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Indígenas se retiram de conciliação forçada no STF e afirmam: “Direitos São Inegociáveis”

Desde o início, a conciliação foi marcada por um ambiente de tensão e desconfiança. A APIB destacou em sua carta-manifesto que a criação dessa mesa de conciliação foi uma surpresa, já que a entidade havia proposto uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7582) em dezembro de 2023, esperando a suspensão imediata da Lei 14.701, especialmente nos artigos que contradizem decisões anteriores do próprio STF. A continuidade da lei em vigor, mesmo com inconstitucionalidades reconhecidas pela Corte, acirrou conflitos no campo e colocou os povos indígenas em maior desigualdade de forças na comissão de conciliação. 

A comunidade internacional também tem acompanhado com preocupação o desenrolar desses eventos. Cinco órgãos de tratados da ONU já recomendaram que o Estado brasileiro rejeitasse a tese do Marco Temporal e continuasse o processo de demarcação dos territórios tradicionais dos povos indígenas. No entanto, a manutenção da lei e a subsequente proposta de conciliação levantaram questionamentos sobre o comprometimento do Brasil com os direitos humanos e a preservação dos direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção nº 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. 

Um dos pontos mais críticos levantados pela APIB foi a falta de delimitação do escopo e regras da conciliação. A carta afirma que “não havia nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas”. Essa ambiguidade, associada à ausência de garantias de proteção contra retrocessos, levou a APIB a questionar a legitimidade da mesa de conciliação. A entidade ressaltou que as terras indígenas são inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis, conforme estabelecido pela Constituição de 1988, tornando inadmissível qualquer negociação sobre esses direitos fundamentais. 

Além disso, a proposta de que, na ausência de consenso, as decisões seriam tomadas por maioria, foi vista como um grave equívoco. Isso transformaria a conciliação em uma assembleia sem a devida legitimidade para decidir sobre direitos fundamentais, especialmente quando a minoria em questão são os povos indígenas, que historicamente enfrentam violência e marginalização. A APIB ressaltou que “a tutela dos direitos fundamentais das minorias é função do Supremo, da qual ele não pode abdicar.” 

A participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) como possível representante dos indígenas na conciliação foi outra fonte de indignação. A APIB lembrou que a Constituição de 1988, em seu artigo 232, aboliu a política de tutela, e qualquer tentativa de retomar essa prática é uma violação direta dos direitos dos povos indígenas à autodeterminação. A inclusão da FUNAI como substituta da APIB na mesa de conciliação foi considerada uma afronta à legitimidade e representatividade da organização. 

Ao decidir pela saída da conciliação, Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da APIB, reforçou que “qualquer medida conciliatória desta comissão, sem a participação dos povos indígenas, será ilegítima!”. Ele destacou que, apesar das repetidas tentativas de diálogo por parte da APIB, as condições de participação na comissão não foram equitativas, o que comprometeu seriamente o processo. 

Outro ponto de tensão foi a ameaça de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que consolidaria o marco temporal no texto constitucional, apresentada como uma forma de pressão durante a conciliação. A APIB denunciou que essa ameaça viciou o ambiente de liberdade necessário para uma verdadeira conciliação.  

A carta-manifesto lida por Mariazinha Baré concluiu com uma forte declaração: “Ainda estamos vivos e não desistiremos de nossas terras, do usufruto exclusivo das riquezas dos rios, lagos e solos, do direito de não sermos removidos de nossos territórios e do direito de termos nossos modelos próprios de desenvolvimento. Não permitiremos mais que o projeto dos neocolonizadores nos atravesse e nos arrase.” 

O Brasil pega fogo, e as queimadas que devastam o país expõem a crise ambiental que atinge diretamente os territórios indígenas e comunidades tradicionais. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 80% da biodiversidade mundial encontra-se em terras indígenas e comunidades locais. A destruição dessas áreas, impulsionada por interesses que desconsideram a preservação ambiental, não é apenas um desastre ecológico, mas também uma ameaça direta aos direitos humanos e à sobrevivência das comunidades indígenas, que protegem esses ecossistemas com suas práticas ancestrais. E todos nós dependemos desses ecossistemas para sobreviver. Ignorar essa realidade é comprometer o futuro de todos, e qualquer tentativa de conciliação que desconsidere esses fatos é um grave retrocesso. 

Os povos indígenas, que ocupam apenas 5% das terras do planeta, desempenham um papel crucial na preservação da biodiversidade global. Sua atuação é fundamental para a conservação das florestas, biomas e recursos naturais, que são essenciais para enfrentar a emergência climática e promover o desenvolvimento sustentável. É inadmissível que esses povos, que tanto contribuem para a preservação ambiental, sejam submetidos a um processo de conciliação marcado por pressões, chantagens e preconceito.  

Diante desse cenário, a retirada da APIB da mesa de conciliação foi acompanhada por protestos dentro do plenário da Segunda Turma do STF, com gritos de “marco temporal não!”. A entidade reiterou que não há ambiente para prosseguir na conciliação e que se reserva o direito de tratar sobre os direitos indígenas diretamente com o Supremo Tribunal Federal, confiando que a Corte não fugirá de sua missão constitucional. 

O WWF-Brasil expressa sua solidariedade com os povos indígenas e reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos territoriais e ambientais dos povos originários. Qualquer processo de conciliação deve ser conduzido com total respeito, transparência e equidade, garantindo direitos fundamentais constitucionais. 

FONTE: WWF BRASIL

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