Pantanal tem recorde de incêndios nos primeiros 20 dias de novembro
Com a seca extrema impulsionada pelo forte El Niño de 2023, os incêndios florestais bateram recordes no Pantanal. Nos primeiros 20 dias de novembro, o bioma já teve 3.957 focos de calor, cerca de nove vezes maior que a média para o mês nos últimos 25 anos, que é de 442 focos de calor. Os dados são do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O fogo foi controlado no início desta semana.
Historicamente, os incêndios florestais no Pantanal se concentram entre os meses de agosto e outubro, com um pico em setembro. Porém, neste ano, o mês de novembro teve mais focos de calor do que qualquer outro mês, justamente no momento em que esperávamos uma redução no número de incêndios.
Um aspecto que chama a atenção é que em 2023, até setembro, quando foram registrados 373 focos, o número de incêndios florestais vinha sendo muito menor que as médias históricas em todos os meses. Em outubro, com o início da estiagem extrema, houve um salto para 1.157 focos, um número muito próximo da média histórica para o mês (1.138 focos de calor).
Já em novembro, os incêndios explodiram. Só na última sexta-feira, dia 17 de novembro, foram registrados 782 focos, número mais de três vezes maior que os focos registrados em todo o mês de novembro do ano passado (201 focos). Com mais cerca de 4 mil incêndios, os primeiros 20 dias de novembro já tiveram mais de 2/3 dos 5.031 registrados em 2023 no bioma.
Até agora, o fogo consumiu mais de 1,2 milhão de hectares do bioma em novembro, o triplo do registrado em 2022 inteiro, de acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os três municípios mais atingidos pelo fogo entre 1 e 20 de novembro foram Poconé (MT), Corumbá (MS), e Barão de Melgaço (MT), somando mais de 80% de todos os focos. O fogo avançou pelo Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro (MS), que teve 109 focos de incêndio nas duas primeiras semanas de novembro, e pelo Parque Estadual Encontro das Águas (MT), que teve 90 focos.
Porém, o pesquisador Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, divulgou em redes sociais que os dois maiores incêndios de novembro não tiveram início nas áreas protegidas, mas em áreas privadas. Segundo ele, imagens da NASA mostram que o fogo começou fora dos parques do Pantanal do Rio Negro e Encontro das Águas, nos dias 1 de outubro e 4 de novembro, respectivamente. A informação foi confirmada pelo Comitê do Fogo de MS.
Foram registrados grandes incêndios às margens da rodovia Transpantaneira, a principal via de acesso ao bioma em Mato Grosso, que liga Poconé, a 104 km de Cuiabá, a Porto Jofre, na divisa com Mato Grosso do Sul.
Os incêndios no Pantanal fizeram os governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul decretarem situação de emergência ambiental. O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, foi ao Mato Grosso. Na quarta-feira, 15, acompanhado do governador em exercício, Otaviano Pivetta, ele sobrevoou as áreas atingidas pelos incêndios e esteve em Poconé, uma das áreas mais atingidas.
Queimada de 2020: ação emergencial
Em 2020, uma outra seca extrema agravada pelas mudanças climáticas acentuou os efeitos da pior queimada já registrada na história do Pantanal, com a destruição de quase 30% de toda sua cobertura vegetal. De acordo com um estudo coordenado por Walfrido Tomás, da Embrapa, com participação de várias instituições e apoio do WWF-Brasil, pelo menos 17 milhões de animais vertebrados foram mortos diretamente pelo fogo durante as queimadas de 2020.
De acordo com os cientistas, o fogo provocado pela estiagem faz parte da dinâmica natural do bioma, cujo equilíbrio depende da alternância entre períodos de alagamento e de seca. As espécies que prosperam na temporada úmida têm estratégias que lhes permitem sobreviver à estação seca, recuperando rapidamente o espaço perdido quando cessam as queimadas e voltam as chuvas.
Mas esse ciclo de regeneração natural pode ser comprometido caso queimadas tão intensas quanto as de 2020 ocorram por vários anos consecutivos – um risco bastante real, considerando as mudanças climáticas. Por isso o WWF-Brasil iniciou já em 2020 uma ação emergencial voltada para a formação e estruturação de brigadas comunitárias no Pantanal, de acordo com Osvaldo Barassi Gajardo, especialista em Conservação do WWF-Brasil.
“Naquele contexto, começamos a receber muita demanda das comunidades locais – ribeirinhas, extrativistas e indígenas – preocupadas com a chegada do fogo em suas áreas vizinhas. Eles não estavam preparados para dar uma primeira resposta e havia necessidade urgente de montar brigadas comunitárias”, explicou Gajardo.
Demanda local
De acordo com Gajardo, em articulação com a Ecoa, ONG local que estava envolvida com a formação de brigadas, o WWF-Brasil implementou então uma estratégia de apoio às brigadas comunitárias voltadas para a prevenção e o combate inicial às chamas, a fim de evitar que elas se transformassem em incêndios de grandes proporções.
“Nós treinamos e equipamos inteiramente 20 brigadas comunitárias em diversos pontos do Pantanal. Elas receberam equipamentos de proteção e de combate ao fogo, além de treinamento realizado em parceria com instrutores do PrevFogo-Ibama. Muitas delas seguem ativas e estão dando apoio ao enfrentamento dos incêndios que se agravaram em novembro de 2023”, afirmou Gajardo.
Entretanto, Gajardo afirma que, apesar da presença das brigadas, a atuação delas está sendo limitada pela falta de integração. Um plano de integração das brigadas foi feito em 2022, mas até agora não foi implementado.
“É preciso que os governos estaduais, os órgãos federais, os bombeiros e outros atores comecem a se articular melhor para a implementação desse plano, que permitiria uma resposta mais rápida. E principalmente iria potencializar o papel de prevenção das brigadas – que é essencial, porque as mudanças climáticas são uma realidade”.
Estratégia no Pantanal
De acordo com Cyntia Cavalcante Santos, analista de Conservação do WWF-Brasil, toda atuação da organização no Pantanal tem foco em dar apoio a parceiros locais. “É fundamental dar o protagonismo a quem está no território, a fim de facilitar as ações. Por isso nossa prioridade é aproximar as instituições e organizações locais, privilegiando as demandas de quem está no território”, diz Cyntia, que é facilitadora do Território Pantanal na estratégia do WWF-Brasil.
A organização também participa de fóruns, grupos de trabalho e outras instancias de discussão de legislação e ações específicas, como a do Comite do Fogo de MS, em que o WWF-Brasil é um dos representantes da sociedade civil.
Essa atuação em várias frentes é necessária, explica Cyntia, porque as ameaças ao Pantanal são muitas: além do fogo, há as transições de uso do solo, com desmatamento e conversão da paisagem nativa, a erosão e a sedimentação nas cabeceiras dos rios.
“A degradação é intensa especialmente nas áreas dedicadas à agricultura, já que a pecuária é uma atividade mais tradicional no bioma. Essa degradação extingue muitas nascentes e isso reduz a capacidade hídrica, dificultando a captação e circulação de água”, explica Cyntia.
Segundo ela, na Bacia do Alto Paraguai, a estratégia se divide em seis temáticas principais: respostas emergenciais – que inclui o apoio a brigadas comunitárias de incêndio -, infraestrutura, áreas protegidas, proteção de espécies, restauração e arcabouço legal. Todas elas colaboram mutuamente para combater as diversas ameaças ao Pantanal. “Essas frentes estão inseridas em grandes linhas de atuação, como economia verde, conservação, restauração e sociedade engajada.”
FONTE: WWF BRASIL