EcologiaVariedades

Hortas urbanas em Heliópolis: uma experiência bem-sucedida

Durante um ano, o Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro, do Insper, trabalhou com o WWF-Brasil no projeto “Promoção de segurança, soberania e sustentabilidade alimentar em comunidades urbanas”, em Heliópolis, a maior favela da cidade de São Paulo.

Para a professora Paulina Achurra, que coordenou o projeto, a parceria bem-sucedida reforçou três pilares da atuação do Centro de Estudos das Cidades do Insper: o uso de dados e evidências, a participação de profissionais de diversas áreas e a inclusão dos atores locais no processo de construção dos projetos. “Muitas vezes a gente é questionada no que nos diferenciamos de outros centros que atuam no mesmo campo no Brasil e no exterior. Esse projeto é um bom exemplo para responder a essa pergunta”, observa Paulina.

De fato, é possível detectar na parceria com o WWF-Brasil cada uma das bases que orientam o trabalho e a missão do Centro : a ideia de que o conhecimento sobre as urbes exige considerá-las como um campo de atuação multi e transdisciplinar, no qual a ciência acadêmica, de maneira inovadora, se une à ciência cidadã, com o objetivo de contribuir para que as cidades se tornem mais eficientes, inclusivas, sustentáveis e justas, transformando a vida de seus habitantes, sobretudo dos que vivem nas áreas mais vulnerabilizadas.

O projeto se iniciou a partir de uma questão: que tipo de horta é apropriado para um território adensado, onde quase não existem áreas livres? Essa pergunta foi respondida combinando o levantamento da literatura sobre agricultura urbana com a escuta das lideranças locais e o mapeamento das fortalezas e desafios do território.

No mapeamento conjunto com os atores da comunidade foram identificadas as fortalezas e desafios que permitiram traçar métricas para o projeto, além de escolher como local da implantação do piloto o contexto que apresentava a maior sinergia com a proposta. A escuta das lideranças revelou os equipamentos escolares dedicados à primeira infância como áreas potenciais e disponíveis para a implantação de hortas de caráter pedagógico e o desejo local de levar o verde para perto das crianças e da comunidade escolar.

A participação de profissionais de diversas áreas como engenharia, nutrição, pedagogia, saúde e urbanismo possibilitou o desenho de soluções que alavancam fortalezas e endereçam desafios. “Incluímos no desenho do projeto a perspectiva de quem vai utilizar e tem as necessidades diretas. Desenvolvemos e satisfizemos necessidades básicas dos usuários, como a segurança alimentar e nutricional, e outras capacidades, como autonomia e criatividade”, explica Paulina.

Dados e evidências da literatura foram incorporados através do levantamento bibliográfico de métricas sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais positivos que a agricultura urbana pode promover, informando qual tipo dela era possível de ser implementada na região. “A caracterização do território a partir de dados do Geosampa e as entrevistas com atores locais revelou o potencial das hortas em equipamentos escolares para levar verde e saúde para Heliópolis”, comenta Samantha Orui, pesquisadora responsável pela implementação do projeto.

Para Paulina, o projeto com o WWF-Brasil deixou nítido o empoderamento das comunidades em Heliópolis, que se apropriaram do conhecimento sobre hortas urbanas e, a partir disso, fortaleceram o relacionamento com o Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (Pavs), da Secretaria Municipal de Saúde da capital paulista. O Pavs, a propósito, já atuava com hortas comunitárias e iniciativas de segurança nutricional e aleitamento materno naquela mesma localidade, realizadas em Centros de Educação Infantil (CEI). “Por isso, a importância de trabalhar em sintonia com os territórios”, diz Paulina.

Ciclo completo

O projeto piloto do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro e do WWF-Brasil foi implantado no CEI Margarida Maria Alves, uma das creches da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas) conveniadas à prefeitura. Ao longo do projeto, foram realizadas oficinas temáticas de criação de capacidade para a equipe do CEI Margarida e da UBS Sacomã. Agentes comunitários de saúde, junto com a agente de promoção ambiental da UBS Sacomã, por exemplo, aprenderam a construir um minhocário, que é uma solução baseada na natureza que transforma em adubo os resíduos orgânicos que iriam para aterros.

Paulina conta que a comunidade também construiu vasos freáticos de baixo custo para minimizar a dependência da rega e aumentar o espaço disponível para plantios dentro da escola. As crianças plantaram, cultivaram e colheram variadas espécies de vegetais, entre as quais as plantas alimentícias não convencionais (Panc). “Depois da colheita, o alimento chegou à cozinha da creche, foi preparado e servido, e os resíduos voltaram para o minhocário, passaram pela compostagem e voltaram para a horta”, recorda ela. “Então, as crianças conheceram e fizeram todo o ciclo de cultivo.”

Não demorou para o projeto repercutir em outras creches de Heliópolis. “Algumas coordenadoras começaram a escrever para saber como poderiam fazer o mesmo processo de implantação de uma horta e se poderíamos apoiá-las também”, relata Paulina. “Quando começamos, tínhamos muito claro que precisávamos pensar o que iria acontecer depois do ano previsto para o projeto. É comum que programas similares sobrevivam enquanto a parceria está ativa e desapareçam no fim dela. Tivemos muito cuidado nesse olhar de construir um ecossistema que permitisse a continuidade do projeto.”

Diante dessa preocupação com a continuidade, a aproximação com o Pavs foi relevante. “O Pavs tem uma capilaridade incrível na cidade”, comenta Paulina. “Eles conhecem todas as ruas e pessoas e entram em todas as casas. E têm uma agenda que é promover essas hortas em equipamentos educacionais. O Pavs tem muito conhecimento técnico, e as escolas, por sua vez, têm uma enorme necessidade desse conhecimento – só faltava a aproximação e o fortalecimento do vínculo. Pois nós ajudamos a fortalecer o vínculo entre as escolas e o Pavs, que hoje estão trabalhando superpróximos.”

Outro desafio desse tipo de projeto é reconhecer as especificidades de cada CEI, ressalta Ana Carolina Bauer, analista de conservação do WWF-Brasil. Isso requer a compreensão das rotinas das professoras, das atendentes e das crianças, pois chegará um momento em que os parceiros externos não estarão mais fazendo visitas regulares. “Vimos que existe demanda de manutenção de hortas em período de férias, então tentamos orientar para que as plantas cultivadas nessa época sejam de espécies que não necessitem de tanta rega e verificar quem consegue dar o apoio nesse intervalo”, afirma Ana Carolina. “Um dos maiores desafios é entender, a partir das experiências anteriores de outras hortas e também da realidade do território, como podemos perpetuar uma horta depois da nossa saída como apoiador.”

Transformação

A escolha do CEI Margarida foi estratégica, porque fica ao lado de uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) e de uma Escola de Ensino Fundamental (Emef). “Pensávamos como o projeto piloto continuaria a catalisar outras transformações no território”, explica Paulina. “Se conseguíssemos causar alguma transformação no Margarida, poderíamos transformar também as escolas ao lado, para que as alunas e os alunos tivessem e compartilhassem esse contato com o verde ao longo do seu percurso estudantil. E foi muito legal, porque no final do projeto a diretora da Emef Gonzaguinha se aproximou para começar a reproduzir o trabalho lá. Então, eles de fato começaram a catalisar as transformações locais.”

O WWF-Brasil vem cada vez mais tentando mudar a curva de degradação ambiental, afirma Ana Carolina. “Comumente, trabalhamos menos em áreas urbanas, mas entendemos que é preciso intervir em todos os lugares. Acreditamos que a agenda relacionada a desperdício de alimentos, segurança e soberania alimentar seja uma ótima forma de abordagem socioambiental nas cidades. São Paulo é um polo com quase 10% da população brasileira, tem toda uma dinâmica de logística para trazer alimentos. Então, precisamos pensar em maneiras de produzir o nosso próprio alimento, considerando a desigualdade social e ambiental e a possibilidade de diversificação alimentar. Uma horta é algo pequeno para resolver um problema estrutural como esse, porém, ao mesmo tempo, é simbólico começar esse movimento em uma escola, gerando um ambiente favorável à educação ambiental e alimentar.”

De acordo com Ana Carolina, as hortas em escolas podem contribuir no hábito de comer de maneira diversificada e na escolha de alimentos orgânicos. “As pessoas entendem que também conseguem produzir alimentos no seu quintal, em um vaso, por exemplo. Já tínhamos experiência de hortas em outros lugares, no entanto Heliópolis foi a primeira em uma grande capital. Agora, temos uma experiência que identificamos como replicável e que vai trazer bons frutos para outras CEIs nas quais seja possível implementar.”

A capacidade de potencializar as mudanças na vida da população deve-se à variedade de parceiros que colaboraram com o projeto de hortas urbanas — além de pessoas da academia e do território, conforme sublinhado anteriormente, a iniciativa teve participação de membros de organizações não governamentais, da sociedade civil, do governo local e de instituições públicas, ampliando mesmo o pilar da multiplicidade de agentes envolvidos. “Essa combinação de identificar as fortalezas de cada stakeholder e trabalhar junto é poderosa, porque em territórios vulnerabilizados a questão de financiamento é sempre uma necessidade”, pontua Paulina. “Identificar os programas de governo já existentes, nos quais podemos nos apoiar para catalisar a transformação local, é uma estratégia eficiente, contudo nem sempre óbvia.”

A continuidade das agendas abertas pelo projeto “Promoção de segurança, soberania e sustentabilidade alimentar em comunidades urbanas” — que dispunha de recursos para apenas um ano — estará garantida por mais algum tempo pelo financiamento do Centro de Estudos Brasileiros Behner Stiefel da Universidade Estadual de San Diego, dos Estados Unidos, obtido em edital, para o projeto Educação Ambiental dos 3 aos 30. Segundo Paulina, agora a experiência do CEI Margarida poderá ser escalada para outros equipamentos educacionais de Heliópolis — e já abriu portas para futuras colaborações entre todos os parceiros.

FONTE: WWF BRASIL

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *