Com cerca de 8 mil participantes, termina a III Marcha das Mulheres Indígenas
erca de oito mil mulheres indígenas, de diferentes povos e territórios do Brasil e do exterior, se reuniram em Brasília para reafirmar seu compromisso de proteger a vida e o Planeta. A III Marcha das Mulheres Indígenas, que foi organizada pela Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) e ocorreu de 11 a 13 de setembro, discutiu temas como igualdade de gênero, defesa dos direitos das mulheres indígenas e conservação dos biomas.
A mobilização foi intensa. Ao final dos três dias, foram lançados uma cartilha sobre violência de gênero e o primeiro Projeto de Lei traduzido para uma língua indígena, além de serem formalizados compromissos entre o Ministério dos Povos Indígenas e outras pastas, como a portaria de criação do Grupo de Trabalho Técnico para fomentar políticas públicas para Mulheres Indígenas e o acordo de Cooperação Técnica para conceber e incentivar políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento das violências contra as mulheres indígenas. Também foi acordado com a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) o estímulo a ações de inclusão dos povos indígenas nos meios acadêmicos e de desenvolvimento científico.
Em sua terceira edição, de acordo com a Anmiga, a Marcha teve recorde de público, com indígenas brasileiras de todos os biomas e participantes de outros países, mostrando a universalidade das questões enfrentadas pelas mulheres originárias, como o acesso à terra, a violência de gênero, a discriminação e a luta pela autonomia e pelo empoderamento feminino. O primeiro encontro, em 2019, reuniu mais de duas mil mulheres e o segundo, em 2021, contou com cerca de 5 mil.
“O objetivo [da participação de pessoas de outros países] é a troca de experiências para fortalecer a nossa luta de forma global, já que temos enfrentamentos muito semelhantes, como os impactos da mineração, do garimpo ilegal ou do desmatamento”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, destacando a Marcha como uma oportunidade de essas mulheres compartilharem suas histórias e fortalecerem a solidariedade entre os povos indígenas ao redor do mundo.
Representatividade feminina
O tema deste ano, Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade Pelas Raízes Ancestrais, foi ricamente refletido na programação, que teve grande parte do primeiro dia dedicado a discussões de questões como emergência climática, biodiversidade, saúde e violência. Os grupos foram divididos por biomas.
Na terça-feira, o foco foi a presença na política, incluindo as plenárias internacionais Mulheres Água e, em seguida, Mulheres Sementes, além de uma sessão sobre “A Participação de Mulheres Indígenas, Negras e Quilombolas nos espaços de poder Municipais, Estaduais, Nacionais e Internacionais” e a “Bancada do Cocar e as Mulheres Biomas na Política”. Já a quarta-feira (13), último dia do evento, foi marcada pela grande marcha, seguida de um diálogo sobre a carta “Vozes da Ancestralidade dos 6 biomas do Brasil”.
Desde a última Marcha, em 2021, algumas lutas infelizmente se mantêm, como contra o Marco Temporal, em discussão atualmente no STF (Supremo Tribunal Federal), tese que prevê que só podem ser demarcadas as terras indígenas que estivessem ocupadas pelos povos originários em 1988, quando foi promulgada a Constituição. Mas se de um lado muitas pressões permanecem, de outro a participação de indígenas em espaços de poder e de decisão vem crescendo, como lembrou a deputada federal Célia Xakriabá.
“Há dois anos, estávamos aqui e o Congresso Nacional recebeu as mulheres com bala de borracha e spray de pimenta. Mas agora o Congresso abre as portas. Nós temos a Bancada do Cocar. Nós demoramos 200 anos para ter o primeiro ministério com uma mulher indígena”, discursou Célia, se referindo ao episódio de junho de 2021, em que um grupo de indígenas, incluindo mulheres, idosos e crianças, que protestavam pacificamente contra a votação do Projeto de Lei 490/2007, que estabelece o Marco Temporal, foi atacado pela polícia no estacionamento do Anexo 2 da Câmara.
O fortalecimento da representatividade política indígena e, principalmente, feminina também foi enfatizado pela ministra Sonia Guajajara. “Por muitos anos, a gente resistiu a ocupar a institucionalidade e a ocupar governos. Agora, saindo de um período tão turbulento como o que foi, com pandemia e incitação de ódio contra os povos indígenas, nossa estratégia de luta foi de ocupação de espaços, incluindo os políticos, lançando este recorte de Bancada do Cocar. Infelizmente, não conseguimos eleger ainda nenhuma deputada estadual, mas vamos fazer este compromisso de fortalecer a luta para conseguir eleger deputadas estaduais e aumentar o número de deputadas federais, vereadoras, prefeitas e governadoras”, destacou Sonia.
Diferentes formas de resistência
Culturas e artes diversas estiveram em evidência em todos os dias da mobilização, desde o ritual de corrida de toras realizado por mulheres do povo Krikati, mostrando a força e a potência dos corpos-territórios das guerreiras ancestrais, até lançamento de livros, shows e desfiles de moda indígena.
O Desfile das Originárias trouxe somente artesãos e estilistas indígenas, como We’e’na Tikuna, primeira indígena a apresentar sua coleção na São Paulo Fashion Week. “A minha coleção é feita de tururi, uma fibra de árvore, muito especial do nosso povo, uma moda ancestral. A moda é uma forma também de luta e resistência que permite que a gente possa ser reconhecido. Por muito tempo, nosso povo foi calado. A gente nunca teve voz para contar nossa história. Ela sempre foi contada por terceiros. Hoje, nós nos tornamos os protagonistas da nossa própria história. A gente pode ser doutor, estilista, cantora. A nossa luta, que é moda, pintura, artesanato, mostra que nós estamos na resistência e existimos”, disse ela.
Para Eliane Xunakalo, presidenta da Fepoimt (Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso), estado que levou mais de 500 pessoas para Brasília, a participação na Marcha é um momento único de visibilidade da causa e, por isso, vale a pena os esforços para estar presente e contribuir na construção de políticas públicas.
“É importante que as nossas vozes, de mulheres indígenas, ecoem com as demandas dos territórios, com a defesa dos nossos direitos. É necessário que a sociedade veja as nossas diversidades e tenha visibilidade das nossas lutas. A programação permitiu que a gente estivesse nos grupos, compartilhasse nossas lutas e celebrasse encontros e reencontros, além de mostrar as conquistas da articulação nesses dois anos, tendo espaço políticos tanto nas esferas estaduais e federais ocupadas por mulheres indígenas e também as nossas parlamentares”, afirmou.
Para We’e’na, estar presente é uma forma de valorizar e manter sua cultura: “Nós, indígenas, já nascemos ativistas, porque a nossa história, infelizmente, é de resistência e luta. Para eu estar aqui mostrando a minha arte, a minha música, a minha cultura, é porque a minha mãe, meu pai, meus avós, lutaram para manter viva a nossa cultura. Então eu também tenho que levar esse legado, para minha geração manter viva a língua, os costumes. Eu tenho uma filha e ela está comigo. Ao participar da Marcha, eu estou deixando também esse legado para ela”.
FONTE: WWF BRASIL