Entrevista com Ângela Moraes
A obra 548 dias no Japão (antes da internet), da autora Ângela Moraes, é uma viagem ao Nihon dos anos 90, quando milhares de brasileiros descendentes de japoneses tiveram a oportunidade de encontrem trabalho e boa chance de fazer um pé de meia, a convite do governo japonês.
A realidade do imigrante, no entanto, é cheia de aventuras, saudades e percalços, como as vividas pela autora e contada em uma narrativa leve, bem humorada e emocionante.
Em entrevista exclusiva ao Conexão Marília, Ângela nos conta mais detalhes de sua jornada. Confira:
Como foi a decisão de ir ao Japão?
Eu tinha apenas 18 anos e sou a caçula da família, portanto, a decisão foi dos meus pais, que viram a imensa oportunidade que os descendentes passaram a ter para juntar um bom pé de meia em pouco tempo, comprar casa, abrir negócio. Eu, no entanto, ‘inocente pura e besta’, como me autodescrevo na obra (riso), segui o fluxo, sem coragem de me separar da família e ficar sozinha no Brasil. O curioso é que isso veio a acontecer de qualquer forma – só que lá, sem saber falar a língua.
Como você se virou em relação à língua japonesa?
Tive a sorte de comprar o livro “Vamos aprender a falar em japonês”, de Hironori Nishimoto, no aeroporto de Guarulhos, antes de embarcar. É um livro muito bom para quem está no zero. Me dediquei a estudar uma lição por dia e a praticar com os colegas japoneses da fábrica, melhorando meus ‘porcento de nihongô’ paulatinamente.
Em quais locais você morou e trabalhou no Japão?
Minha jornada se iniciou em Narita com a família, quando fomos para levados para Shizuoka-ken, embaixo do monte Fuji. De lá, nos levaram para Nagoya, de onde parti com uma prima para Hiroshima, depois fui com minha irmã para Gifu-Ken e então Shiga-Ken. Trabalhei numa autopeças, depois numa fábrica de lámem e então num karaokê – uma iniciativa maluca da minha irmã que eu embarquei junto – e valeu cada dia.
Você sentiu muito o choque cultural?
Eu achei esta a melhor parte! Fiquei extasiada com as pontes-beliches, a tecnologia ao lado da ancestralidade, o fato da porta abrir para fora, o comer de boca aberta e falando, e tantos outros costumes que aprendi a valorizar – e é claro, dando muitas gafes durante a descoberta. Ao mesmo tempo em que havia o estranhamento, eu pensava “minha avó devia estranhar isso no Brasil, só que ao contrário”.
Por que escrever um livro?
Quando eu estava no Japão, muitas vezes eu passava por situações e pensava: “nossa, ninguém está vendo isso… isso merece estar num livro”. Tanto coisas incríveis, quanto dores e dificuldades – a vida real, com suas complexidades. Hoje temos redes sociais que permitem compartilhar estes momentos, mas em 1991… nem Windows tinha.
Após mais de 10 anos depois da minha volta ao Brasil, aqueles pensamentos ainda me latejavam. Em uma noite calma, sentei na frente do computador e reiniciei a jornada ao Japão.
Como foi revisitar a sua jornada?
Eu ri muito ao narrar as maluquices, e também chorei ao escrever as fases de saudades, dores, solidão e medo. Nossas memórias são muito mais vivas do que imaginamos.
Gostaria de acrescentar algo?
No Japão, amamos pessoas que sabemos que não veremos mais, porque cada uma volta para seu país, estado, cidade de origem. Eu adoraria que esta obra chegasse a estas pessoas a quem amei de diferentes formas e que não tenho contato, porque na época havia apenas telefone fixo e endereço, que se alteraram com o tempo.
Toda a minha esperança de rever Aparecida Matsumoto, Benta Taniguti, Hirayama Kenji, Neusa Lourenço, e Shinjô (não sabemos o nome completo), que se tornou pai e talvez não saiba até hoje.
Serviço
548 dias no Japão (Antes da internet) – Ângela Moraes
Disponível em:
Livro físico: Editora Viseu, Amazon, Americanas, Magalu, Shoptime, Submarino;
E-book: Amazon (gratuito para assinantes do Kindle Unlimited), Apple, Barnes & Noble (EUA), Google, Kobo, Livraria Cultura e Wook (Portugal).
No Japão: Amazon.jp