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Em movimento inédito, STF julga ‘Pacote Verde’ de ações ambientais

Em uma agenda inédita, o STF (Supremo Tribunal Federal) vota nesta quarta-feira (30) sete ações relacionadas à preservação do meio ambiente e à proteção da Amazônia. Para especialistas, a “Pacote verde” é, por si só, um marco simbólico da Corte diante do avanço descontrolado do desmatamento e do desmonte das políticas públicas de proteção ao meio ambiente no país. E os resultado dos julgamentos podem ser decisivos para a mitigação da emergência climática. 

A pauta é vista como uma sinalização de que ministros do STF estão dispostos a cobrar da Presidência da República medidas que deem uma resposta adequada aos graves problemas ambientais enfrentados pelo país – e que têm sido negligenciados pela atual gestão.  

As sete ações pautadas para o julgamento abordam temas distintos, que estão relacionados entre si e que impactam toda a sociedade. Quatro delas têm relação direta com as ações e omissões do governo e de seus órgãos ambientais em questões relacionadas ao desmatamento e às queimadas na Amazônia.  

As outras três ações tratam da redução deliberada da participação da sociedade civil nas políticas públicas ambientais, do enfraquecimento de legislações para licenciamento ambiental e da falta de critérios para avaliação da qualidade do ar. 

Contra o desmatamento 

De acordo com o advogado Rafael Giovanelli, Especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, a ação mais abrangente a ser julgada pelo STF na quarta-feira é a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 760, que destaca a falta de medidas de preservação da Amazônia e dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais. “O desmonte da política ambiental agravou o desmatamento no bioma e, consequentemente, a emergência climática”, afirma. 

No caso da ADPF 760, o Governo Federal está sendo responsabilizado por atos e omissões que levaram a um aumento descontrolado da destruição da Amazônia nos últimos três anos.

Em síntese, segundo Giovanelli, a ação exige a retomada efetiva do PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia). 

O plano, criado em 2004 e aplicado até 2018, foi responsável pela queda acentuada da devastação da Amazônia entre 2004 e 2012. A partir de 2012, as taxas de desmatamento pararam de cair e passaram a oscilar em uma tendência de alta. No entanto, a atual gestão abandonou a implementação do PPCDAM a partir de 2019 e o desmatamento explodiu.  

A ADPF 760, cuja relatora é a ministra Cármen Lúcia, foi apresentada por sete partidos de oposição, acompanhados de dez organizações, na qualidade de amici curiae. De acordo com os responsáveis pela ação, o Governo Federal estimula desmates e queimadas por meio de um conjunto de ações e omissões que, na prática, paralisaram o PPCDAM.  

Entre as demandas da ADPF 760 estão a retomada do cumprimento de metas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil sobre mudanças climáticas. “Se a ação for julgada procedente, o Poder Executivo Federal poderá ser obrigado a elaborar e implementar um plano eficaz para reduzir o desmatamento na Amazônia, consistente com os compromissos internacionais assumidos pelo país”, disse Giovanelli.  

Desmatamento impacta toda a sociedade 

A ADP 760 é importante, porque chama atenção para o desmatamento e suas consequências. Nesse sentido, cientistas brasileiros já demonstraram que a floresta Amazônica funciona como uma imensa bomba de umidade para todo o centro-sul do continente sul-americano: os bilhões de árvores ali existentes reciclam a umidade do Oceano Atlântico, que é enviada pelos ventos para as áreas do sul do continente – os chamados “rios voadores” – onde está a maior parte da produção agrícola do país.  

Se a devastação da Amazônia prosseguir no ritmo atual, além da perda de biodiversidade, as chuvas serão reduzidas no centro-sul, tornando impossível a produção agrícola que hoje alimenta e gera renda para os brasileiros de outras regiões.  

Além do impacto econômico devastador, a perda da floresta também agravaria os eventos climáticos extremos, como as secas intensas que afetaram o Sul do Brasil neste ano e as chuvas devastadoras como as que recentemente custaram vidas em Petrópolis (RJ) e no interior da Bahia. 

Mudanças climáticas 

A ciência também já demonstrou que a devastação da Amazônia é o principal vetor de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e pode agravar as mudanças climáticas globais. Caso a temperatura média global ultrapasse o limite de 1,5oC, as consequências para o planeta serão avassaladoras, segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU (Organização das Nações Unidas).  

No Brasil, a capacidade de geração de energia elétrica cairia 40%, as áreas para cultivo de soja diminuiriam 80% e a área apta para cultivo de milho seria reduzida em 90%. Os impactos à saúde humana também seriam graves, com aumento da internação e mortes de pessoas idosas por causas respiratórias. 

Para evitar que isso aconteça, a Política Nacional sobre Mudança do Clima estabeleceu, em 2009, que o desmatamento da Amazônia deveria ser reduzido ao patamar de 3,9 mil km2 em 2020. Porém, em 2019, 2020 e 2021, a taxa superou os 10 mil km2 por ano, de acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 

A retomada do PPCDAM, exigida pela ADPF, envolve uma estratégia ampla de fortalecimento de órgãos federais de fiscalização e gestão ambiental que foram enfraquecidos, aparelhados ou desmantelados na atual gestão, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e a Funai (Fundação Nacional do Índio). 

Segundo os responsáveis pela ação, todos os indicadores mostram um esforço inédito da administração federal para enfraquecer instituições, normas e políticas ambientais.  

Omissão ilegal 

Outra ação relacionada ao desmatamento na Amazônia é a ADO 54, que também está na pauta do dia 30. O termo ADO, – ou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – se refere a uma ação movida quando o poder público se omite no cumprimento de uma norma da Constituição.  

O objeto da ADO 54 está relacionado à ADPF 760, mas tem foco mais específico na omissão do Governo Federal em relação ao desmatamento na Amazônia. Apresentada por um partido da oposição, a ADO 54 tem como relatora a ministra Carmen Lúcia.  

Na ação, os autores alegam que cabe ao Poder Público promover a conscientização da sociedade para preservação do meio ambiente e, nesse contexto, as manifestações do presidente da República são relevantes. Mas, segundo os responsáveis pela ação, “em todas as suas declarações Jair Bolsonaro faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo da Amazônia”. 

Fundo Amazônia 

O Fundo Amazônia, paralisado inconstitucionalmente por omissão do governo Federal, é o objeto de uma outra ação a ser julgada pelo STF na quarta: a ADO 59. Movida por quatro partidos da oposição, a ação tem como relatora a ministra Rosa Weber. 

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 para financiar ações de governos, sociedade civil e instituições de pesquisa de combate ao desmatamento, conservação e fomento a atividades econômicas sustentáveis. A partir de 2019, ações do governo Federal levaram à paralisação total do Fundo. 

Um dos principais efeitos colaterais dessa paralisação tem sido o enfraquecimento das ações de fiscalização do Ibama – que era um dos principais beneficiários dos recursos – e o aumento descontrolado do desmatamento. 

Desmonte da fiscalização 

A quarta ação relacionada ao desmatamento e às queimadas na Amazônia é a ADPF 735, que tem foco no enfraquecimento do Ibama e questiona um decreto federal que retira a autonomia do órgão – algo que também fere preceitos fundamentais da Constituição. A ação é de autoria de um partido de oposição e tem como relatora a ministra Cármen Lúcia. 

Os autores da ADPF 735 alegam que, por meio de um decreto e uma portaria, o governo Federal retirou a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização do desmatamento na Amazônia, ao definir que, em 2020, a operação seria de responsabilidade do Ministério da Defesa.  

As Forças Armadas, porém, não têm a mesma experiência e capacidade do Ibama para combater esse tipo de crime e a operação falhou na redução do desmatamento. 

Outras ações para proteger o meio ambiente  

As outras três ações em pauta tratam de outros temas ambientais. A ADPF 651 pede que seja declarado inconstitucional um decreto publicado pelo governo Federal em 2020 que exclui a sociedade civil do conselho deliberativo do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente). A ação extrapola a questão ambiental: o foco é discutir a participação da sociedade na implementação de políticas públicas. 

Já a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6148 trata do afrouxamento dos padrões de qualidade do ar, definidos pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente).  

Entre as sete ações a serem julgadas pelo STF no dia 30, a ADI 6148 é a única de autoria da PGR (Procuradoria-Geral da República), encabeçada à época por Raquel Dodge, e se refere a uma medida tomada pelo governo de Michel Temer. 

A ação contesta uma resolução do Conama, de 2018, que, segundo a PGR, não regulamenta de forma adequada os padrões de qualidade do ar. 

Outra ação que questiona a constitucionalidade de uma legislação em vigor é a ADI 6808, que contesta uma medida provisória editada pelo governo Federal em 2021 que alterou uma legislação relacionada a licenças ambientais. Sob pretexto de simplificar a legalização de empreendimentos, a medida provisória prevê a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças para determinadas empresas. 

FONTE: WWF BRASIL

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