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Brasil promove “leilão do fim do mundo” e ignora clamor por fim dos fósseis

A posição contraditória do Brasil em relação ao combate às mudanças climáticas se evidencia às vésperas  de um enorme leilão para a exploração de combustíveis fósseis no país marcado para esta quarta-feira (13/12), ao final da 28° conferência do clima (COP28). São oferecidos 602 blocos e uma área com acumulação marginal, lugar inativo onde a produção foi interrompida ou nem iniciada, no 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). Outros cinco blocos no pré-sal, fronteira de exploração já consolidada no Brasil, serão ofertados na mesma data em regime de partilha.

O leilão é problemático não apenas por promover a expansão da produção de combustíveis fósseis quando o planeta precisa urgentemente reduzi-la. Afinal, as emissões de gases poluentes que intensificam o aquecimento global vêm principalmente do uso de combustíveis fósseis. “A ciência climática é clara: não podemos mais abrir novas áreas de exploração de combustíveis fósseis”, ressalta Délcio Rodrigues, diretor-executivo do Instituto ClimaInfo.

O outro ponto de destaque é o impacto negativo em áreas ambientalmente sensíveis. “O leilão possui ao menos 77 blocos com violações das diretrizes ambientais da ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis]”, comenta Juliano Araújo, diretor-presidente do Instituto Arayara. A organização publicou no dia 6 de novembro um estudo que detalha as sensibilidades das áreas que serão leiloadas.

As centenas de blocos da OPC estão divididos em nove bacias sedimentares e 33 setores em terra e mar. Ambientalistas têm chamado a oferta de “leilão do fim do mundo”. No entanto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, celebrou a confirmação do leilão em outubro. Na época, o ministro que quer transformar o país no 4° maior produtor de combustíveis fósseis – atualmente, o Brasil ocupa a 9° posição – argumentou que os leilões vão gerar mais investimentos, empregos e arrecadação que serão revertidos em benefícios para a população. “A transição energética já é uma realidade trabalhada em nosso país, mas ainda temos de buscar novas reservas que são viabilizadas com a Oferta Permanente”, completou.

O discurso de Silveira é rebatido por especialistas. “O Brasil já possui reservas mais que suficientes para atender a demanda nesta fase de transição para fontes renováveis. Temos tudo para promover inovação se pensarmos sob o aspecto socioambiental”, diz Ricardo Junqueira Fujii, especialista em conservação do WWF-Brasil.

“No discurso de abertura da COP28, o presidente Lula afirmou que é hora do Brasil liderar pelo exemplo a agenda climática para pavimentar a descarbonização do planeta. A contradição fica evidente quando, um dia após o término do evento da ONU sobre mudanças climáticas, o governo brasileiro realiza o pior leilão de blocos de petróleo da história do país”, critica Enrico Marone, porta-voz da área de oceanos do Greenpeace Brasil. 

Riscos ambientais

A bacia sedimentar Potiguar é a líder em número de blocos ofertados nesta rodada. São 187 no total. Todos os onze blocos localizados em mar estão na Cadeia de Fernando de Noronha, uma grande cordilheira submarina de 1.300 quilômetros que se estende do norte do Ceará ao Rio Grande do Norte. A cordilheira é composta por 14 formações geológicas, e  as únicas cujo topo fica acima do nível do mar são as que abrigam a Reserva Biológica do Atol das Rocas e o arquipélago Fernando de Noronha, famoso pelo potencial turístico.

Segundo um ensaio encomendado e publicado pelo Observatório do Clima em 2021, a Cadeia de Fernando de Noronha é muito importante para os ecossistemas marinhos, pois peixes e animais invertebrados usam a estrutura para reprodução, alimentação e como berçário e abrigo. A região é importante também para tartarugas marinhas, cetáceos, tubarões, golfinhos e aves marinhas. O estudo ressalta que esse ecossistema é de extrema importância para a sustentabilidade socioeconômica da pesca artesanal do nordeste. 

A pesquisa conduzida por especialistas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) lembra que atividades de exploração de petróleo e gás causam impactos ambientais mesmo sem ocorrência de vazamentos. Um exemplo é a dispersão de contaminantes oriundos de fluídos da perfuração. Em 2021, os blocos foram ofertados na 17° rodada da ANP, mas não receberam lances. O Instituto Arayara está movendo ações na justiça para que blocos em áreas sensíveis sejam excluídos do leilão. Uma das ações é com foco na Cadeia de Fernando de Noronha.

A Bacia Potiguar faz parte da Margem Equatorial, área que tem início no litoral do extremo norte do Brasil com a Bacia Foz do Amazonas e tem atiçado a ambição de petroleiros. Em maio, o Ibama negou à Petrobras uma licença ambiental para explorar o bloco 59 da Foz do Amazonas. 

Os blocos em terra da Potiguar também são problemáticos. Análise feita pelo Instituto Arayara mostra que 123 blocos potiguares estão em área de recursos não-convencionais, o que significa que a extração deve ser feita por meio de fraturamento hidráulico (fracking).  A técnica, mais poluente, consiste na injeção de grandes quantidades de água, areia e produtos químicos para romper a rocha e fazer com que o combustível chegue à superfície. Com exceção das bacias de Santos e Espírito Santo, as outras também possuem áreas de recursos não-convencionais.

A análise do Instituto Arayara destaca uma preocupação por causa dos recursos hídricos da Bahia, especialmente na bacia do Recôncavo. A exploração de combustíveis fósseis pode contaminar águas subterrâneas utilizadas para abastecimento público e irrigação. 

O Brasil não possui uma lei federal que proíba a realização do fraturamento hidráulico. Há leis estaduais no Paraná e Santa Catarina e algumas municipais que vetam a prática. 


Na bacia do Amazonas, além do fracking, há preocupações com a proximidade dos blocos com terras indígenas e áreas de amortecimento de unidades de conservação e desmatamento. Segundo Luiz Afonso Rosário, especialista da 350.org, explorar combustíveis fósseis na Amazônia vai contra o discurso de desmatamento zero. “Eles [exploradores de combustíveis fósseis] têm entrado em mata fechada. Eles têm instalado estruturas imensas. Isso contraria o discurso. Além de tudo, é uma atividade indutora de apropriação de terras”, comenta, ao fazer referência à exploração de combustíveis fósseis já existente na Amazônia.

Um exemplo é o caso da região onde fica o campo do Japiim, que está classificado como área com acumulação marginal neste leilão. A Manifestação Conjunta publicada em 2022 que o colocou como apto para voltar a ser leiloado diz que o campo está em uma área isolada, em meio à floresta amazônica, próximo ao campo Azulão, onde a empresa Eneva já tem infraestrutura para exploração de gás natural. A Petrobras, que era a concessionária do Japiim, estava implementando um plano de recuperação de área degradada onde houve intervenção. 

De acordo com um estudo publicado no Jornal de Economia do Desenvolvimento em junho, a perda de vegetação em torno de 5 km2 ao redor de poços perfurados é em média 0,1 ponto percentual maior nos primeiros anos após a perfuração em comparação ao período anterior à exploração. O desmatamento crescente ocorre para a operação e abertura de vias de acesso.

A pesquisa avaliou 3.101 poços em terra em 55 países, incluindo o Brasil, e de 396 empresas. A imagem abaixo  mostra o desmatamento próximo a poços perfurados na Bacia Amazônica Ocidental entre 1985 e 2015. 

Os blocos, do norte ao sul do país, também podem impactar recifes de corais, manguezais, espécies ameaçadas de extinção e territórios quilombolas. A bacia do Espírito Santo, por exemplo, tem blocos que põem em risco áreas de Mata Atlântica, como o Parque de Itaúnas e a RESEX de Cassusurá, na região de Abrolhos, no extremo sul da Bahia. Além disso, tem  setores próximos aos territórios quilombolas de Linharinho, São Domingos e São Jorge, no Espírito Santo.

Na manhã desta quarta-feira, o Instituto Arayara promove uma mobilização no Rio de Janeiro contra o leilão. “A gente tem cobrado bastante coerência do governo brasileiro, que por um lado traz um discurso de desenvolvimento sustentável e de uma necessidade de transição energética, mas no dia seguinte do final da COP oferta 602 blocos e uma área marginal. São novas fronteiras [de combustíveis fósseis] que não precisam estar sendo expandidas”, diz Nicole Figueiredo, diretora-executiva do Instituto Arayara.

Sobre o Observatório do Clima

O Observatório do Clima (OC) é uma rede de entidades da sociedade civil brasileira na agenda climática, que se dedica à construção de um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável. Fazemos isso monitorando as políticas federais sobre o tema, produzindo conhecimento técnico e científico, articulando atores da sociedade e comunicando a relevância e a urgência de combater a crise climática.

FONTE: WWF BRASIL

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