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No Acampamento Terra Livre, indígenas exigem direitos previstos na Constituição

Cerca de 7 mil indígenas de mais de 150 povos participaram da 21a edição do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, encerrado nesta sexta-feira, 11, em Brasília. Durante o evento, iniciado no dia 7 de abril, os manifestantes exigiram respeito aos seus direitos previstos na Constituição Federal. Entre as principais reivindicações estavam a demarcação de terras, justiça devido a violações e ataques sofridos em seus territórios e fortalecimento da saúde e da educação indígenas.

O tom predominante entre os participantes pode ser sintetizado por uma das imagens mais marcantes do ATL 2025, durante a marcha “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro Não Está à Venda”: carregando por quatro quilômetros uma réplica da estátua da Justiça adornada com adereços indígenas, milhares de pessoas de diferentes povos entoavam cânticos tradicionais e levavam cartazes em defesa dos territórios indígenas.

“Estamos aqui na marcha em defesa da Constituição e dos povos indígenas e estamos com uma estátua que representa a Justiça para nossos povos. Queremos demarcação, já!”, afirmou Luana Kaingang, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), durante a marcha que, no dia 8 de abril, percorreu o caminho do acampamento até a Esplanada dos Ministérios.

O coordenador da Apib, Kleber Karipuna, explicou que a marcha, em defesa da Constituição e da vida, teve o objetivo de mostrar para a sociedade brasileira, incluindo os parlamentares, a importância de defender os direitos e os territórios indígenas. 

“No ano em que a COP30, do Clima, vai ser realizada na Amazônia brasileira, é importantíssimo passar a mensagem de como os povos indígenas são defensores de toda a biodiversidade do planeta”, disse.  O ATL 2025 também celebrou os 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Apib.

Na noite de 10 de abril, foi realizada uma segunda marcha, com o tema “A Resposta Somos Nós”. Desta vez, ao se aproximarem do Congresso Nacional, de forma pacífica, os participantes foram atacados por agentes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do Departamento de Polícia Legislativa (DPOL). Eles alegaram que os indígenas tentaram “invadir o Congresso”, mas, segundo a Apib, a marcha corria com tranquilidade e não houve qualquer ato que justificasse a reação policial.  

Assim como diversos outros indígenas, incluindo idosos e crianças, a deputada federal Célia Xakriabá, que estava à frente da marcha, foi atingida pelos efeitos das bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta e precisou de atendimento médico.

Dois dias antes, a deputada havia comemorado a presença de indígenas na sede do poder legislativo, durante uma solenidade. “Este é o Congresso Nacional que nós sonhamos para o futuro, este é o Congresso de um Brasil que começa por nós. Nós somos os primeiros brasileiros e, no entanto, somos os últimos a chegar ao Congresso Nacional”, disse ela.

A sessão solene foi promovida pela Câmara dos Deputados, no dia 8 de abril, a pedido da própria Célia Xakriabá , justamente para celebrar o ATL 2025. Na ocasião, no plenário repleto de indígenas, o cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do povo Kayapó, pediu que os povos indígenas continuem na luta pela defesa de seus territórios e modos de vida.

“Há muito tempo luto para defender o nosso direito, para que haja uma terra, para que a nova geração tenha seu próprio modo de vida dentro do território. E é isso que eu peço para vocês, que continuem lutando, que tenham força”, afirmou o cacique de 93 anos.

Marco Temporal e COP30

Durante o ATL 2025, os povos indígenas se manifestaram de forma contundente contra o Marco Temporal, a tese jurídica segundo a qual os indígenas só teriam direito aos territórios que ocupavam em 1988, quando foi promulgada a Carta Magna. A tese, que na prática inviabiliza demarcações de territórios, já foi considerada inconstitucional pelo STF, mas há várias iniciativas parlamentares para promover retrocessos.

As manifestações se concentraram especialmente em repudiar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, de 2023 – que propõe a inclusão do Marco Temporal na Constituição Federal – e  a Lei 14.701, que é objeto de diversas ações no STF, e sobre a qual, o ministro relator, Gilmar Mendes, determinou a instauração de uma Câmara de Conciliação, encerrada no dia 2 de abril. 

“Estamos aqui [no ATL 2025] reafirmando que os direitos originários dos povos indígenas às suas terras é congênito. E que queremos que o Estado brasileiro e suas instituições cumpram o texto constitucional, nada mais, nada menos”, afirmou o coordenador executivo da Apib, Dinaman Tuxá.

Outro foco importante dos debates e manifestações foi a articulação das pautas dos povos indígenas com a realização da 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), para convencer os países que virão ao Brasil de que a demarcação dos territórios indígenas é parte da luta contra o aquecimento da Terra.

No dia 10, a Apib lançou, uma Contribuição Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e o Ministério dos Povos Indígenas anunciou uma Comissão Internacional Indígena para a COP30. O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, esteve presente na plenária em que as iniciativas foram lançadas, na companhia das ministras Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), e Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e da deputada federal Célia Xakriabá.

Durante a programação do Acampamento, foi realizada uma importante iniciativa para garantir aos indígenas o direito à inclusão do nome de seu povo no registro civil. A ação, que incluiu a distribuição de formulários para registro dos indígenas durante o evento, foi promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil).

A inclusão do nome indígena no registro civil passou a ser permitida em dezembro do ano passado, por meio de uma resolução do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Com a medida, o indígena pode incluir em seu nome de registro o povo, o grupo, o clã e a família a qual pertence. A alteração pode ser feita em cartório, de forma extrajudicial.

O ATL é organizado anualmente, desde 2004, pela Apib e suas sete organizações regionais de base: Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa. A Apib foi criada em 2005 a partir de uma demanda feita na primeira edição do ATL, quando lideranças indígenas estabeleceram que precisavam ter uma representação nacional.

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