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Cerca de 10% da população de botos do Lago Tefé morreu em uma semana

Pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e integrantes de diversas outras organizações estão correndo contra o tempo para mitigar os impactos da emergência ambiental e sanitária que se abateu sobre o Lago Tefé, no Médio Solimões, interior do estado do Amazonas. Desde 23 de setembro, com a seca se alastrando fortemente pela Amazônia e a temperatura da água subindo, 153 botos foram encontrados mortos na região: 130 cor-de-rosa e 23 da espécie tucuxi. Em uma semana, a perda foi de cerca de 10% da população de botos do local, de acordo com Miriam Marmontel e André Coelho, do IDSM, e Mariana Paschoalini Frias, do WWF-Brasil. Apenas no dia 28, quando a temperatura da água bateu 39,1°C, foram registradas 70 carcaças de botos, além de centenas de peixes.

A operação foi dividida em diferentes frentes. Uma delas, chamada de Setor Operação Vivos, monitora os grupos de botos-cor-de-rosa e tucuxi ao longo do Lago Tefé, um ambiente isolado que abriga uma grande população dessas duas espécies ameaçadas de extinção. Quando a equipe encontra algum indivíduo com sinais de anormalidade, tem condições de resgatá-lo e encaminhá-lo ao Flutuante de Reabilitação. Já o Setor Operação Mortos tem o objetivo de identificar e buscar carcaças na região e realizar a necropsia, para coleta de amostras para análises laboratoriais. E o Setor de Operação Ambiental atua no monitoramento da água, de peixes e de fitoplânctons, organismos compostos por microalgas e bactérias fotossintetizantes.

De todas as variáveis analisadas até agora pelos especialistas, a que tem mostrado alteração discrepante é a temperatura da água, reforçando que a mortalidade dos botos está relacionada a mudanças climáticas, efeitos do El Niño e à seca extrema. A temperatura da água do Lago Tefé chegou próxima a 40°C, destaca a oceanógrafa Miriam Marmontel, líder do grupo de pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do IDSM, quando a média máxima ao longo do tempo tem sido de 32 graus, fato que certamente gerou um estresse térmico nos animais.

Integrantes da consultoria ambiental Aqua Viridi também identificaram em um dos pontos do lago um número incomum da alga Euglena sanguinea, que produz uma toxina que pode causar mortalidade em peixes. A avaliação feita nos botos, no entanto, não confirmou que os animais tenham sido afetados por possíveis toxinas produzidas por esses organismos. Outras análises estão em curso para ajudar a compreender eventual papel da alga na atual emergência ambiental e sanitária.

Desde o início da crise, 104 botos foram necropsiados e amostras de tecidos e órgãos enviados para laboratórios especializados. Dezessete indivíduos já foram avaliados e, até o momento, não há indício de um agente infeccioso como causa primária das mortes. Os diagnósticos moleculares de 18 indivíduos também deram negativo para agentes infecciosos, como vírus e bactérias, associados a mortes em massa. 

“É estarrecedor o que está acontecendo no Lago Tefé. O impacto da perda desses animais é enorme e afeta todo o ecossistema local”, alerta  Mariana Paschoalini Frias, analista de Conservação do WWF-Brasil. “Botos são considerados ‘sentinelas’. Ou seja: são indicativos da saúde do ambiente onde vivem. O que acontece com eles se reflete nas outras espécies que vivem ao redor, inclusive a humana”.

No Lago Tefé, há um trecho chamado Enseada do Papucu, que tem sido crítico para os animais devido à temperatura da água. Ainda assim, muitos botos seguem frequentando o local devido à abundância de peixes, sua alimentação básica. Para evitar mais mortes, a área está sendo isolada com uma barreira física chamada “pari”, que é feita de estacas de madeira e é baseada no conhecimento tradicional ribeirinho. Posteriormente, será realizada a condução das espécies para áreas mais profundas e menos quentes. 

Mais de 100 voluntários já passaram pela região e pelo menos 21 organizações de todo o Brasil e do exterior tem apoiado o IDSM no enfrentamento da crise: Aqua Viridi, Aquasis, Corpo de Bombeiros, Exército Brasileiro, GRAD (Grupo de Resgate de Animais em Desastre), Greenpeace Brasil, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Instituto Aqualie, Instituto Baleia Jubarte, Instituto Oswaldo Cruz, LAPCOM USP, Marinha do Brasil, Polícia Militar, Prefeitura de Tefé, R3 Animal, Sea Shepherd Brasil, SeaWorld, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Conservação de Tefé e WWF-Brasil.

O que o WWF-Brasil está fazendo

O WWF-Brasil tem agido em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que está liderando o resgate de botos no Lago Tefé, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários.

Também estamos em contato com parceiros locais e mobilizados para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Neste momento, nossa principal frente de atuação é no fornecimento de alimentos para comunidades impactadas pelo desabastecimento.

“Formamos uma enorme coalizão para ajudar a recolher carcaças, monitorar animais vivos em áreas críticas de baixa profundidade e altas temperaturas, coletar e enviar amostras biológicas e de água para análises. Todo um esforço para chegar às causas desse evento sem precedentes.”, afirma Mariana, do WWF-Brasil.

“Em nossos estudos sobre os botos amazônicos, constatamos que eles sofrem diversas pressões, como a pesca predatória, contaminação por mercúrio e impacto de hidrelétricas. Mas esses eventos em Tefé mostram que é preciso realizar mais pesquisas sobre como eles serão afetados por mudanças climáticas constantes”, diz.

A crise, porém, vai bem além da perda de botos. Há aumento da mortalidade de espécies de peixes na região, fundamentais para a alimentação e a economia das populações locais. Além disso, para muitos especialistas, a tragédia sem precedentes na Amazônia pode ser uma amostra do que ocorrerá quando a Amazônia atingir o ponto de não-retorno.

FONTE: WWF BRASIL

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