Segunda fase de programa certifica 92 educadores de escolas rurais do Cerrado
“Essa experiência não apenas enriqueceu minha jornada como educadora, mas também representa uma oportunidade para incentivar a permanência dos jovens no campo e fortalecer a agricultura familiar em nossas comunidades do Cerrado”, compartilha a jovem quilombola Josewania Coelho Ferreira, assessora técnica da Casa Familiar Rural do município de São João do Sotter, no Maranhão. Ela está entre os 92 educadores certificados na segunda fase do Programa de Capacitação em Gestão do Cerrado (CapGestão Cerrado), na formação que ocorreu em 2023.
O objetivo principal do CapGestão foi oferecer formação aos professores das Escolas Familiares Agrícolas (EFAs) e Casas Familiares Rurais (CFRs), visando aprimorar as capacidades e multiplicar conhecimentos locais sobre a importância da sociobiodiversidade do Cerrado. Ao todo, o programa alcançou professores de 56 municípios de sete estados (Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Piauí e Tocantins), sendo mais de 40% pertencentes a povos e comunidades tradicionais.
As Casas Familiares Rurais oferecem educação adaptada à vida rural, misturando teoria e prática. O objetivo é que os alunos aprendam na escola algo que estimule e traga sentido ao trabalharem em suas propriedades – isso é denominado “tempo escola e comunidade”. Essa proposta que olha para os desafios do campo e promove o desenvolvimento sustentável é chamada de pedagogia de alternância e, para a professora Olga Oliveira, da Casa Familiar Rural do município Zé Doca, no Maranhão, o CapGestão fortalece ainda mais esse vínculo entre campo e escola que promove diretamente a preservação dos biomas.
“Aqui, no Maranhão, enfrentamos um embate entre a monocultura em expansão e a resistência da agricultura familiar. Muitos jovens, provenientes da agricultura familiar, chegam até nós com uma visão distante devido ao apelo das monoculturas. A função da escola é orientá-los a olhar para a comunidade em que estão inseridos e compreender a importância da diversidade agrícola e da sustentabilidade, o CapGestão fortalece exatamente isso”, destaca.
A Casa Familiar Rural de Zé Doca, ligada ao Instituto de Representação, Coordenação e Assessoria das Associações das Casas Familiares Rurais no Maranhão (IRCOA), fica bem na transição entre Cerrado e Amazônia e está entre as 61 escolas que participaram do Programa. “O CapGestão veio também para valorizar a educação do campo, para formar esses profissionais e ter uma educação melhor no campo, que também é dever do Estado garantir”, complementa a professora Olga.
A adesão à segunda fase do programa foi alta. Cerca de 80% dos professores inscritos concluíram o curso e um dos resultados mais expressivos foi a criação de 288 planos de ensino baseados nos conhecimentos adquiridos durante o CapGestão. Esses planos representam um compromisso das escolas rurais em incluir o Cerrado em seus conteúdos curriculares, contribuindo assim para a disseminação do conhecimento e práticas sustentáveis.
Para Marleide Alves, coordenadora-geral da União das Associações das Escolas Famílias Agrícolas do Maranhão, o curso possibilitou mais do que um ensino especializado, provocou uma ação engajada para os desafios que a preservação do Cerrado impõe. “O programa conseguiu sensibilizar nossa juventude e mulheres do campo para que elas de fato assumam o seu protagonismo na agricultura, e aí, reconhecer que a sociobiodiversidade do Cerrado tem potencial de desenvolvimento”, salienta.
Um zoom no Cerrado
Em análise feita pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) sobre a inclusão do tema Cerrado dentro dos currículos pedagógicos que abrangem o bioma, foi comprovado que o Cerrado não é só marginalizado, mas ausente na maioria das salas de aula.
Dentre 23 planos político-pedagógicos examinados pelo ISPN, apenas 25% citam o bioma, o que distancia completamente os jovens de temas importantes para a manutenção de seus territórios. Em contrapartida, o mesmo estudo também mostrou que a oportunidade de inserção desses conteúdos é alta, pois 62,5% das escolas disseram que a sociobiodiversidade do Cerrado deveria ser incluída de forma transversal a diversas disciplinas.
“Desse modo, a criação dos planos de ensino dentro do programa CapGestão pode ser um ponto de partida e referência para que mais escolas incluam o Cerrado no seu currículo, possibilitando a minimização dessa ausência curricular”, enfatiza Isabel Figueiredo, coordenadora do programa Cerrado e Caatinga do ISPN.
Durante os oito meses do programa, os professores foram imersos em sete cursos temáticos cuidadosamente elaborados em plataforma de educação a distância, cada um com uma média de 29 horas de duração. O método de aprendizado adotado foi dinâmico, combinando atividades na plataforma, onde os alunos podiam interagir e absorver conteúdo de forma flexível, e reuniões ao vivo e online, que proporcionavam momentos de troca direta com especialistas no assunto. O curso abrangeu temas que envolviam formação, produção agroecológica, regularização ambiental e desenvolvimento de plano de negócios.
A certificação dos cursos foi realizada através do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) da Universidade de Brasília, que reconheceu os participantes como concluintes desses minicursos de extensão. Essa certificação, concedida pelo Centro de Gestão e Inovação em Agricultura Familiar (Cegafi/UnB), não apenas valida o conhecimento adquirido, mas também abre portas para futuras oportunidades de educação e desenvolvimento profissional na área das cadeias da sociobiodiversidade.
É esperado que esses resultados perdurem e sejam ampliados ao longo do tempo, promovendo assim um ciclo contínuo de capacitação diretamente na base. “Com essa qualificação, os professores poderão introduzir esses conteúdos em sala de aula, contribuindo para uma educação mais abrangente e atualizada sobre seus territórios. Além de fortalecer as cadeias da sociobiodiversidade”, complementa Kolbe Soares, especialista de Conservação do WWF-Brasil.
O programa demonstra, assim, o potencial transformador da educação na construção de um futuro mais sustentável para as comunidades rurais do Cerrado. O CapGestão é promovido pelo projeto Cerrado Resiliente (Ceres), que visa fortalecer as cadeias da sociobiodiversidade do Cerrado. Essa segunda edição do curso foi coordenada pelo WWF-Brasil, ISPN e a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB), em parceria com outras instituições, como a Associação das Escolas Familiares Agrícolas de Minas Gerais (AMEFA) e do Maranhão (UAEFAMA) e a Universidade de Brasília (UnB).
Essa ação faz parte também do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, desenvolvido na Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), com recursos do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.
CapGestão desde a raiz
O CapGestão nasceu em 2017, com o objetivo principal de capacitar para gestão adequada à realidade produtiva da agricultura familiar povos indígenas e comunidades tradicionais na região Amazônica e, somente em 2021, o programa chegou ao Cerrado. A perspectiva formativa é a mesma, mas ampliou-se os públicos. Essa edição foi a primeira destinada a educadores e ao todo 420 pessoas que já participaram do programa desde sua origem.
FONTE: WWF BRASIL