Homologação de três novas Terras Indígenas é motivo de comemoração, mas é preciso avançar muito mais
Com assinatura de decretos de homologação das TIs Monte-Mor, na Paraíba, e Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina, governo federal chega a 13 territórios homologados. O WWF-Brasil saúda esses avanços, mas todos eles estão ameaçados enquanto persistir a Lei do Marco TemporalO WWF-Brasil celebra o anúncio da homologação de três novas Terras Indígenas (TIs) realizado pelo governo Federal nesta quarta-feira, 4. Mais que um ato simbólico, realizado às vésperas do aniversário de 57 anos da Funai, o anúncio é mais um passo concreto para a conservação dos biomas brasileiros, o enfrentamento à crise climática e a proteção dos povos originários.
Contudo, ainda é preciso avançar mais nessa agenda, garantindo a regularização, proteção e demarcação definitiva de todos os territórios, de modo a assegurar a sobrevivência física e cultural dos povos originários. Para tanto, é fundamental agir com urgência para revogar a lei inconstitucional do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), aprovada pelo Congresso Nacional – um retrocesso que desencadeou uma escalada de violência contra os povos indígenas.
Os três territórios homologados são a TI Monte-Mor, na Paraíba, e as TIs Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina. Com a assinatura dos três novos decretos de demarcação pelo presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o governo soma 13 TIs homologadas desde o início da gestão e se aproxima do compromisso assumido durante o governo de transição, em 2022, quando foram identificadas 14 TIs que não possuíam pendências em seus processos e estavam prontas para homologação.
A TI Monte-Mor, localizada nos municípios de Marcação e Rio Tinto, na Paraíba, possui mais de 7,5 mil hectares e abriga cerca de 7 mil indígenas Potiguara em seis aldeias. As tratativas para sua demarcação já se estendiam por 20 anos. A TI Morro dos Cavalos, na cidade de Palhoça (SC), tem área de 1.983 hectares e 200 habitantes Guarani Mbya e Nhandeva. A TI Toldo Imbu, em Abelardo Luz (SC), possui 1.960 hectares e é habitada por 731 pessoas da etnia Kaingang.
A homologação é o penúltimo passo no processo de demarcação dos territórios, sendo feita antes do registro em cartório. De acordo com o governo, porém, ainda é preciso concluir a desintrusão das áreas nas novas TIs homologadas.
O WWF-Brasil reconhece a importância da homologação das 13 TIs – que ajudam a reduzir um enorme passivo, já que as demarcações haviam sido congeladas entre 2018 e 2023 -, mas alerta que ainda há mais de 200 territórios com processos demarcatórios pendentes, e quase 500 reivindicados sob análise inicial pela Funai. Outra necessidade imediata é assegurar a proteção das TIs, que sofrem com invasões, grilagem, garimpo, exploração madeireira, caça e pesca ilegais. Por fim, é fundamental que haja avanços mais significativos na implementação de políticas públicas para as comunidades, garantindo acesso a saúde, moradia, educação, crédito para agricultura e cadeias produtivas diversas.
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal reconheceu os direitos territoriais indígenas como “cláusulas pétreas” da Constituição Federal e declarou inconstitucional a tese do Marco Temporal, que estabelecia que os povos indígenas só poderiam ocupar as terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Logo em seguida, à revelia do julgamento, o Congresso Nacional incluiu na lei 14.701/23 o Marco Temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, além de um conjunto de dispositivos legais que, na prática, buscam inviabilizar novas demarcações.
Com a insegurança jurídica que se seguiu à lei do Marco Temporal, a violência contra os direitos indígenas se intensificou. Só em 2023, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas em 22 estados do Brasil. Mais de 200 indígenas foram assassinados naquele ano, um aumento de 15% em comparação ao ano anterior.
No Senado Federal, tramitam vários projetos anti-indígenas, como as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere o Marco Temporal no texto da Carta Magna, a PEC 59/2023, que transfere a competência sobre demarcações da União para o Congresso Nacional, a PEC 10/2024, que libera o arrendamento de terras e práticas agropecuárias aos indígena, a PEC 132/2015, que prevê a indenização de invasores de TIs, além dos Projetos de Lei 6050/2023 e 6.053/2023, que liberam as atividades de mineração e garimpo em TIs.
Estudos mostram que territórios indígenas demarcados e devidamente protegidos são sinônimos de floresta em pé e queda no desmatamento, desempenhando um papel fundamental para a manutenção do modo de vida e cultura dos povos, assim como manutenção da biodiversidade. Preservadas, essas áreas promovem ainda o engajamento ambiental e colaboram direta e indiretamente com a saúde da população.
Os povos originários são reconhecidamente guardiões dos biomas e seus modos de vida e seus conhecimentos ancestrais contribuem para a conservação dos biomas, sendo fundamentais para conter o avanço das mudanças climáticas. A demarcação desses territórios, portanto, constitui peça-chave no combate ao aquecimento global.
A demarcação de Terras Indígenas é um direito ancestral previsto na Constituição Federal e, além de ser um elemento central na luta pelos direitos dos povos originários, é também fundamental para a manutenção da democracia brasileira. Sem demarcação, quem mais se beneficia são grileiros, garimpeiros e madeireiros.
A discussão sobre o Marco Temporal é a pedra angular de todo o debate em torno da questão das demarcações e dos direitos indígenas. Enquanto a Constituição não for respeitada e a tese do Marco Temporal não for varrida de vez, todas as demarcações estão ameaçadas, incluindo as dos três territórios que acabam de ser homologados.
FONTE:WWF BRASIL