juliano Holanda para Simone gravar no álbum Da gente (2022), a cantora resgatou outra parceria com Rodrigo Maranhão, Beleza fácil (2001), e confirmou em cena a beleza melódica de Viramos pó? (2021), canção tão envolvente que espectadora gritou “bonitinha” da plateia do Teatro Riachuelo.

Ao encadear canções mais ou menos belas com nova costura em show que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) após estrear em São Paulo (SP), Zélia Duncan mostrou certeza de que sabe o que diz e canta com os olhos em mundo de inteligências e posturas cada vez mais artificiais.

Quando a cantora saiu de cena após o voo luminoso de Borboleta (Marcelo Jeneci, Alice Ruiz, Arnaldo Antunes e Zélia Duncan, 2011) no arremate do bis, ficou claro mais uma vez que Zélia Duncan e qualquer roteiro da artista merecem confiança.

♪ Eis as 24 músicas do roteiro seguido por Zélia Duncan em 2 de agosto de 2023 na estreia carioca do show Sem tirar os olhos do mundo no Teatro Riachuelo, em apresentação que abriu a programação comemorativa de sete anos do teatro situado no centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. Pelespírito (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

2. Tudo por nada (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

3. Onde é que isso vai dar? (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

4. O que se perdeu? (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

5. Chicken de frango (Rodrigo Maranhão e Zélia Duncan, 2001)

6. Antes do mundo acabar (Zeca Baleiro e Zélia Duncan, 2015)

7. Vou gritar seu nome (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

8. Flores (Fred Martins e Marcelo Diniz, 2001)

9. Nossas coisinhas (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

10. Beijos longos (Jerry Espíndola, Alzira E e Arruda, 2011)

11. Me faz uma surpresa (Zeca Baleiro e Zélia Duncan, 2019)

12. Passam (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

13. Hóspede do tempo (Fred Martins e Zélia Duncan, 2001)

14. Raio de neon (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

15. Viramos pó? (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

16. Beleza fácil (Rodrigo Maranhão e Zélia Duncan, 2001)

17. Nas horas cruas (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

18. Boca em brasa (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2022)

19. Por que eu não pensei nisso antes? (Itamar Assumpção, 1998)

20. Me revelar (Christiaan Oyens e Zélia Duncan, 2001)

21. Vai melhorar (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021)

Bis:

22. Eu e vocês (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2020) /

23. Não vá ainda (Christiaan Oyens e Zélia Duncan, 1994)

24. Borboleta (Marcelo Jeneci, Alice Ruiz, Arnaldo Antunes e Zélia Duncan, 2011)

FONTE: G1 (POR MAURO FERREIRA)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *