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Reforma Tributária: veja conquistas e desafios para a sociobioeconomia no PLP/68/2024

Na terça-feira (17/12), o Congresso Nacional deu um passo histórico ao aprovar a primeira etapa da regulamentação da Reforma Tributária, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024. A medida agora aguarda sanção da Presidência da República. 

Organizações e redes como o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), que atuam pelo fortalecimento da sociobioeconomia, celebram as conquistas alcançadas nesse processo, mas também destacam pontos que ainda precisam ser aprimorados para garantir maior justiça tributária, valorização dos modos de vida tradicionais e promoção da diversidade e sustentabilidade. 

Desde 2023, o ÓSocioBio realiza e integra redes de articulações políticas para que a  reforma contemple de forma justa os produtos da sociobioeconomia que também contribuem para a manutenção das florestas e dos serviços da natureza relacionados a ela, como regulação climática, por exemplo.  

A partir da Nota Técnica “Sociobioeconomia na Reforma Tributária”, lançada neste ano, a rede mobilizou parlamentares e gestores públicos. As contribuições resultaram na inclusão de várias propostas feitas pelo Observatório no texto aprovado, apresentado pelos relatores Eduardo Braga (MDB-AM), no Senado, e Reginaldo Lopes (PT-MG), na Câmara dos Deputados. 

A Nota Técnica apontou que a proposta original da Reforma Tributária poderia sobretaxar produtos da sociobiodiversidade e agravar questões ambientais no Brasil. Por isso, entre as principais conquistas, destacam-se medidas que beneficiam diretamente associações, cooperativas e produtos da sociobiodiversidade.  

A necessidade de tributação diferenciada 

Os produtos da sociobiodiversidade, como castanhas, açaí e pequi, enfrentam desafios históricos para conquistar espaço no mercado nacional. Apesar de sua relevância ambiental, social e econômica, eles ainda sofrem com a desvantagem frente às commodities agrícolas. A tributação diferenciada é uma ferramenta essencial para corrigir essa desigualdade e garantir a sustentabilidade desses produtos. 

“São produtos, em geral, produzidos em escala local, familiar, e por isso sua importância para a economia local, regional ou mesmo nacional é subestimada. Numa comparação com subsídios recebidos, por exemplo, pelas commodities, estes produtos estão sempre em desvantagem. Para estas últimas o estado provê infraestrutura de escoamento, crédito farto e, frequentemente, vantagens tributárias”, destaca o coordenador executivo do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Fábio Vaz.  

A analista de conservação do WWF-Brasil Andressa Neves acrescenta que tratar de maneira genérica a tributação de produtos da sociobiodiversidade mantém seus produtores sejam na informalidade, fazendo-os perder competividade de mercado. “A revisão na tributação é uma das alavancas de transformação desse cenário desigual, com capacidade de tirar a invisibilidade da sociobioeconomia  na contribuição para geração de trabalho, renda e conservação nos vários biomas do país”, acrescenta Andressa.  

Confira os avanços da proposta: 

✅ Associações e cooperativas de produtores rurais com receita até R$ 3,6 milhões NÃO pagarão imposto!  
✅ Imposto reduzido em 60% para: 
– Sementes e mudas nativas/crioulas 
– Serviços em agroecologia e semeadura  
– Serviços Ambientais e de restauração dos biomas  
– Farinhas, óleos e castanhas da sociobiodiversidade (sem adição de sal) 
– Frutas secas e produtos desidratados 
– Borracha/látex, mesmo com anticoagulantes 
✅ Alguns produtos da Sociobiodiversidade terão alíquotas reduzidas em 100%: 
– Tapioca entra na cesta básica com redução de 100%  
– Erva-Mate (do chimarrão e do tereré) entra na cesta básica com redução de 100%
– ⁠Produtos hortícolas e frutas da sociobio com 100% de redução, mesmo que congelados, cozidos ou embalados, desde que não tenham adição de sal ou açúcar. Ou seja, o açaí não vai pagar imposto.

Celebração 

As conquistas para a adequação dos impostos para os produtos da sociobiodiversidade são celebradas pela rede, já que, historicamente, a sociobioeconomia era tratada de forma genérica na legislação tributária, sem diferenciar suas características únicas, como o impacto socioambiental positivo e a conservação de biomas.  

“Essa invisibilidade resultava em tributação desigual, aumento de custos e dificuldade de competitividade para as economias locais, além de não reconhecer os serviços prestados ao meio ambiente e à sociedade. Nossa atuação em rede teve força e sabemos que o trabalho não se encerrou. Em 2025 vamos continuar mobilizados pelas economias da sociobiodiversidade”, destaca Laura Souza, secretária executiva do ÓSocioBio. 

As propostas foram amplamente acolhidas ou convergem com emendas apresentadas por mais de uma dezena de senadores de diferentes espectros políticos, como: Alan Rick (UNIÃO/AC), Augusta Brito (PT/CE), Eliziane Gama (PSD/MA), Esperidião Amin (PP/SC), Fabiano Contarato (PT/ES), Humberto Costa (PT/PE), Jader Barbalho (MDB/PA), Mara Gabrilli (PSD/SP), Professora Dorinha Seabra (UNIÃO/TO), Rogério Carvalho (PT/SE), Teresa Leitão (PT/PE) e Weverton Rocha (PDT/MA). 

O desafio agora é identificar as lacunas, fortalecer as propostas que ainda não foram acolhidas e preparar a rede para os próximos passos de diálogo político. A revisão das alíquotas em 2031 será uma nova janela de oportunidade – e a sociedade civil precisa estar munida de conhecimento e organização. 

“Em um momento crítico de crise climática para o país e para o mundo, é urgente que as políticas fiscais e econômicas do Estado incorporem, de forma assertiva, a perspectiva socioambiental. Se no passado a noção de desenvolvimento passava pela derrubada da floresta, hoje a economia do século XXI exige o manejo sustentável da floresta. Assim, mesmo que não totalmente contemplados, os avanços que conseguimos foram importantes passos nessa direção, de muitos outros que ainda precisam ser dados”, analisa o economista do Instituto Socioambiental, João Luís Abreu, um dos autores da Nota Técnica. 

Desafios  

Apesar dos avanços, algumas demandas fundamentais para a diversidade regional e cultural da sociobioeconomia não foram atendidas. Entre os pontos ainda pendentes, destacam-se: 

👉🏽 A demanda de garantir a real diversidade regional e cultural na Cesta Básica não passou! Pedimos isenção de 100% a todos os produtos da sociobio, mas conseguimos para a maioria deles 60%.  

👉🏽 As associações de PIQCTs promovem variadas atividades de gestão territorial e ambiental que fazem que em diversos casos suas receitas anuais extrapolem R$3,6 milhões por além das atividades de comercialização de produtos e serviços também terem em seus orçamentos projetos, compensações e doações, desejávamos que essa peculiaridade fosse considerada não impondo esse limite para a isenção a elas, mas isso não foi considerado. 

👉🏽 Turismo comunitário e etnoturismo, assim como o artesanato étnico ou tradicional, não tiveram tratamento tributário diferenciado específico. Assim, terão que se enquadrar como turismo convencional e produções artísticas respectivamente, com alíquota reduzida respectivamente de 40% e 60%. 

👉🏽 Não conseguimos garantir que nossa proposta para que Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais tivessem condições facilitadas de acesso aos benefícios fiscais. 

👉🏽Serviços ambientais e de restauração da vegetação nativa não tiveram 100% de isenção como consideramos correto, por promoverem os biomas e serem urgentes no momento de crise climática que vivemos, mas entraram na alíquota reduzida de 60%. 

👉🏽 Em princípio, não foi garantido que os produtores rurais não contribuintes quando Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais tivessem acesso a crédito presumido, de forma a que não fossem onerados com os impostos das aquisições de insumos, como os produtores rurais contribuintes poderão fazê-lo. Mas, ainda é preciso ver o texto final que será publicado para ter essa certeza. 

Propostas apresentadas pelo ÓSocioBio para a Reforma Tributária 

1. Estender os benefícios dados aos produtores rurais aos Povos Indígenas, Quilombolas e Povos e Comunidades Tradicionais (PIQCT), inclusive como provedores de Serviços Ambientais, de serviços de restauração florestal, de turismo de base comunitária e de artesanato étnico e tradicional.  

2. Garantir isenção a produtos e serviços sustentáveis realizados em territórios de PIQCT. 

3. Regionalizar e diversificar a Cesta Básica Nacional de Alimentos para incluir os produtos da sociobiodiversidade que fazem parte da alimentação regionalizada no país, assegurando-lhes a alíquota reduzida em 100%.  

4. Ampliar a definição dos produtos in natura para incluir as características de produtos minimamente processados da sociobiodiversidade e da agricultura familiar. 

5. Criar condições facilitadas de informação e acesso aos benefícios fiscais por PIQCT.  

6. Garantir que não haja cumulatividade tributária sobre os produtos de PIQCT não contribuintes, assegurando-lhes o crédito presumido na compra de insumos. 

A tributação diferenciada é uma ferramenta essencial para corrigir essa desigualdade e garantir a sustentabilidade desses produtos

FONTE; WWF BRASIL

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