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Indígenas alertam sobre os graves impactos do garimpo em seus territórios

Os impactos do garimpo ilegal e a ameaça que essa atividade representa às Terras Indígenas (TIs) da Amazônia foram destaque no segundo dia do Acampamento Terra Livre (ATL), mobilização que reúne esta semana em Brasília cerca de 5 mil representantes de 200 povos originários de todo o país. Durante o debate, promovido nesta terça-feira (25/04) pela Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), sobressaíram testemunhos sobre como a extração de ouro na região afeta a saúde humana, destrói a biodiversidade e prejudica o modo de vida das populações. Os presentes ressaltaram também que, para combater ações ilícitas, é fundamental gerar renda, fomentando o desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis, como extrativismo de produtos não madeireiros, artesanato e turismo de base comunitária. 

“Na década de 80, antes da demarcação do nosso território, nossa região foi tomada por garimpeiros. Nosso povo acreditava que viveria bem, ganhando dinheiro, conseguindo uma casa bonita e comida todo dia”, lembrou Fernando Tukano, liderança indígena do Alto Rio Negro, do município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. “Mas o ouro é apenas ilusão. O que aconteceu é que hoje vivemos na pobreza, nossas comunidades e roças foram destruídas porque todos queriam ganhar dinheiro com ouro. E nossos filhos começaram a entrar no garimpo.”  

Assim como Fernando, outros participantes do debate alertaram para a necessidade de geração de renda, para que os indígenas não fiquem vulneráveis ao aliciamento. “As meninas e mulheres são as mais prejudicadas. Elas são cooptadas para o trabalho no garimpo e, chegando lá, são forçadas a se prostituírem”, afirmou Auricélia Arapium, presidenta do Conselho Deliberativo da Coiab e do CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns). De acordo com ela, à medida que atividades sustentáveis e não predatórias são desenvolvidas na região, a cultura local e a identidade indígena são fortalecidas. 

A presença de garimpos ilegais de ouro é uma questão social e ambiental grave, com proporções alarmantes na Amazônia. Um levantamento da HAY (Hutukara Associação Yanomami), feito em parceria com o ISA (Instituto Socioambiental), mostrou que o problema cresceu 54% apenas em 2022 na TI Yanomami, devastando 5.053 hectares no território. A atividade está fortemente ligada ao aumento no desmatamento, à contaminação das águas e dos peixes por mercúrio, à sedimentação de rios, à grilagem de terras e ao crescimento da violência no bioma.  

Em TIs, onde o garimpo é expressamente proibido pela Constituição Federal, esses impactos negativos são ainda mais intensos. Com a contaminação dos rios por mercúrio, que é usado para separar o ouro de sedimentos, a segurança alimentar dos indígenas é afetada, já que os peixes são a base de sua dieta. A presença de garimpeiros também aumenta a proliferação de doenças, como malária, leishmaniose, sífilis e tuberculose nos territórios. Conflitos eventualmente também escalam para agressões e assassinatos.  

Conservar TIs não beneficia apenas os moradores locais, também é positivo para toda a humanidade, já que povos indígenas e tradicionais são reconhecidamente os principais guardiões da floresta e seus territórios são um importante fator de controle do desmatamento na Amazônia. Quanto mais invasões, mais desmatamento e maiores são os efeitos da crise climática. Para a produção de apenas 1 quilo de ouro, por exemplo, são emitidas 12,5 toneladas de CO2 equivalente. 

Agiotas e narcotraficantes 

O garimpo ilegal, frisa Auricélia, é financiado por agiotas e pelo narcotráfico, o que aumenta a presença de criminosos nos territórios. Além disso, a exposição ao mercúrio utilizado pelo garimpo prejudica as comunidades de outras formas. “A permanência do mercúrio no corpo humano afeta todo o organismo, incluindo o cérebro, ameaçando principalmente gestantes e crianças. O desmatamento e a escassez do alimento tradicional produzem a insegurança alimentar”, afirmou.  

Segundo ela, com isso, os próprios garimpeiros se tornam fornecedores de alimentos para os indígenas, que acabam dependentes dos criminosos. “Essa proximidade também leva nossos jovens à dependência de bebidas e drogas. E aumenta a violência, pois os jovens que querem fugir do garimpo e voltar para as aldeias muitas vezes são mortos, assim como aqueles que fazem denúncias”, acrescenta Auricélia. 

“Estamos muito preocupados com o garimpo nas terras indígenas”, concordou Jorge Marubo, líder do Vale do Javari, região onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados no ano passado. “Já há alguns anos o garimpo existe no nosso território e está ficando cada vez mais forte. Estamos preocupados porque vimos o que aconteceu na Terra Indígena Yanomami. Temos muito medo”, pontuou. 

“Vim aqui para pedir ajuda, porque na minha terra tem garimpeiros e eu não gosto disso. Queremos ser ouvidos”, disse em sua língua tradicional Panh-ô Kayapó, liderança indígena do Pará: “Nossa terra está sendo devastada pelo garimpo. Nos últimos tempos os homens da minha aldeia se reuniram e foram a pé tirar esses garimpeiros da nossa terra. Tiveram sucesso, mas há muitos escondidos ainda. Queremos tirar todos eles de lá para que nossas crianças tenham futuro”. 

Outro apelo pelo fim do garimpo em TIs foi feito por Socorro Munduruku, também do Pará. “Quero que as autoridades tirem esses garimpeiros do nosso território. Estou lutando pela nossa terra e por nossa demarcação. Quem é dono da terra somos nós, indígenas”, afirmou, dirigindo-se a representantes do Ministério Público que participavam do evento. “Nos ajudem a demarcar nossa terra… por nossos filhos, nossos netos. Os garimpeiros estão lá, a água está suja e agora estão maltratando a gente. Sou contra o garimpo”, declarou ela. 

Os territórios mais atingidos 

Um estudo feito pelo MapBiomas em 2022 mostra que, entre 2010 e 2021, a área de garimpo saltou 625% em TIs no Brasil. Os territórios indígenas mais atingidos foram dos Kayapó (11,5 mil hectares), dos Munduruku (4,7 mil hectares) e dos Yanomami (1,5 mil hectares). Estima-se que pelo menos um terço do ouro exportado anualmente pelo país tenha origem no garimpo ilegal, que tem aumentado intensamente, especialmente na Amazônia. 

Os impactos na natureza e na saúde humana são seríssimos. Estudos conduzidos pelo WWF-Brasil e parceiros, como a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e o Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena), mostram que, além de trazer prejuízos para os povos indígenas e populações tradicionais, o mercúrio usado na extração de ouro também pode afetar qualquer cidadão da Amazônia. Os peixes mais consumidos no Amapá, por exemplo, são também os mais contaminados pelo metal tóxico. E 75,6% dos moradores de áreas urbanas e ribeirinhas do Baixo Tapajós têm taxas mais altas de mercúrio no sangue do que o limite de segurança estabelecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde). 

FONTE: WWF BRASIL

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