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Livro sobre Gal Costa revela os bastidores tensos da gravação da cantora com Tim Maia em 1985

♪ “Moça, seja forte / Treta sempre tem”. O recado mandado por Emicida para Gal Costa há quatro anos ao escrever a letra de Abre alas do verão – parceria do rapper com Erasmo Carlos gravada pela cantora no álbum A pele do futuro (2018 ) – teria sido útil em 1985.

Como o produtor musical e jornalista Marcus Preto revela no livro Gal Costa, lançado em março pela editora Beï, teve (muita) treta naquele ano de 1985 em que a cantora gravou a balada Um dia de domingo – uma das canções mais inspiradas da dupla de compositores Michael Sullivan & Paulo Massadas, hitmakers que dominaram as paradas de sucessos dos anos 1980 – em dueto com Tim Maia (1942 – 1998) para o álbum Bem bom (1985).

Embora seja em tese uma fotobiografia organizada por Preto com Leonardo Lichote e Omar Salomão, o livro Gal Costa transcende o caráter iconográfico ao reconstituir a trajetória da artista através de textos inéditos – escritos pelos organizadores e por Antonio Risério, Júlio Diniz, Pedro Duarte e Renato Vieira (a quem foi confiada a pesquisa de imagens do livro em função dividida com Arlindo Hartz) e de reproduções de entrevistas da própria Gal.

Dentro desse recorte biográfico, o texto mais revelador é “… e deixar falar a voz do coração. Ou: os anos Plopschi na RCA”, escrito por Marcus Preto sobre a fase em que, contratada pela gravadora RCA-Victor em 1984, após 17 anos na Philips, Gal fez três discos de tom ostensivamente mais popular de 1984 a 1987 sob a supervisão incisiva de Miguel Plopschi, então diretor artístico da companhia fonográfica, na qual ingressara em 1983, vindo da EMI-Odeon.

É nesse texto que o livro Gal Costa descortina os tensos bastidores da gravação da balada Um dia de domingo. De acordo com o relato de Preto, foi Gal quem pediu a Sullivan & Massadas uma canção na mesma levada de Leva (1984), jingle composto pela dupla para emissora paulista de rádio, gravado originalmente pelo próprio Michael Sullivan – para veiculação exclusiva na emissora – e posteriormente amplificado em outras rádios, já no vozeirão de barítono de Tim Maia, primeiro cantor a propagar canção de Sullivan & Massadas com a gravação de Me dê motivo em 1983.

De acordo com o relato de Preto, a canção Um dia de domingo foi feita ao longo de uma noite no apartamento de Massadas, no Cachambi, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Aprovada por Gal e pela gravadora, a balada foi pensada para um dueto da cantora com Tim Maia.

Feitas as devidas modulações para encontrar os tons mais adequados para as vozes de Gal e Tim, Marcus Preto revela o que então era sabido somente por poucas pessoas do meio musical: o primeiro arranjo de Um dia de domingo foi encomendado a Liminha, produtor musical que vinha dando polimento pop à discografia de Gilberto Gil e que estava prestes a se tornar o principal arquiteto dos álbuns das bandas de pop rock projetadas na década de 1980. Feito e aprovado o arranjo por Liminha, Gal deu sinal verde para a gravação.

A treta começou quando Tim reprovou o arranjo de Liminha, criou caso e brigou com todo mundo, até com Gal, que cogitou desistir do dueto diante do desentendimento.

Foi quando Miguel Plopschi, diplomático como todo bom diretor artístico de gravadora, entrou em cena para apaziguar os ânimos e propôs que ele, Plopschi, assume a produção musical da faixa, já que o álbum Bem bom seria formatado por vários produtores musicais, como sugeriu o poeta Waly Salomão (1943 – 2003), creditado como diretor artístico do álbum ao lado de Plopschi.

Ficou então acertado que um outro arranjo seria encomendado a Lincoln Olivetti (1951 – 2015), mago dos estúdios que havia criado o arranjo referencial da marcha-frevo junina Festa do interior (Moraes Moreira e Abel Silva, 1981), sucesso na voz da própria Gal há quatro anos, e que já dava o tom tecnopop da música brasileira naquela altura.

O arranjo de Lincoln foi aprovado por todos. Mas, para evitar mais tretas, as gravações das vozes de Gal e Tim foram marcadas para dias diferentes nas sessões de estúdio. Só que, no dia da gravação do cantor, Tim questionou a ausência de Gal e chegou a se recusar a gravar a parte dele sem a presença da cantora. Com habilidade, diplomacia e uma dose de mentira (foi dito a Tim que Gal estava viajando), Michael Sullivan driblou a resistência de Tim.

Mas nem assim a treta acabou. Ao perceber que cantaria menos do que Gal na faixa, Tim bateu pé e exigiu que ambos cantassem a mesma quantidade de letra. Lincoln Olivetti teve então que aumentar a base do arranjo para atender a exigência de Tim.

Gravadas as vozes dos cantores, Tim criou outra pendenga ao fazer questão de mixar ele próprio a faixa no estúdio de outra gravadora, a Som Livre. Dito e feito. Como a mixagem de Tim descontentou a diretoria artística da RCA, outra mixagem foi feita à revelia de Tim na RCA.

Marcus Preto sustenta no texto que o cantor jamais notou a diferença na mixagem. Contudo, em entrevista à revista Veja, Tim se queixou da alteração da mixagem da faixa. Mas o que talvez tenha chamado a atenção do cantor não tenha sido a mixagem, mas a mudança do tom da voz de Gal.

É que a cantora decidiu regravar a voz na faixa quando Um dia de domingo já tinha sido enviada às rádios em single promocional do então ainda inédito álbum Bem bom, LP lançado em dezembro de 1985, a tempo de pegar o aquecimento das vendas de discos no período natalino.

Alertada por Caetano Veloso, que detectou diferença gritante nas potências das vozes de Gal e Tim ao ouvir a canção nas rádios, a cantora pôs nova voz em Um dia de domingo, com o arranjo já adaptado por Lincoln Olivetti para a mudança de voz para a tonalidade ré. Tudo foi feito sem o conhecimento de Tim Maia.

Em que pese tanta treta nos bastidores ora detalhados por Marcus Preto no livro, a gravação de Um dia de domingo resultou exemplar – até porque, cabe enfatizar, a balada é uma das músicas mais belas do irregular cancioneiro de Sullivan & Massadas – e fez o previsível sucesso nas rádios, fazendo de Bem bom o álbum comercialmente mais bem-sucedido da discografia de Gal Costa. Que foi forte para suportar tanta desarmonia, talvez por saber que, sim, treta (quase) sempre tem…

FONTE: G1 ( POR MAURO FERREIRA)

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