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O matuto de Guarda-Mor

Guarda-Mor é uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, lugar onde se conhece toda a família do vizinho. No finalzinho de tarde, pessoas aposentadas ou não se juntam no barzinho da esquina e, entre uma pinguinha, uma cerveja, ou um copo d’água, começam a contar histórias. Foi ali, num dia desses em que visitava meu tio, que ouvi uma das histórias do finado seu Zé, morador antigo da região. Zé era neto de um homem rico, família tradicional, quase dono de Guarda-Mor e de Paracatu, cidade vizinha. Zé era gente importante, esperto. Um dia, porém, quis fazer um negócio com o Besterim, um simplório, meio abestado, conhecido pelas ruas de Guarda-Mor.

Zé tinha ido para o bar no fim de tarde para prosear com seus amigos. Lá chegando, tirou um revólver da cinta e começou a manusear a arma com o intuito de vendê-la. Enquanto exibia a arma, chegou o Besterim, de cuja boca, como diziam, só saíam besteiras. Vendo o simplório chegar à porta, seu Zé, esperto, gritou lá da mesa do bar:

— Ó, Besterim, cê num qué comprá essi revórvi? — e colocou a arma sobre a mesa para atiçar o gosto do homem. Besterim, espantado diante da proposta inesperada, respondeu:

— Ó, seu Zé! Ó, seu Zé! Eu não tenho dinheiro não. Num tenho cundição de comprá essi revórvi não.

— O prazo, é ocê que faiz o prazo, sô!

E botou o revólver na mão de Besterim.

— Uai! Se sô eu que faço o prazo, vô levá esse revórvi intão!

Ele catou o revólver e levou. Aí se passaram dois meses, depois três meses e nada dele pagar. Até que, um belo dia, eles se encontram na porta do bar. Zé deu uma espetadinha no matuto:

— Ó, Besterim, ocê num acha que nóis num tá com uma continha meio vencida não?!

— Ó, Seu Zé! Ó, seu Zé! Tem nada vencido não! Tem nada vencido não! Cê num marcou o prazo, sô!?

— Então vô ti dá mais treis meis. Tá bom pro cê?

— Agora sim, ocê marcou o prazo!

Aí passa o tempo, passa e nada de Besterim pagar o Zé. A história era contada aqui e ali em Guarda-Mor, até que um dia ele resolveu pagar. E pagou.

Agora que o revólver era mesmo de fato e de direito dele, começou a andar com a arma na cintura. Um belo dia, Besterim, com seu revólver, foi para um ponto de ônibus da cidade, ponto de encontro de gente aposentada que vinha para conversar e ver ônibus chegar e partir. O povo, como sempre fazia, começou a fazer muita chacota com ele. Muito nervoso, tirou a arma da cintura e deu uns tiros para cima: POU! POU!

Um outro aposentado, sentado em sua varanda de frente ao ponto de ônibus, viu todo o alvoroço e chamou a polícia. No que a polícia foi chamada, Besterim correu para sua casa.

Chegando esbaforido em casa, muito nervoso, começou a procurar um lugar para esconder o revólver. Olhou para a gaveta, para a cama, mas pensou em esconder a arma debaixo do sofá. Depois de alguns minutos, percebeu que o lugar era óbvio demais, então, lembrou-se do filtro de barro, de marca São Jorge, na cozinha e jogou sua arma lá dentro. Um pouco mais calmo por ter conseguido esconder o revólver, sentou-se na cadeira no alpendre. Quando deu fé, a polícia já estava chegando:

— Besterim, ouvimos falar que ocê que tava dando tiro por aí?

— Eu não tava dando tiro não! Cumé que vô dá tiro si nem revórvi eu tenho!!

— Então, nós podemos dar uma busca aí na sua casa?!

Besterim acenou com a cabeça, e disse:

— Pode procurá aí tudim, procura o tanto que oceis quisé.

Os policiais começaram, então, a revirar os trens. Olharam dentro da geladeira, debaixo do sofá, da cama, dentro do guarda-roupa, atrás do fogão e nada de achar revólver.

Os policiais estavam indo embora, já perto da viatura, quando um deles voltou e pediu:

— Ocê não poderia me dar um copo de água, não?!

Besterim gelou, mas não podia negar.

— Óia o firtro aí. Pode bebê tudo quanto ocê quisé!

O policial pegou o copo. Besterim sentiu um friozinho na barriga.

O policial encheu um copo, dois, tomou da água e ficou um tempo em silêncio olhando para o copo e estalando a língua. Em seguida, disse:

— Obrigado pela água, e desculpa qualquer coisa!

Besterim sentiu um alívio imediato! Dias depois, no ponto de ônibus e no bar, dizia com seu jeito simplório:

— Essa polícia di Guarda-mó é tão boba, sô, que num sabi nem investigá. Foi im casa, bebeu du canu du meu revórvi e num achô o revórvi, uai!

ARTE: Yago Rodrigues Magno, 7 anos, Morumbi – Uberlândia

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