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COP28: Seca extrema na Amazônia pode piorar ainda mais em 2024

Enquanto o mundo debate o aquecimento global e o governo Lula tenta reconquistar o papel de liderança ambiental na 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP28 UNFCCC), em curso em Dubai, a população da Amazônia ainda sente na pele os impactos da seca extrema que castigou o bioma neste ano. A estiagem, que normalmente termina no final de outubro, foi tão intensa que o Serviço Geológico do Brasil só confirmou o início do processo de cheia das bacias dos rios Negro, em Manaus, e Solimões, duas das mais importantes da região, no dia 24 de novembro. Para piorar: cientistas alertam que a seca poderá ser ainda mais rigorosa em 2024.

“O El Niño vai alcançar sua máxima magnitude entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024. Portanto, com o atraso do início das chuvas, o tempo para recarga dos rios até a próxima seca deverá ser curto demais para que eles se recuperem inteiramente, o que poderá levar a uma seca ainda mais severa no próximo ano”, diz Jochen Schöngart, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), fez análise semelhante em entrevista à imprensa brasileira. De acordo com ela, a recarga de água nos solos e nos rios não vai ser completa e, como consequência, o bioma não será capaz de reduzir o estresse hídrico.

A estação seca cada vez mais longa também alimenta altas temperaturas, com picos acima dos 40°C por muitos dias, e chuvas abaixo da média, reforça Ben Hur Marimon Jr., pesquisador da Universidade do Estado de Mato Grosso. “Com isso, a disponibilidade de água para as plantas fica muito menor e a floresta começa a sentir. Essa escassez de água tende a rebaixar o lençol freático e os piores efeitos possivelmente aparecerão na próxima estação seca, em 2024”, frisa. 

A principal razão para uma estiagem tão extrema e duradoura é a combinação entre mudanças climáticas – com o aquecimento anormal do Oceano Atlântico Norte – e a ocorrência do fenômeno El Niño, caracterizado pela elevação da temperatura do Oceano Pacífico Equatorial, que está ganhando cada vez mais força. “Esses dois fatores, que têm seus efeitos exacerbados pelo desmatamento e pelas queimadas, contribuem para aumentar as temperaturas, prolongar a estação seca e inibir a formação de nuvens e chuvas em diferentes partes da Amazônia”, afirma Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil. 

“Precisamos zerar essa destruição. A floresta amazônica fornece serviços ambientais essenciais para o desenvolvimento do país. A regularidade do ciclo de chuvas, da qual depende nosso sistema elétrico, o abastecimento de cidades e indústrias e a agropecuária, é apenas um desses serviços. A floresta é também um sumidouro de carbono essencial para o enfrentamento da crise climática”, destaca Mariana. Ou seja: os impactos negativos da destruição do bioma são compartilhados por todo o Brasil e pelo mundo afora.

Situação precária nos arredores do Solimões

As primeiras pessoas que sofrem com a pressão climática, contudo, são aquelas que vivem na Amazônia. “Na minha vida, foi a pior seca que eu já vi. Os peixes morreram e começam a faltar. A situação ficou muito precária”, disse Ozinei da Silva Cordeiro, de 37 anos, durante visita da equipe do WWF-Brasil no final de outubro. “Plantamos mandioca e vendemos na cidade. Mas, no momento, não temos quase nada e não sabemos se vamos poder entregar, porque os igarapés estão secos”. Ozinei mora na aldeia Nova Esperança, na Terra Indígena Barreira da Missão, em Tefé, no estado do Amazonas. Mesmo município onde o aumento da temperatura da água causou a morte de 155 botos das espécies cor-de-rosa e tucuxi desde 23 de setembro.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Amazônia brasileira vivem e trabalham mais de 900 mil pequenos agricultores como Ozinei. Em maior ou menor medida, todos sentiram os impactos da seca extrema, que foram particularmente sérios para as populações ribeirinhas, que ficaram isoladas, com dificuldade de obter serviços essenciais como abastecimento de água, comida, saúde e educação. 

Os principais rios da Amazônia registraram redução de nível sem precedentes. O Solimões, por exemplo, atingiu no dia 17 de outubro a mínima histórica de 3,81 metros em Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus, conforme as medições do Serviço Geológico do Brasil. Diversos pontos ao longo da bacia se transformaram em um cenário desértico. E, apesar da queda de 22,3% do desmatamento no bioma para o período de agosto de 2022 a julho de 2023 na comparação com os 12 meses anteriores, as queimadas bateram recordes em novembro, quando a estação seca já deveria ter acabado.

Mesmo antes de atingir o pico, a população já vinha sentindo o agravamento dos incêndios florestais. “Teve muita queimada aqui perto. Foi pegando fogo em tudo onde era mata virgem. O ar ficou ruim porque a fumaça vinha direto pra cá”, lembra Ozinei. “Teve gente que não conseguia respirar direito e era preciso usar máscara, fazer inalação. As queimadas deste ano foram piores do que as de antes. A gente nunca viu isso”.

Relatos de moradores de diversas partes da Amazônia dão conta de que a plantação de subsistência está sendo particularmente afetada, o que é grave, pois a agricultura é a base do estilo de vida de muitas comunidades da região e a principal atividade das comunidades rurais, responsável por parte considerável da renda. “A maioria vive dos seus produtos e alguns trabalham na escola como professores, vigias e fazendo serviços gerais. Plantamos banana, macaxeira, cheiro verde e alface para complementar a renda e dar de comer às crianças”, diz Maria Vanusa Cândido de Barros, de 39 anos, indígena do povo Kokama e liderança da comunidade Borazinho, também na região de Tefé. 

“Por causa da seca, deixamos de ter essa renda. A gente plantou, mas não conseguiu regar. Ficou difícil conseguir água até para beber. Precisamos buscar na cidade”, lamenta Maria Vanusa, que vive com o marido e quatro filhos. Ela lembra que o rio recuou para longe da aldeia e começou a ser necessário percorrer longas distâncias a pé, sob o sol escaldante, e transpor um barranco alto e íngreme para levar água para a comunidade.

Com a seca, houve também uma abrupta limitação do escoamento da mercadoria e os fretes subiram. Frutas e hortaliças, que antes vinham do outro lado do rio, passaram a chegar de caminhão ou avião de outros estados, aumentando os custos. De acordo com os jornais locais, o valor do frete saltou 200% em alguns casos na Amazônia. 

A redução do nível dos rios prejudicou ainda o acesso à educação em diversas localidades. O pedagogo Elias Rosinaldo Gomes da Silva, de 43 anos, indígena do povo Kambeba que vive na comunidade Borazinho, salienta que os alunos costumam ir à escola a pé ou de canoa, mas o percurso ficou inviável. “A praia que cresceu. Então, vir andando no sol quente ficou muito difícil para os alunos. Tivemos que paralisar a escola”, recorda. “A gente não aguenta o calor. Até mesmo debaixo de árvore ou dentro de casa, a gente sente aquele abalo, a quentura do rio. O próximo ano vai ser mais quente ainda”.

Sufoco na região do Rio Negro

Assim como no Solimões, habitantes de outras bacias hidrográficas da região amazônica também acumularam prejuízos enormes. Uma das experiências mais dramáticas foi nos arredores do Rio Negro, que baixou ao seu menor nível desde que as medições começaram a ser feitas em Manaus, há 121 anos. Era 26 de outubro de 2023, quando a régua marcou impressionantes 12,70 metros de profundidade. Seca histórica.

Naquele dia, as 52 embarcações que atracavam na Marina do Davi, principal terminal fluvial público de passageiros da capital do Amazonas, já estavam inoperantes. “Os problemas por aqui começaram bem antes disso, no meio de setembro”, lembra Cledison Lopes Brasil. “Nossas embarcações, que levam até 50 pessoas e mercadorias, pararam. Tivemos que trazer barcos menores por causa da seca. Só dava para chegar de rabeta com no máximo duas pessoas em algumas comunidades. E, mesmo assim, às vezes a gente passava arrastando”.

Integrante de uma cooperativa de transporte fluvial que atua no Tarumã-Açu, um dos afluentes do Rio Negro, o barqueiro Brasil vive tanto na vida profissional quanto na pessoal os impactos da seca extrema que aflige a Amazônia. “Eu costumava começar a trabalhar 5h30 da manhã e terminar umas 18 horas. Ia e vinha de sete comunidades, algumas que só têm acesso por barco, em um trajeto de 40 minutos. Agora fico a maior parte do tempo parado”, conta. “Quando o nível da água está normal, chego na minha casa em 15 ou 20 minutos. Passei a levar uma hora de barco e mais uma hora caminhando na lama. Ficou muito difícil para todo mundo”. 

Experiências tanto nos arredores do Rio Negro quanto do Solimões ratificam que a seca que castigou a Amazônia não está causando apenas graves prejuízos ambientais, que colocam em sério risco o equilíbrio do bioma amazônico, mas também há perdas significativas para a população e a economia local. Somente no estado do Amazonas, mais de 600 mil pessoas foram afetadas. A pousada na qual Josilma Albuquerque de Souza atua como cozinheira, por exemplo, ficou vazia na alta temporada. Oito quartos que acomodariam até 35 pessoas em Iranduba, às margens do Rio Negro, ficaram às moscas porque a água recuou cerca de 2 quilômetros.

“Com uma vazante como a que aconteceu, não tem como os barcos com turistas chegarem até aqui”, salienta Josilma. “A gente vive como Deus manda. Eu também tive que parar o curso técnico em enfermagem porque não tinha como ir para Manaus. A escola dos meus filhos só funcionava online, mas eles perderam vários dias de aula porque a internet falhou”. Uma das suspeitas é que as placas de energia solar de onde ela mora e trabalha, a comunidade Santa Helena dos Ingleses, tenham deixado de produzir eletricidade por causa das nuvens de fumaça das queimadas que se espalharam pelo Amazonas nos últimos meses.

“Tenho 47 anos. Nasci, cresci e sempre morei aqui. Nunca vi uma seca como esta. E a tendência é piorar”, destaca Nelson Brito de Mendonça, presidente da comunidade, uma das 19 existentes na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. Ele, que foi madeireiro durante 20 anos, defende que é fundamental fomentar as cadeias da sociobiodiversidade no bioma para combater o aquecimento global: “Até a criação da RDS, a gente não tinha outra forma de sobreviver. Só derrubando árvores mesmo. Agora, não. É possível, por exemplo, tirar óleos e sementes da floresta, açaí, bacaba, investir em turismo comunitário, artesanato ou em outras atividades que não degradam o meio ambiente. São coisas que ninguém falava antes. Mas a gente precisa muito de apoio técnico.” 

Nelson lembra que, apesar de contribuírem para a conservação da floresta, os povos da Amazônia estão entre os que sofrem primeiro os impactos da crise climática. “Aqui, onde a gente ia de barco, tem que ir a pé. A escola parou porque ficou sem merenda. Médico também não vinha mais porque não tinha como chegar. Ficou muito difícil”. A única atividade que não foi paralisada na comunidade, pontua, foi o cultivo de mandioca. Mesmo assim apenas para consumo das próprias famílias porque os agricultores não têm como escoar a produção.

“O pessoal diz tanto que o Brasil é referência em meio ambiente, mas ainda é preciso fazer muito. Não adianta só falar, ir às conferências da ONU, se nada for feito na prática”, destaca Nelson. “Tem que ter um esforço dos governos federal, estadual e municipal com as ONGs. Todo mundo tem que trabalhar em conjunto para tentar mudar essa situação. É preciso dar valor e condições de vida para as populações tradicionais da Amazônia, ribeirinhos e indígenas porque somos nós que cuidamos da floresta.” 

O que o WWF-Brasil está fazendo

Em relação à morte de botos, o WWF-Brasil tem agido em parceria com as forças-tarefas lideradas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) em Tefé e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em Coari, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários. Além de suporte no planejamento e mapeamento de áreas sensíveis aos animais utilizando inclusive modelos climáticos.

A organização também está em contato com parceiros locais e mobilizada para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Cerca de 60 toneladas de alimentos estão sendo entregues para mais de 3.900 famílias em comunidades impactadas pelo desabastecimento.

A distribuição de cestas básicas tem se concentrado em quatro pontos: Santarém, no Pará, em parceria com a ONG Sapopema e a organização indígena Fepipa; em 10 municípios onde atuamos em conjunto com a Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas e a associação APADRIT; na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, com a Secretaria do Meio Ambiente do estado do Amazonas; e em Rondônia, em parceria com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e a Organização dos Seringueiros (OSR).

Também estamos expandindo doações de equipamentos para brigadas de combate ao fogo, especialmente em assentamentos e comunidades ribeirinhas e indígenas, devido às queimadas intensas que têm ocorrido na região. Fechamos o apoio a três brigadas, sendo duas na região do Tapajós e uma no Amazonas, e temos a expectativa de dar suporte a outras sete até março.

FONTE: WWF BRASIL

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