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Ouro no Peru, Daniel Martins se prepara para seu segundo Jogos Parapan Americanos.

Aos 27 anos Daniel Tavares Martins se prepara para disputar seu segundo Jogos Parapan Americanos, desta vez em Santiago no Chile. Dono das medalhas mais cobiçadas do esporte mundial, ele já possui o famoso triplete, que é a conquista da medalha de ouro nas três maiores competições esportivas do mundo, Paralimpíadas (2016), Campeonato Mundial (2015,2017,2019) e Jogos Parapan Americanos (2019). Além de ser o atual recordista mundial da prova dos 400 metros rasos, classe T20.

Mas nem tudo foram flores neste caminho, pelo contrário, muitas foram as lutas que o mariliense enfrentou desde sua infância. De origem humilde, é o caçula de uma família de 7 irmãos. Conheceu o esporte através do projeto da extinta Casa do Pequeno Cidadão, onde praticava capoeira, sendo que seu maior motivo de ir as aulas era o lanche que serviam após os treinos.

Em 2008, foi numa competição entre as Casas do Pequeno Cidadão que Daniel conheceu o atletismo e já de início se destacou. Em 2010, em Minas Gerais disputou pela segunda vez a competição, se destacando novamente. Depois disso passou a treinar uma vez por semana na equipe de atletismo do Pedro Sola, onde ficou até 2012, quando se transferiu para a AMEI – Associação Mariliense de Esportes Inclusivos.
 
Foi em 2012 que Daniel descobriu que tinha uma deficiência invisível. Após uma crise de epilepsia, a caminho do treino, desmaiou e teve convulsão. O que resultou em uma longa bateria de exames, onde detectou-se a deficiência intelectual. Daniel já apresentava dificuldades de aprendizagem na escola, mas nunca imaginou que possuía deficiência intelectual.

-No começo eu nem entendia o que era a deficiência intelectual, essa sempre foi minha condição de vida, não sei o que é ser diferente disso. Então encarei com muita naturalidade, tanto que eu quase não fui para a AMEI, tinha preconceito, falava que ali era lugar para louco e não para mim. Mas graças a Deus, o professor Celso insistiu e eu aceitei o convite de conhecer a AMEI e entendi que não era nada do que eu pensava. Hoje, mais maduro, entendo melhor o que é minha deficiência e não tenho problema nenhum com isso, tenho as minhas pessoas de confiança e quando estou com dificuldades recorro a elas, no mais, vida normal… – disse Daniel.

Em 2013, Daniel inicia uma verdadeira acessão meteórica em sua carreira. No campeonato brasileiro de atletismo quebrou o recorde brasileiro da prova dos 400 metros, classe T20. Em 2014 conquista o bicampeonato brasileiro na mesma prova, se consolidando como o principal atleta do país na prova. No ano de 2015 Daniel é convocado para a seleção de jovens pelo Comitê Paralímpico Brasileiro e na expectativa de competir sua primeira competição de jovens, tomou um susto, ao ser convocado para o mundial de atletismo adulto que aconteceria em Doha (Catar).

Se Daniel já havia conquistado o Brasil, iniciava sua trajetória atrás de conquistar o mundo. Pela primeira vez disputando um campeonato mundial, aos 19 anos, Daniel venceu a prova dos 400 metros rasos, se tornando o primeiro atleta brasileiro da sua classe a conquistar uma medalha de ouro em mundial.
Mas as conquistas só estavam começando, em 2016 conquista e medalha de ouro na sua primeira Paralimpíadas a Rio 2016, com quebra de recorde mundial. Em 2017 se torna bicampeão mundial em Londres e como conquistar medalha de ouro em estreias se tornou corriqueiro para Daniel, nos Jogos Parapan Americanos de Lima (Peru) não foi diferente, não só venceu como estabeleceu o novo recorde da prova na competição. Em 2019 conquistaria ainda o tricampeonato mundial em Dubai.

No ano de 2020 Daniel estava na sua melhor forma física, o objetivo era se tornar bicampeão paralímpico, porém, veio a pandemia do Covid-19, os jogos foram adiados para 2021 e a poucos meses da viagem para Tóquio, no mês de maio, Daniel contraiu o coronavírus.

-Foi muito difícil, tive muita falta de ar, iniciamos o tratamento com um protocolo, como não estava dando resultado os médicos trocaram e foi aí que melhorei. Tinha noção que teria dificuldade para voltar aos treinos, mas as sequelas foram muito piores do que eu imaginava – contou Daniel.

-A prova dos 400 metros para muitos é a pior prova do atletismo, no limite que separa as corridas rasas das de meio-fundo, a prova exige muita intensidade por um período prolongado. O fisiologista Turíbio Barros explicou em uma entrevista ao Globo Esporte a grande dificuldade dessa prova

-Os 400 metros rasos representam o tipo de prova na qual existe o maior acúmulo de ácido lático. Em nenhuma outra prova no atletismo existe uma solicitação como essa, ou seja, uma enorme produção de energia pelo metabolismo anaeróbico lático. O resultado é um acúmulo enorme de ácido lático e uma queda do pH do sangue, o que significa a chamada acidose metabólica. Esta acidose provoca um grande mal-estar com tontura e ânsia de vômito. – contou o fisiologista.

Com 20% da capacidade pulmonar comprometida Daniel sabia que dificilmente voltaria com um bom resultado de Tóquio.

-A pressão por ser o campeão mundial é muito grande, todo mundo olha para nós e pensa que somos uma máquina. A caminho de Tóquio todo mundo falava traz a medalha de ouro, vai ser fácil, já ganhou, mas quase ninguém se preocupou com a minha condição física. Mas o que eu me lembro bem é que quando fui subir no ônibus para me apresentar para seleção brasileira, o Levi Carrion, que pra mim é um irmão, me abraço forte e me disse, que não queria medalha, queria que eu voltasse com a consciência tranquila que havia dado o meu melhor dentro das condições que eu tinha. Ali eu tirei um grande peso. – contou Daniel.

Longe da sua condição física ideal, Daniel não se classificou para a final e viveu um difícil momento de indecisão. Tratado por uns como decepção, Daniel iniciava a sua mais difícil luta na carreira, voltar a estar entre os melhores do mundo.

Sua trajetória foi muito intensa, dedicação integral com treinos, musculação, dieta, psicóloga, inúmeras sessões de fisioterapia pulmonar, fisioterapia ortopédica, acompanhamento médico constante e aos poucos Daniel sentia que voltava sua antiga forma.

-Quando cheguei de Tóquio, sabia que meu tempo era curto, em poucos meses teria que voltar a competir em altíssimo nível, convivi com a incerteza se meu corpo suportaria tamanha carga, a final eu ainda carrego sequelas do covid-19 e de outras lesões que tive pelo caminho. Mas eu não tinha outra escolha, tive que apostar todas as minhas fichas e desde então vivo intensamente cada treino, amadureci muito nesse período, meu objetivo era voltar a uma final de mundial. – disse Daniel.

Em julho deste ano, Daniel voltou a uma final de mundial dessa vez em Paris e que se tornaria histórica. Conquistou a medalha de prata e encantou o mundo com a sua humildade. Percebendo que o Samuel Oliveira, atleta brasileiro principal candidato a medalha de ouro, estava muito nervoso, acolheu o atleta, o acalmou, disse que daria tudo certo e que sairiam dali com uma inédita dobradinha para o Brasil.

Correndo na raia 8, Daniel fez uma das provas mais lindas de sua carreira e com incríveis 47”30 cruzou a linha de chegada em segundo lugar, o ouro ficou com Samuel. A medalha de prata mostrou que o atleta Daniel estava de volta e sua nobre atitude de acolher seu principal “rival” mostrou que o ser humano Daniel Martins, jamais perdeu sua essência.

Daniel se prepara para seu segundo jogos Parapan Americanos, em outubro foi submetido a uma cirurgia de correção de desvio de septo e carne esponjosa. Se fisicamente Daniel não estará na sua principal condição, no aspecto humano ele vai mais uma vez GIGANTE.

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