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Briga de Beth Carvalho e Elis Regina por ‘Folhas secas’ ganha nova versão em livro sobre cantoras de samba

Por vezes infundadas, as rivalidades entre cantoras alimentam a cultura machista ainda em vigor na sociedade patriarcal do Brasil, ávida por ver mulheres bem-sucedidas expostas em ringues públicos em brigas não raro meramente especuladas ou mesmo inventadas.

Contudo, houve caso real de desentendimento na música brasileira entre duas grandes cantoras já falecidas – querela surgida nos bastidores da indústria fonográfica em 1973 e nunca resolvida, mas que ganha nova versão no recém-lançado livro Canto de rainhas – O poder das mulheres que escreveram a história do samba, escrito pelo jornalista e roteirista Leonardo Bruno.

Trata-se da briga de Beth Carvalho (5 de maio de 1946 – 30 de abril de 2019) com Elis Regina (17 de março de 1945 – 19 de janeiro de 1982). A partir de 1973, Beth nunca mais falou com Elis – e nem a morte precoce da cantora gaúcha, aos breves 36 anos, dissolveu a mágoa da artista carioca.

O motivo da discórdia foi a disputa pela primazia de apresentar ao Brasil o samba Folhas secas (1973), uma das obras-primas da parceria do compositor Nelson Cavaquinho (1911 – 1986) com Guilherme de Brito (1922 – 2006).

Samba que faz exaltação da agremiação carnavalesca carioca Estação Primeira de Mangueira, Folhas secas foi dado pelo próprio Nelson Cavaquinho para Beth gravá-lo no LP Canto por um novo dia, primeiro álbum em que a cantora se apresentou como sambista, gênero que abraçara no alvorecer da década de 1970 após incursões pela bossa nova e pela era dos festivais.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

A prova inconteste do aval de Cavaquinho à gravação de Beth é que ele tocou violão no registro de Folhas secas feito pela cantora carioca para o disco que marcou a estreia da sambista na gravadora Tapecar.

A contenda começou quando Beth soube que, enquanto gravava o álbum Canto por um novo diaFolhas secas tinha ido parar nos ouvidos e depois na voz de Elis Regina em gravação que acabou sendo apresentada simultaneamente pela Pimentinha no LP Elis, álbum cool lançado pela cantora naquele ano de 1973.

A ponte involuntária entre as duas cantoras teria sido construída pelo pianista César Camargo Mariano, convidado por Beth para fazer a direção musical e os arranjos do álbum Canto por um novo dia.

Através de Mariano, que na época se relacionava musical e afetivamente com Elis, a cantora teria conhecido Folhas secas quando o pianista criava o arranjo da gravação de Beth e, encantada com o samba, teria decidido gravá-lo à revelia da colega, mesmo sabendo que Nelson Cavaquinho tinha dado a composição para Beth. Essa era até então a versão mais corrente, sustentada em livros por escritores e historiadores musicais como Sergio Cabral.

Outra versão diz que Elis teria ao menos procurado Nelson para pedir autorização para gravar Folhas secas – hipótese menos provável, até porque as questões legais eram resolvidas pelo departamento jurídico da Philips, gravadora que editou o LP em que Elis canta Folhas secas em tom cool, com formação de samba-jazz.

A versão de Beth Carvalho – reproduzida pelo jornalista Leonardo Bruno na página 116 do livro Canto de rainhas – é de que, assim que soube que Elis teria gravado Folhas secas, procurou César Camargo Mariano, que teria negado e, em sondagens posteriores de Beth, teria sido evasivo.

Contudo, a grande revelação do caso trazida pelo livro de Leonardo Bruno, exposta na página 117 de Canto de rainhas, é que Roberto Menescal – diretor artístico da gravadora Philips – assume a responsabilidade pelo imbróglio, o que absolve Elis da acusação de falta de ética e ao mesmo tempo tira a responsabilidade de César Camargo Mariano pela apropriação por Elis do samba que havia sido dado a Beth. Mariano, cabe lembrar, assina os arranjos das duas gravações.

Em depoimento ao autor do livro, Menescal defende que foi ele quem, de caso pensado, levou Folhas secas para Elis, fazendo com Beth Carvalho o que Menescal caracteriza preconceituosamente como “baianada”.

Capa do livro 'Canto de rainhas', de Leonardo Bruno — Foto: Divulgação / Editora Agir

Capa do livro ‘Canto de rainhas’, de Leonardo Bruno — Foto: Divulgação / Editora Agir

♪ Eis o depoimento de Roberto Menescal reproduzido por Leonardo Bruno no livro Canto de rainhas – O poder das mulheres que escreveram a história do samba :

“Eu fiz uma ‘baianada’ com a Beth. César era casado com Elis e estava produzindo o LP da Beth Carvalho. Ele fez um arranjo da música Folhas secas e me mostrou. Eu disse: ‘eu vou gravar essa música’. O César falou: ‘Não, Menescal, eu não posso fazer isso com a Beth’. Respondi: ‘Fala que fui eu que peguei a música’. Fizemos um arranjo para Elis e estouramos. Beth nunca me falou nada, mas deve ter ficado mordida. César ficou mal com a situação. Elis não sabia de nada. Depois, eu mandei um recado para Beth Carvalho: ‘Beth, me desculpa, mas pelo meu artista eu faço qualquer coisa”.

♪ Embora fosse improvável que Elis não soubesse de nada, dada a proximidade da cantora com Mariano, a versão de Roberto Menescal é favorecida pelo fato de a gravadora Philips ter corrido para enviar para as rádios o registro de Folhas secas com Elis assim que soube que Beth pedira à gravadora Tapecar que editasse às pressas um single com a gravação do samba.

Samba lapidar que também ganhou naquele ano de 1973 a voz fanhosa do autor, Nelson Cavaquinho, em álbum editado por uma terceira gravadora, a Odeon.

Primazias à parte, como Leonardo Bruno ressalta no livro, a gravação que mais ficou para a posteridade e no coração do público é a de Beth Carvalho, rainha e nome sagrado do samba.

FONTE: G1(VIA MAURO FERREIRA)

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