Cientistas e ambientalistas pedem atenção para o Cerrado na COP 28
Trazer um olhar sobre a urgência de valorização e preservação da biodiversidade do Cerrado, assim como de suas comunidades tradicionais e povos indígenas. Este é o alerta que cientistas e ambientalistas ligados a universidades e organizações do Brasil, dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido fazem em uma carta publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution.
O grupo, formado por mais de 40 pesquisadores, destaca a COP 28, realizada neste ano em Dubai, como uma oportunidade de incluir a conservação de ecossistemas não-florestais, como o Cerrado e outros biomas brasileiros, no combate à crise climática.
Na carta, cientistas e ambientalistas apontam que, apesar de sua evidente importância ecológica, social e econômica para o mundo, o bioma considerado o “berço das águas” para o Brasil continua sendo destruído em ritmo acelerado pela ação humana. E as projeções indicam uma extinção sem precedentes de plantas endêmicas neste bioma até 2050. Atualmente, apenas 3% da sua área é protegida legalmente e 62% estão localizados em propriedades privadas.
A legislação do Código Florestal Brasileiro permite o desmatamento desenfreado em áreas particulares no Cerrado, protegendo apenas de 20% a 35% da vegetação nativa, em contraste com 80% para a Amazônia. Por isso, não existe uma solução simples para evitar a perda de vegetação local, já que as leis nacionais permitem para o seu alto índice de destruição. Para agravar, o Cerrado é historicamente visto como um grande celeiro para a produção de alimentos – abordagem que tem colocado o bioma em sacrifício, com o registro da perda de mais de 50% da sua vegetação nativa para exploração agrícola e pecuária.
“A desvalorização do Cerrado de pé faz com que a conversão de ecossistemas para a agropecuária continue acontecendo de maneira acelerada, prevalecendo cada vez mais o impulso de atender o mercado de grãos que acaba colocando em risco o abastecimento de água doce do País, bem como a biodiversidade e os meios de subsistência dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da região, que dependem do uso sustentável e de seus recursos naturais. É crucial estabelecer ações e regulamentações coordenadas e abrangentes em níveis nacionais e globais a fim de garantir a eficácia na conservação das áreas remanescentes e promover a restauração de áreas degradadas no Cerrado”, diz a pesquisadora brasileira Polyanna da C. Bispo, que é professora no Departamento de Geografia da Universidade de Manchester, na Inglaterra.
Para a especialista, é preciso medidas urgentes para conservação e restauração do bioma. E isso deve abranger os recursos hídricos e a gestão do fogo, estabelecendo corredores ecológicos, restaurando terras convertidas e degradadas, além de proteger as comunidades indígenas e os povos tradicionais por meio de ações de educação ambiental e incentivos econômicos para frear o desmatamento.
O Cerrado tem um patrimônio cultural vivo nas comunidades tradicionais e nos povos originários, os conhecidos guardiões da biodiversidade e das águas do Cerrado, que detêm um saber sobre o uso dos recursos naturais, ciclos da natureza, clima e conservação do bioma, de onde retiram seu sustento.
“Temos que manter o Cerrado de pé valorizando a economia da sociobiodiversidade local e criando unidades de conservação, por exemplo. O fato é que o bioma é indispensável para a regulação hídrica do Brasil: as raízes de suas árvores atuam como uma esponja gigante, absorvendo e estocando água da chuva e distribuindo para oito bacias hidrográficas brasileiras, alcançando milhões de nascentes e aquíferos importantes. Estamos nas vésperas da COP 28 e acreditamos que será uma oportunidade para ressaltar a importância do nosso Cerrado para o mundo”, afirma Celso Silva Junior, Pesquisador do IPAM e da Universidade Federal do Maranhão.
Recentemente, o governo brasileiro lançou uma consulta pública para o PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento e das Queimadas no bioma Cerrado), que para os pesquisadores sua implementação é crucial, dado o desafio urgente e único, que é combater a destruição do bioma.
Os pesquisadores também destacam a importância que regulações internacionais, centrais no estabelecimento de cadeias de produtos livres de desmatamento, não somente foquem na preservação das florestas como também incluíam os ecossistemas não florestais, como as savanas do Cerrado. “A União Europeia já vem discutindo a inclusão desses ecossistemas, que cobrem a maior parte do Cerrado, na regulação que trata de produtos livres de desmatamento. É crucial que isso aconteça logo para evitar que o Cerrado continue sendo tratado como bioma de sacrifício”, explica Daniel E Silva, especialista em Conservação do WWF-Brasil.
Confira aqui a íntegra da carta dos pesquisadores.
FONTE: WWF BRASIL