Organizações ambientalistas pedem veto a projeto de lei que retira proteção a terras indígenas
Um grupo de 21 organizações da sociedade civil integrantes do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) encaminhou ao gabinete do Presidente da República um pedido de veto integral ao projeto de Lei 2903/2023. O pedido argumenta que o referido projeto, ao possibilitar a extinção de terras indígenas já demarcadas, permitir a instalação de obras com significativo impacto ambiental em terras indígenas sem necessidade de consulta prévia às comunidades afetadas, autorizar a entrada de grandes monoculturas nos territórios mais bem conservados do país, dentre outros, “representa uma grave ameaça aos direitos dos povos indígenas no Brasil e ao direito de todos (os brasileiros) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, podendo comprometer a sobrevivência das populações originárias e romper a estabilidade climática da Amazônia”.
A importância ambiental das Terras Indígenas para a estabilidade do clima no país e no mundo é um dos pontos centrais a justificar o pedido. “Elas são as áreas mais preservadas no território nacional, servindo de verdadeiros escudos para o avanço do desmatamento. Atualmente, protegem 24% do que nos resta de floresta na Amazônia e 8% do Cerrado. As TIs são, por essa razão, fundamentais para o equilíbrio climático e para a conservação da biodiversidade”, afirma.
As organizações integrantes do Conama que assinam a carta são: AMAR (Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária), APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo) , Associação Alternativa Terrazul, Associação Amigos do Recicriança, Associação Catarinense de Preservação da Natureza – Acaprena, CEA (Centro de Estudos Ambientais), CliCA (Coalizão Clima, Crianças e Adolescentes), FBOMS (Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), Funatura (Fundação Grupo Esquel Brasil, Fundação Pró Natureza), Fundação Vitória Amazônica, Instituto Alana, Instituto Amigos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Instituto Guaicuy, Kanindé – Associação de defesa etnoambiental, RMA (Rede de ONGs da Mata Atlântica), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SCM (Sociedade Civil Mamirauá ), Toxisphera Associação de Saúde Ambiental, WCS Brasil e WWF-Brasil.
Além de alterar profundamente as regras de proteção a terras indígenas já existentes, o projeto ainda dificulta a demarcação de novas terras ao criar regras fundamentadas na tese do “marco temporal”, que foi recentemente afastada pelo Supremo Tribunal Federal. Além de proibir a demarcação de terras das quais os indígenas tivessem sido expulsos anteriormente a 1988, confrontando a decisão do STF, o projeto ainda cria diversas regras que farão com que os processos se tornem ainda mais demorados, impedindo a retirada dos ocupantes enquanto eles não forem concluídos, o que, destaca o pedido, será lido como um incentivo à invasão desses territórios e funcionará como um combustível à violência no campo.
As organizações finalizam o pedido enfatizando suas responsabilidades como representantes do Conama, ressaltando o compromisso com as gerações futuras. “No papel de Conselheiros do Conama, comprometidos com as políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, entendemos que apenas o veto total ao Projeto de Lei 2903/2023 é capaz de reafirmar os compromissos assumidos junto aos povos indígenas, à sociedade brasileira e aos atores internacionais para garantir um futuro saudável e de respeito aos direitos humanos para todos os brasileiros”.
Somando forças
Também nesta semana, o WWF-Brasil protocolou uma petição direcionada ao Presidente da República com cópia para os ministros Rui Costa, Marina Silva e Sônia Guajajara solicitando o veto integral ao PL 2903/2023. Para a organização, o projeto representa “o mais grave retrocesso na proteção jurídica a territórios indígenas já aprovado pelo Congresso Nacional”.
Assim como no pedido feito pelas organizações do Conama, a petição aponta os diversos retrocessos na proteção a territórios indígenas, como é o caso da regra que permite a instalação de rodovias em terras indígenas – o que viabiliza a entrada de invasores – sem cuidados mínimos, e demonstra como, em seu conjunto, eles levarão não só a um problema humanitário, mas a um aumento significativo do desmatamento no país.
Nos últimos 30 anos, enquanto as terras privadas perderam quase 20% da vegetação nativa original, as terras indígenas perderam apenas 1,2%, ou seja, 17 vezes menos. Atualmente elas protegem ¼ do que restou de florestas preservadas na Amazônia, mas se o projeto for sancionado a situação mudará drasticamente, pois elas passarão a ter regras de proteção ambiental ainda mais fracas que as atualmente existentes para terras privadas. Isso implicará, nos próximos 30 anos, num aumento vertiginoso no desmatamento nesses territórios, calculado, por baixo, em mais de 21 milhões de hectares, uma área maior do que o do Paraná.
O WWF-Brasil afirma, com base em pesquisas científicas, que os efeitos negativos do projeto de lei serão sentidos por todos os brasileiros e brasileiras, não apenas pelas populações indígenas. Segundo o documento, “os territórios indígenas enviam para o restante da América do Sul, gratuitamente, todos os dias, 5.2 bilhões de toneladas de vapor de água, por meio da transpiração dos bilhões de árvores que preservam” e que “é essa umidade que vai formar as chuvas que permitem aos produtores brasileiros colher duas safras ao ano em grande parte do território nacional, tornando o país um campeão agrícola”. Estudo elaborado pela organização indica a existência de mais de 517 mil nascentes no interior das terras indígenas.
O documento salienta que “a aprovação do PL 2903/23 e sua possível entrada em vigor, portanto, vai na contramão dos compromissos nacionais e internacionais assumidos, pois tornará impossível acabar com o desmatamento no país até 2030”, compromisso assumido publicamente pelo Presidente Lula. Para a organização, “o aumento no desmatamento em territórios indígenas, ou mesmo a diminuição na área coberta por esses territórios, como passaria a ser permitido caso entre em vigor o PL 2903/23, vai de encontro ao compromisso assumido pelo Brasil no âmbito do Acordo de Kunming-Montreal, adotado em 2022 na COP 15 da CDB (Convenção de Diversidade Biológica)”, na qual o Brasil, assim como todos os signatários, se comprometeu a proteger pelo menos 30% das áreas terrestres até 2030, além de eliminar a perda de áreas de grande relevância para a biodiversidade, “justamente o caso das terras indígenas”.
O Presidente Lula deverá tomar uma decisão sobre o veto ao PL 2903/23 até o final desta semana.
FONTE: WWF BRASIL