Mesmo comprometidos com carbono zero, investidores ainda apostam em combustíveis fósseis
Com o objetivo de frear as emissões de gases do efeito estufa e acelerar a transição energética para fontes limpas, os negociadores da Conferência do Clima da ONU, a COP 26, que aconteceu em Glasgow, Escócia, deram um recado claro: era preciso reduzir o uso de carvão mineral na produção de energia, assim como subsídios a combustíveis fósseis. Foi a primeira vez que o assunto foi mencionado em um relatório final de uma COP. Ainda em 2021, grandes empresas do setor financeiro uniram-se em uma aliança comprometida com o investimento na produção de energias renováveis. Mas um novo relatório mostra que muitos desses investidores, mesmo comprometidos com a descarbonização da economia, continuam aportando cifras bilionárias a produtores de combustíveis poluentes.
Lançada naquele ano, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Aliança Financeira de Glasgow para Net Zero (GFANZ, na sigla em inglês) é uma coalizão global de instituições financeiras comprometidas em acelerar a descarbonização da economia com o objetivo de atingir as metas estipuladas pelo Acordo de Paris, limitando o aumento da temperatura global em 1,5°C. Para isso, cada participante, como empresas, bancos e seguradoras precisam ajustar seus modelos de negócios para desenvolver e implementar planos confiáveis para a transição rumo a uma economia de baixo carbono. Todos os membros se comprometeram com a neutralidade carbônica até 2050, com metas provisórias a serem alcançadas até 2030, incluindo a eliminação gradual de apoio financeiro a combustíveis fósseis.
Mesmo assumindo esse compromisso, um relatório publicado pela organização governamental Reclaim Finance aponta que 161 membros dessa aliança financiaram pelo menos 211 das empresas que mais contribuem com a produção de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão. Desde que aderiram à GFANZ até agosto de 2022, os 56 principais bancos da aliança forneceram pelo menos US$ 269 bilhões a 102 das maiores empresas ligadas a energias poluentes. Com os recursos recebidos, essas companhias pretendem produzir 137 bilhões de barris extras de petróleo e aumentar a produção de energia a carvão em 92 gigawatts, o equivalente à capacidade produtiva de Japão e África do Sul juntos.
Somam-se aos bancos 58 gestoras de ativos que controlavam ao menos US$ 847 bilhões em ações e títulos de 201 empresas ligadas à emissão de combustíveis fósseis, sendo 90% do setor petrolífero. Maior investidor da GFANZ na expansão de energias poluentes, a BlackRock tem participações em ações e títulos de US$ 23 bilhões em produtores de carvão e US$ 170 bilhões em petróleo e gás. Além disso, o levantamento encontrou outras 15 seguradoras que detinham pelo menos US$ 25 bilhões em títulos no mesmo setor.
No documento, os autores afirmam que para a GFANZ ser vista com credibilidade, “os protocolos e as diretrizes das alianças precisam ser atualizados com urgência para exigir que seus membros eliminem gradualmente a prestação de serviços financeiros para a expansão dos combustíveis fósseis”. Entre as recomendações, estão a retirada imediata de apoio aos desenvolvedores de novos projetos de energias poluentes, e a garantia de que as empresas receptoras dos aportes eliminem gradualmente os combustíveis fósseis de seus projetos.
Negócios, como sempre
A explicação para a contradição presente no investimento em energia fóssil por instituições que se comprometeram com o fortalecimento da produção de energia renovável pode ter muitas vertentes. Para Fabio Alperowitch, especialista em investimentos ESG, sócio da Fama Investimentos e conselheiro do WWF-Brasil, uma delas é a motivação para os compromissos que são firmados, que tem mais a ver com questões econômicas do que ambientais. “Se fosse uma motivação de entrar nesses acordos porque as instituições realmente acreditam que é fundamental salvar o planeta, muito provavelmente esses compromissos não seriam fragilizados”, pondera. Ele conta que quando uma organização percebe que seus concorrentes não estão seguindo com os acordos firmados, a tendência é de que estes sejam deixados de lado em vez de serem fortalecidos.
Na avaliação de Alperowitch, para que haja responsabilização dos investidores de energias poluentes, é necessário o amadurecimento das questões climáticas no âmbito local, exercendo uma pressão importante para que os acordos sejam minimamente respeitados. “Em países mais conscientes é mais fácil fazer essa cobrança porque é feita pela sociedade civil, pelo Judiciário, pela mídia, e também como uma forma de constrangimento público, então, essas organizações se sentem mais cobradas”, explica.
Por um país consciente
No caso brasileiro, para que o país seja um dos que mais cobram por seriedade em investimentos verdes, é preciso que o assunto seja amplamente difundido na sociedade e nos diferentes setores do mercado. “No Brasil, as pessoas sequer sabem o que são os compromissos climáticos. Mesmo os acordos de Glasgow, se você for conversar com dez pessoas do mercado financeiro, te garanto que ao menos nove nem sabem que isso existe”, afirma Alperowitch. “Então, não vai haver cobrança para um assunto que nem chegou aqui.”
Ele entende que um caminho para que empresas do setor petroleiro repense sua cadeia de valor é tendo mecanismos de protestos que trabalhem contra a produção de combustíveis fósseis. Outra via é por meio de políticas públicas e privadas, que incentivem a transição energética para fontes renováveis, como a solar e a eólica. Por ter 80% de sua matriz energética limpa, o Brasil sofre pouca pressão dos investidores internacionais. Por isso, são poucas as imposições sustentáveis às empresas de energias poluentes, como a Petrobras. “A mídia e os investidores não pressionam, e o governo federal, até há pouco tempo, também não pressionava a Petrobras. Portanto, não havia esse debate trazido por alguém. Se esse debate não for feito no âmbito nacional, dificilmente será no internacional.”
No entanto, para que aconteça uma imposição social por um mercado energético mais sustentável no país, é importante que haja um bom trabalho de difusão desses valores, para que todos estejam a par sobre questões envolvendo a sustentabilidade do planeta. “A sociedade mal entende o que seja mudança climática. Vivemos num país com amplitude térmica e por isso não entendem que diferença faz mudar 1°C ou 2°C [no aquecimento global], não entendem ainda o efeito [do aquecimento] ao regime de chuvas, na destruição ou savanização da Amazônia. Esse não é um assunto de conhecimento público ainda e, portanto, não vira instrumento de pressão”, conclui.
FONTE: WWF BRASIL