Brasileiros no Japão vão além do trabalho em fábricas e fazem ‘baitos’ para aumentar a renda salarial
sol nascente, outra estão no país tropical.
Aquele sonho dos primeiros brasileiros em solo japonês – atualmente apelidados de “Dinossauros no Japão” – ainda persiste nos mais jovens e naqueles que estão desbravando o trabalho do outro lado do mundo pela primeira vez. Porém, a atual realidade é bem diferente de antes e poucos conseguem fazer a economia de antigamente. Isso por conta de vários fatores, como aumentos dos impostos, pagamento obrigatório do seguro saúde e aposentadoria, as crises econômicas e as tragédias que afetaram o país.
Baitos – A renda dos brasileiros no Japão, foi achatada e segue estagnada, sofrendo mais queda com os aumentos nos preços dos combustíveis e dos alimentos. Para completar, as fabricas ainda sofrem com o caos da pandemia que afetou o mundo. Muitas delas ainda não voltaram com a produção normal e os funcionários são obrigados a ficar em casa, ganhando apenas 60% do dia.
Para tentar aumentar os ganhos e até mesmo um dia conquistar a independência financeira, os conterrâneos estão fazendo serviços extras, os famosos “bicos” ou “baitos” em nihongo.
Morando no Japão há 25 anos, Maria Nojima, 48, natural de Mogi das Cruzes, começou a vender docinhos de festas para complementar os ganhos, já que a fábrica onde trabalhava não tinha horas extras. A iniciativa não foi por acas. Tudo começou depois que resolveu fazer brigadeiro e beijinhos para a festa de aniversário de um ano de sua segunda filha.
“Para não comprar tudo pronto e economizar, decidi eu mesma fazer os docinhos da festa”, conta.
Maria conta que não tinha experiência alguma na produção dos doces, mas que os convidados gostaram e surgiram as primeiras encomendas. Desde então, começou a aceitar os pedidos e viu a oportunidade de poder ganhar um extra, complementando a renda do seu salário de fábrica.
“Levava na fábrica para vender, minhas amigas pediam para alguma festa, festa da igreja e assim foi aumentando a clientela”, disse.
A dedicação e persistência deram bons frutos para Maria, depois de longos anos, ela decidiu deixar a fábrica e trabalhar exclusivamente com os doces de festas.
Existem muitos casos de brasileiros que resolveram fazer um “bico” para complementar a renda salarial no Japão e conquistaram a independência financeira, deixando a vida de operário de fábrica e sendo o próprio patrão.
Pela primeira vez – A crise de 2008 afetou a vida financeira dos pais de Renan Kishinami, que chegou no Japão com 17 anos, até então, era apenas uma estudante do colegial (Koukosei). Após os pais perderem o emprego na região de Kanagawa, eles se mudaram para a província de Aichi-Ken e o jovem enfrentou a fábrica pela primeira vez.
Antes de vir para o Japão, o sonho de Renan era ser dentista ou barbeiro. Ele lembra que na época a profissão de cortar cabelo era mais dos cabelereiros. Quando chegou, assim como todo novato, não sabia falar o idioma japonês e por isso, tinha dificuldades de ir ao salão profissional e acabava cortando o próprio cabelo.
“Eu mesmo cortava. Tinha comprado na farmácia as tesouras e tentava cortar o próprio cabelo”, lembra.
Kishinami conta que os colegas começaram a pedir para ele cortar o cabelo deles, mesmo sem nenhuma experiência e isso o motivou a seguir no sonho de infância.
“Essa foi a primeira experiência de cortar cabelo e eu gostei muito porque a gente consegue mudar a pessoa, a autoestima dela vê-la feliz
E isso foi gratificante, daí em diante queria ser barbeiro”, explica.
Aperfeiçoamento – Com a decisão na cabeça de se tornar um profissional, Renan foi em busca da profissionalização, fez cursos e começou a atender nas horas vagas. A rotina inicial era conciliar o horário do trabalho na fábrica com o do curso.
“Mesmo fazendo curso eu continuava trabalhando 12 horas todos os dias na fábrica e, mesmo alimentando esse sonho, pensei em desistir muitas vezes porque a rotina era muito cansativa”, relata.
Após o término do curso, Kishinami começou a atender em casa, sempre após o trabalho na fábrica. De início cortava de graça, pois o objetivo era adquirir experiência, e depois de um ano começou a cobrar um valor simbólico.
“Eu me formei e mesmo assim trabalhei em fábrica por seis anos, fazendo curso e cortando cabelo depois do meu trabalho. Isso me deixou feliz porque estava vendo resultado”, explica.
Sonho realizado – Depois de cinco anos, trabalhando em fábrica, saindo de noite, virando o sábado acordado para atender os clientes, Renan é mais um que transformou o “bico” na sua principal fonte de renda. “Hoje, posso dizer eu realizei meu sonho em só trabalhar como barbeiro”, finaliza.
Em Okazaki (Aichi), Tarcílio Junior que está no Japão pela segunda vez, é mais um exemplo de quem agarrou uma oportunidade para ganhar uma renda extra, mesmo trabalhando em fábrica. Sua rotina é dividida ente o hirukin (dia) e yakin (noite) do trabalho operário com o cuidado das sobrancelhas dos clientes.
Tarcílio conta que nunca pensou em trabalhar nesta área, mas a oportunidade surgiu quando a pessoa que fazia o trabalho no salão de seu companheiro saiu. O incentivo veio do namorado, que falou para ele fazer um curso e começar a atender.
“As pessoas vinham aqui, queriam definir a sobrancelha, mas não tinha quem fizesse”, conta.
Apesar da dura rotina de fábrica, Junior não teve dúvidas e resolveu abraçar a oportunidade. Foi atrás de curso e se profissionalizou. Atendendo nas suas horas vagas ele garante que a renda extra tem ajudado muito.
“No começo, como as pessoas ainda não sabiam, o ganho era pouco. Mas agora, dá para tirar um bom rendimento”, garante.
Apesar de novato na área e investindo cada vez mais em conhecimento e experiência, através de cursos, o novo design de sobrancelha conta que uma das suas surpresas com o trabalho extra é o número de clientes masculino.
“Depois que fiz o curso e comecei a divulgar, a clientela aumento, fiquei surpreso. A maioria são homens”, conta.
O sonho de Tarcílio agora, é um dia poder sair da fábrica e poder trabalhar com sua nova profissão.
“Eu quero muito. Estou gostando muito e superou minhas expectativas. Eu não esperava que teria essa clientela”, finaliza.
FONTE : NIPPON JÁ (Silvio Mori, especial para o Nippon Já)