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Cada pessoa é um livro

por Ramon Barbosa Franco

O meu filho caçula, o Gustavo, está com 13 anos, e sempre me viu lendo. Lembro que quando entrevistei o professor Pasquale Cipro Neto, aqui em Marília, durante uma feira do livro do colégio Cristo Rei, perguntei sobre como cultivar o hábito de ler nas pessoas. E ele me respondeu que, um pouco disso – do hábito da leitura – a gente pega dos nossos pais, tios e avós. De fato, recordo que minha mãe, que lecionou a vida toda, costumava ler em seu quarto, deitada na cama e com seus óculos redondos. Eu e meus irmãos zombávamos dela, dizendo que ela ficava com cara de vó de desenho animado. Tadinha, na época ela nem tinha 40 anos e só foi ser avó bem depois daquele tempinho bom.

Gustavo leu recentemente como tarefa escolar o clássico distópico ‘Fahrenheit 451, do norte-americano Ray Bradbury, onde cada pessoa é um livro num futuro onde a própria sociedade construiu sua autopunição. Ler, lá naquela história, era um perigo. Ler romance, então, meu Deus do céu, era a própria sentença de morte. “Fahrenheit 451’, em rápidas palavras, trata de um futuro onde os livros têm que ser queimados a temperatura de 451 graus fahrenheit. Para mantê-los vivos cada subversivo precisaria decorar uma toda uma trama, uma narrativa completa, e aí, secretamente, transmiti-las pela oralidade em encontros secretos. Tais encontros ocorriam em pontos afastados, idênticos aos primeiros cristãos que rezavam em locais remotos ou nos subterrâneos das cidades antigas.

Desde que conheci esta trama, na época da faculdade de Jornalismo, na Unimar (Universidade de Marília), passei a imaginar qual livro eu seria se vivesse naquela distopia. De pronto eu seria um livro de um autor brasileiro, até porque não poderia deixar que a literatura praticada no Brasil fosse simplesmente queimada sem deixar vestígios. ‘Madona dos Páramos’, de Ricardo Guilherme Dicke, eu seria sem o menor problema. ‘Grande Sertão: Veredas’, do Guimarães Rosa, ‘O gosto da guerra’, do José Hamilton Ribeiro, ou ‘Sertão de Sangue’, de Romulo Nétto, me rondam neste exercício de preservação da lavra dos colegas autores. ‘Zezinho, o dono da porquinha preta’, de Jair Vitória, ou ‘O feijão e o sonho’, do Orígenes Lessa, vão completando esta ampla e saborosa lista.

Recentemente assisti a uma entrevista do jornalista e escritor Eric Nepomuceno, onde ele relata a sua amizade ‘mafiosa’ com o Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, colombiano autor de ‘Cem Anos de Solidão’ e de ‘O amor no tempo do cólera’, entre outros romances perfeitos. Gabo tinha uma escala hierárquica dos amigos: amigos, amigos do coração, amigos de alma e a máfia. Esta última escala era dedicada a poucos, e, por sorte o brasileiro Eric foi alçado a ela. Os livros são amigos dos leitores, entretanto, ler livros e não ter com quem compartilhar do que se aprendeu, não faz qualquer sentido. Por isso, no universo onde cada pessoa é um livro, entendo que este livro deve sempre estar aberto, para que respostas possam ser encontradas. E os amigos, muitas vezes, nos respondem apenas com o seu silêncio. Sobre qual livro seria em ‘Fahrenheit’, confesso que ainda não me decidi. Pode ser que ainda vou ler – ou até escrever – o livro que poderia vir a ser lá.

Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com 

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