Documentário retrata a discriminação de estudantes brasileiros nas escolas japonesas
Mesmo após três décadas do auge do movimento dekassegui (brasileiros descendentes de japoneses que foram ao Japão em busca de emprego), ainda são mais de 204 mil brasileiros residentes no Japão, número formado por famílias que decidiram se estabelecer lá mesmo, além de filhos de brasileiros nascidos no Japão (lá a criança herda a nacionalidade dos pais, independentemente se é nascida no Japão).
Assim como os primeiros imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil em 1908, os nikkeis que foram ao Japão também enfrentaram diversos problemas sociais no Japão, sendo um dos mais comuns a educação dos filhos. Muitas crianças brasileiras que ingressam em uma escola japonesa encontram dificuldades de socialização, devido às diferenças culturais, aparência e idioma. Não é raro, neste panorama, os casos de bullying.
Atento a tais comportamentos, um cineasta independente produziu a obra “Muito Prazer”, abordando o problema educacional dos brasileiros como tema central. Aliás, o próprio diretor Masakazu Yoshimoto tem um perfil diferenciado, pois, pelo nome, aparência e um japonês fluente, ninguém desconfia de que ele é um “estrangeiro” no Japão. Na verdade, é a terceira geração de uma família coreana e nascido no Japão. Seu nome verdadeiro é Park Jeng-il.
Havia uma época em que o governo japonês obrigava o uso de nome social japonês aos imigrantes coreanos, com o objetivo de nacionalizá-los e integrá-los como parte do exército japonês. Mesmo após a abolição dessa lei, alguns coreanos que permaneceram no Japão continuaram com o uso do nome social na tentativa de se “camuflarem” entre os japoneses.
Realidade desconhecida dos nikkeis – O diretor Park conta que teve seu primeiro contato com brasileiros no Japão há cerca de 10 anos, quando visitou uma escola brasileira em Ibaraki, como instrutor de produções audiovisuais. Era um projeto promovido pela empresa Panasonic, que incentiva estudantes a se expressarem através de vídeos, organizando um concurso e disponibilizando equipamentos para as gravações. “Fico até envergonhado em admitir isso, mas até então não sabia que existiam tantos brasileiros no Japão”, diz ele. Ao interagir com os alunos, Park reparou que algumas circunstâncias se assemelhavam entre brasileiros e coreanos residentes no Japão. “Achei isso curioso e decidi produzir esse filme”, comenta. Nascia ali a ideia de vasculhar e registrar o comportamento.
Park diz que sua história remete bem aos problemas vividos pelos estudantes brasileiros. Ele conta que até seus 9 anos frequentava a escola japonesa com o seu nome coreano. Mas acabou sofrendo bullying e, a partir do momento que se transferiu em uma outra escola, decidiu adotar o nome japonês. “Por isso eu entendo muito bem a situação das crianças brasileiras”, comenta. “Muitas delas tentam ir a uma escola japonesa, por questões financeiras [escolas brasileiras no Japão são particulares, com mensalidades caras, em contrapartida das escolas japonesas que são públicas]. Mas acabam voltando para escola brasileira por conta do bullying. Acho isso péssimo. Então, comecei a escrever o roteiro baseado nisso”, explica.
A opção de usar um nome social japonês e a aparência oriental, igual ao de japoneses, ajudaram muitos descendentes coreanos a se adaptarem na sociedade japonesa. Mas isso tinha um preço a se pagar. “Desde que comecei a usar o nome japonês, sempre tive a sensação de que eu estava me escondendo e fugindo”, conta. Segundo ele, conseguir se disfarçar em meio aos japoneses pode parecer vantagem em relação aos brasileiros com a aparência ocidental que acaba chamando a atenção, mas na verdade não, “porque em ambos os casos [coreanos e brasileiros] a origem do problema é a mesma: a discriminação”.
Jovens talentos desperdiçados – Assim como o próprio diretor Park, são poucas as pessoas na sociedade japonesa que sabem da existência de milhares de brasileiros vivendo no Japão – e pouquíssimas sobre os problemas que eles enfrentam. Por não saberem se comunicar em japonês, muitos acabam não tendo vínculo com outras pessoas de fora da comunidade de dekasseguis.
“A impressão que eu tive convivendo com os brasileiros é que tem muita gente talentosa”, disse o diretor, lamentando que são poucos os jovens brasileiros que conseguem oportunidades para o sucesso profissional no Japão. Mais do que no Brasil, a escolaridade é um dos fatores mais avaliados em uma vaga de trabalho lá, mas o ensino médio cursado em escolas brasileiras não é reconhecido pelo governo japonês. O cenário futuro dos estudantes braisleiros é quase certo: cerca de 80% das crianças brasileiras residentes no Japão se tornam operárias em fábricas.
“Eu queria que a sociedade japonesa enxergasse essas crianças e mudasse pelo menos um pouquinho essa situação”, explica o diretor Park sobre a maior motivação de ter produzido esse filme. Mas ele ressalta também que apenas o filme ainda é insuficiente para que melhorias ocorram. “Não estou querendo dizer que trabalhar em fábrica é algo ruim, desde que a pessoa esteja conformada com isso”, argumenta, dizendo que é um desperdício de talento desistir dos sonhos apenas por trabalhar em fábrica ser um trabalho mais fácil.
Os motivos para o panorama mudar são vários, pois o Japão enfrenta uma queda grave ne número de mão de obra, fruto do envelhecimento populacional e diminuição de natalidade. Segundo o diretor, “a participação mais ativa da população estrangeira é imprescindível para o Japão continuar crescendo”. “Já ficaria muito feliz se pelo menos 1 de 100 espectadores começasse a acreditar que é possível realizar seus sonhos mesmo morando no Japão e refletir o que é preciso para isso, pode ser estudar a língua japonesa ou interagir mais com a comunidade local”, acrescentou.
Preconceito – Segundo o diretor, uma das causas do preconceito que distancia os estrangeiros dos japoneses é a falta de comunicação. Ele e o cinegrafista de “Muito Prazer” amam viajar por outros países e se comunicar com a população local. “Acho que só assim podemos conhecer as pessoas e descobrir detalhes que ainda não sabíamos”, argumenta o diretor.
Portanto, Park espera que através desse filme mais pessoas se sintam encorajadas para se comunicarem, independentemente da nacionalidade. “Já sofri bastante bullying por ser coreano e até hoje vivencio casos de discriminação no Japão. Mas só consegui sobreviver a tudo isso porque teve japoneses que me acolheram. Fui judiado pelos japoneses, mas também fui socorrido pelos japoneses”, disse ele justificando a importância de criar coragem para se aproximar dos japoneses.
Onde assistir – O filme “Muito Prazer” já foi exibido e premiado em festivais de cinema internacionais, como Philadelphia Asian American Film Festival dos Estados Unidos e Nippon Connection – Japanese Film Festival de Alemanha. No dia 27 de agosto, finalmente terá a sua estreia no cinema japonês, no Cinema Rosa, localizado no distrito Ikebukuro em Tóquio. Ficará em cartaz apenas uma semana, até o dia 2 de setembro.
Por enquanto, ainda não há nenhuma alternativa para os residentes no Brasil assistirem o filme. Mas a vontade do diretor para a exibição no Brasil não falta e ele acredita que ter um histórico de exibição em cinema japonesa pode atrair novas oportunidades.
Aos simpatizantes do diretor Park que moram no Japão, é uma boa oportunidade para incentivar mais suas produções indo assistir o “Muito Prazer” no cinema. Aqueles que moram longe, podem ajudar na divulgação das informações sobre a exibição nas redes sociais.
Próximo passo – Desde que produziu o “Muito Prazer”, Park foi diversas vezes questionado pelos brasileiros se continuaria produzindo mais obras relacionadas aos nikkeis. “Eu sempre digo que não. Eu já fiz o meu papel, acho que o próximo filme sobre os brasileiros descendentes de japoneses tem que ser produzido por eles mesmo”, respondeu o diretor, que já concluiu as gravações do seu próximo filme, dessa vez contando a história dos coreanos residentes no Japão.
FONTE : NIPPON JÁ (POR Lika Shiroma)