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Voz de Elza Soares e violão de João de Aquino se harmonizam na liberdade de álbum inédito gravado nos anos 1990

Resenha de álbum

Título: Elza Soares & João de Aquino

Artistas: Elza Soares & João de Aquino

Edição: Deck

Cotação: * * * * *

♪ Um dos grandes álbuns deste ano de 2021 foi gravado na segunda metade da década de 1990 em data e ano imprecisos, em única sessão no estúdio carioca Haras.

Coube ao técnico de som Nilo Sérgio captar – neste já extinto estúdio situado na Lapa, boêmio bairro do centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – o potente encontro da voz de Elza Soares com o violão de João de Aquino. Ambos no auge do vigor.

O álbum Elza Soares & João de Aquino chega ao mundo digital nesta sexta-feira, 10 de dezembro, em edição da Deck, gravadora pôs no mercado fonográfico os dois últimos álbuns da cantora de atuais 91 anos, Deus é mulher (2018) e Planeta fome (2019).

Produtor musical do álbum Negra Elza, Elza negra (1980), lançado pela artista em fase de menor visibilidade, Aquino já dividiu o palco com a cantora em shows como Cantar ainda é remédio bom (1996) e Arrepios (2009). Foi presumivelmente em 1996, ano do primeiro show do duo, que cantora e violinista entraram no estúdio carioca para gravar 13 músicas para álbum que vê a luz do mundo após 25 anos.

Em agosto, a cantora já havia lançado single com a luminosa gravação de Drão (Gilberto Gil, 1982) com Aquino – à qual foram acrescentados outros instrumentos. No álbum Elza Soares & João de AquinoDrão aparece no registro original de voz e violão, abrindo disco que evidencia a manemolência do violão de Aquino em sintonia com a elasticidade da voz de Elza. E que inclui outra música de Gilberto Gil, Super-homem, a canção (1979), no repertório de alto nível.

O disco é irretocável. Em Canário da terra (João de Aquino e Aldir Blanc, 1996), samba já gravado pela cantora como convidada de álbum do violonista, Bordões (1996), o violão de Aquino cai no suingue com a liberdade de improviso.

É a mesma liberdade desfrutada por Elza quando, ao cair no balanço do samba Devagar com a louça (Haroldo Barbosa e Luís Reis, 1962), a cantora improvisa os scats “Elza za za, Elza za, Elza za, eu sou Elza / Sou Elza za za, eu sou Elza za za / Eu sou Elza / Sou Elza, sou Elza za za za za” sobre a melodia de Moonlight serenade (Glenn Miller e Mitchell Paris, 1939), usando a voz rouca como afiado e afinado instrumento, com a técnica intuitiva que assombrou o Brasil a partir de dezembro de 1959.

Essa voz sempre teve pleno entendimento do que canta, como fica provado pela enésima vez na interpretação do samba-canção Antonico (Ismael Silva, 1950), gravação em que, além do violão, João de Aquino toca percussão – assim como faz em Que maravilha (Jorge Ben Jor e Toquinho, 1969), no já mencionado samba Canário da terra e em outro samba que fecha o disco, Cartão de visita (Edgardo Luis e Nilton Pereira de Castro, 1959), gravado por Elza Soares no primeiro álbum, Se acaso você chegasse (1960), um ano após o registro original da cantora Doris Monteiro.

Elza Soares & João de Aquino é disco de emoções concentradas, destiladas sem os excessos do melodrama ao qual a cantora poderia até se permitir. Afinal, muitas músicas do repertório se afinam com a batalha dessa cantora dura na queda através da vida longeva.

Elza Soares tem autoridade para citar versos de Ave Maria no morro (Herivelto Martins, 1942) no fecho lacrimoso de O meu guri (Chico Buarque, 1978), para lamentar a doída rota cotidiana do Mambo da Cantareira (Barbosa da Silva e Eloide Warthon, 1960) – música inédita da voz da cantora – e para cantar as marcas do tempo eterno de Hoje (Taiguara, 1969), canção do compositor guerrilheiro Taiguara (1945 – 1996).

Com a força existencial de quem já desceu muito morro com lata d’água na cabeça e/ou com trouxas de roupa para lavar e/ou entregar das sinhás do asfalto, Elza Soares tem autoridade para fazer Lamento da lavadeira (Monsueto, Nilo Chagas e João Violão, 1956) na introdução e no fecho de Juventude transviada (Luiz Melodia, 1975) com naturalidade.

Contudo, o disco Elza Soares & João de Aquino extrapola a valentia da personalidade de Elza Soares, se escorando na sintonia perfeita da voz da cantora com o violão do instrumentista virtuoso. É um disco de duo!

O bordado da voz com o violão faz a valsa Eu sonhei que tu estavas tão linda (Lamartine Babo e Francisco Matoso, 1941) evoluir lindamente por salão onírico, culminando com citação do verso inicial de Fascinação (Fermo Dante Marchetti e Maurice de Féraudy, 1905, em versão em português de Armando Louzada, 1943).

A citação de Zazueira (Jorge Ben Jor, 1967) no giro da já mencionada canção Que maravilha (Jorge Ben Jor e Toquinho, 1969) reforça o caráter livre do canto sagaz de Elza Soares.

Tudo passa, tudo sempre passará, como a própria Elza canta ao dar voz ao bolero havaiano Como uma onda (Zen surfismo) (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982), mas esse disco contraria a sentença ao expor a eternidade da arte livre de Elza Soares e João de Aquino.

FONTE: G1 (POR MAURO FERREIRA)

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