Túmulo de Pé de Veludo, o ‘Robin Hood de Marília’, é o mais visitado na cidade
Entre os três cemitérios de Marília (SP), tradicionalmente o túmulo mais visitado nos feriados de Finados, celebrado nesta quarta-feira, dia 2 de novembro, é o do folclórico Pé de Veludo, que inspira a versão local da lenda de Robin Hood.
Visto hoje como uma espécie de beato, ou santo, que concede graças, Guaracy Marques Pinto morreu aos 21 anos, em 9 de dezembro de 1694, durante um confronto com a polícia.
O apelido, conta-se na cidade, se deu por sua habilidade em invadir silenciosamente casas para praticar furtos.
Apesar da prática criminosa, é amplamente disseminado no município que Pé de Veludo distribuía entre os mais pobres aquilo que pegava de pessoas com melhores condições de vida.
Segundo se diz em Marília, ele também gostava de mexer na geladeira e deixar bilhetes para as vítimas.
A aposentada Tite Balbo, de 65 anos, é uma entre os muitos marilienses que enxergam em Pé de Veludo um verdadeiro herói.
“O Pé de Veludo passava em frente de casa, na Rua Olavo Bilac, no bairro São Miguel. Eu tinha uns sete anos, mais ou menos, e existia um cafezal perto de casa que ele corria para lá”, relembra Tite, ao visitar o túmulo.
Na pequena capela mortuária localizada no Cemitério da Saudade, onde está enterrado Guaracy, existem diversas placas agradecendo à “graça alcançada” com a ajuda de seu espírito, segundo a crença dos fiéis, que veem na figura uma espécie de milagreiro.
“Aqui no cemitério, vem muita gente visitar o Pé de Veludo e já teve muita graça recebida, já ouvi muitas histórias. Principalmente gente pedindo alimentos. A pessoa pede alimentos e ele tem essa graça, da alimentação”, disse Tite.
As histórias sobres os crimes cometidos por Pé de Veludo e os bilhetes que sempre deixava avisando que “amanhã eu volto” fizeram parte da cobertura da imprensa local, como nos antigos Correio de Marília e Jornal do Comércio, entre outros.
A pesquisadora Aline Martins Verdi inclusive cita as reportagens sobre Pé de Veludo em sua tese de mestrado em Ciências Sociais, defendida em 2010, com o título: “Deus e diabo nas pontas de um pé de veludo: estudo de uma personagem contraditória no imaginário popular mariliense”.
Entre outras coisas, a autora busca investigar “a origem e dimensão do mito de santo milagreiro evidenciado após a sua trágica morte”.
Segundo a acadêmica, Pé de Veludo conseguiu fama ainda em vida, “ora como elemento carismático, ora como elemento causador de medo”, por sua habilidade “ao entrar nas residências e furtar os pertences das pessoas, a presença de bilhetes jocosos ao terminar suas ações ilícitas, sua coragem em enfrentar a polícia local, sua capacidade de liderança em relação aos seus irmãos mais velhos e o vínculo estabelecido com os jovens de seu bairro”.
Conforme a pesquisa, após os inúmeros furtos supostamente praticados por Guaracy, em 1964, no início do regime militar, “se transferiu para Marília o delegado Ewerton Fleury Curado, declaradamente interessado em pôr fim aos problemas”.
De acordo com Aline, “reunido com vários policiais, o delegado invadiu a casa de Pé de Veludo com o objetivo de vistoriá-la”. No local, diversos objetos valiosos foram encontrados, conforme o estudo, mas houve reação.
O delegado foi atingido na cabeça com uma barra de ferro em golpe desferido por um parente de Pé de Veludo, segundo a tese de mestrado. Em seguida, se iniciou um tiroteio que culminou com a morte da autoridade policial e três familiares do suspeito.
“Enquanto sua família fugia, Pé de Veludo ficou na casa trocando tiros com a polícia, inclusive baleando um policial”, escreveu a pesquisadora. “A polícia, impossibilitada de adentrá-la, reforçou ainda mais seu efetivo policial e, finalmente, aproveitando-se do fato de a casa ser próxima ao serviço de água e esgoto da cidade, infiltrou cloro puro na residência, matando Pé de Veludo asfixiado”.
Vários parente dele acabaram mortos e presos. Depois de morrer, Guaracy foi ganhando a fama de santo milagreiro com o passar dos anos. Em uma pesquisa com pessoas que visitaram seu túmulo, a estudiosa verificou que “quase 90% dos entrevistados o reconhecem como um santo popular local”.
A pesquisa conclui que “hoje – seja através da transformação da relação entre os contemporâneos a Pé de Veludo à figura do ladrão, ou seja, através do ‘ouvirem dizer’ transmitidos dos contemporâneos para a população que não conheceu Pé de Veludo – a maior parte das pessoas percebe as ações do ladrão como atos justiceiros e o representa no imaginário popular como herói mítico, santo milagreiro e não como um perigoso transgressor social”.
FONTE :TEMMAIS.COM(Por Leonardo Moreno)