COP29: acordo financeiro fraco é um revés para a ação climática
Insuficiente para mitigação, o valor anunciado também desconsidera os esforços urgentes e necessários para adaptação e para perdas e danos, o que afeta de forma negativa e desproporcional países menos desenvolvidos
O resultado da COP29 corre o risco de atrasar a ação climática precisamente no momento em que sua aceleração é mais crítica e necessária. Após duas semanas de negociações tensas e polarizadas, os países concordaram com um acordo de financiamento climático que não chega nem perto de atender as necessidades de financiamento dos países em desenvolvimento. Insuficiente para as ações de mitigação, o valor anunciado também desconsidera os esforços urgentes e necessários para adaptação e para perdas e danos, o que afeta de forma negativa e desproporcional países menos desenvolvidos (LDCs) e ilhas (SIDS), que menos contribuíram para a emissão dos gases de efeito estufa. Além disso, esta COP não conseguiu enviar um sinal suficientemente forte sobre a necessidade de reduzir rapidamente as emissões e eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.
Mais que uma quantia insuficiente para o enfrentamento da emergência climática – e dúvidas sobre a consistência desses recursos – a COP29 deixa como legado a necessidade urgente de fortalecer o multilateralismo. A confiança é a matéria prima da política internacional e fator crucial para se alcançar resultados positivos.
Embora os negociadores azeris nunca tenham se destacado em conferências anteriores, a concentração das decisões na presidência e a subtração de trechos resultantes de conquistas anteriores – como a menção aos combustíveis fósseis – abriram espaço para que as divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento escalassem a níveis não vistos pelo menos desde a COP15 em Copenhagen.
Nesse cenário desafiador e de pouco consenso, o Brasil terá um papel determinante em 2025, pressionando por um financiamento climático novo, adicional após o resultado insatisfatório da COP 29. A criação de uma Rota Baku – Belém para preencher o hiato entre o montante estabelecido na COP 29 e o que é demandado pelas nações menos desenvolvidas deixa aberta uma porta para a continuidade das negociações sobre financiamento, porém pode sobrecarregar o processo da próxima conferência, que já tem diante de si o desafio de elevar a ambição climática das partes. Em 2025, a presidência brasileira da COP30 precisará de amplo apoio dos demais países para alcançar o sucesso de ambas as metas.
Essa é uma tarefa principalmente para os negociadores dos países desenvolvidos, que precisam repensar seus posicionamentos sobre clima, pois não faz sentido defender a ação climática no discurso e, na prática, inviabilizar o avanço ao esvaziar o financiamento. A COP30, portanto, é a chance que os países desenvolvidos têm de mostrar seu real comprometimento com o enfrentamento da crise climática. Em 2025, o multilateralismo deverá mostrar sua força de resistência, focando nos marcos de implementação do Acordo de Paris, apresentando resultados efetivos para a mudança de trajetória de destruição do planeta.
Nesse cenário, a UNFCCC deve garantir a estrutura para acordos internacionais robustos, além de trabalhar para que as vozes das nações mais vulneráveis sejam ouvidas. Da mesma forma, a sociedade civil global desempenha um papel fundamental ao defender a justiça climática e pressionando por compromissos políticos mais ambiciosos. O multilateralismo é, por si só, um processo em continua evolução e a maneira mais eficaz de lidar com as crises interconectadas que enfrentamos.
Como terceira conferência consecutiva em um grande produtor de petróleo, a COP29 destacou-se negativamente também pela maciça presença de lobistas das indústrias fósseis – chegando a superar o número de negociadores. Responsáveis por dois terços das emissões globais dos gases que estão aquecendo o planeta e alterando o clima, as indústrias fósseis não podem mais ser admitidas nas conferências climáticas dado o evidente conflito de interesses. Esse é um ponto especialmente importante para a próxima COP, a ser realizada no Brasil, onde a exploração de petróleo já é objeto de disputa.
Apesar de uma presidência de COP fraca e autoritária, é preciso reconhecer que em Baku tivemos avanços na consolidação do Artigo 6º, com a operacionalização de um sistema internacional de comércio de emissões para possibilitar a cooperação entre os países para a implementação de suas NDCs (sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas), fechando o livro de regras do Acordo de Paris e possibilitando, finalmente, sua implementação.
“Como presidente da próxima Conferência do Clima, é fundamental que o Brasil se coloque como protagonista da viabilidade do 1.5º C, cobrando o aumento de ambição dos demais países em todas as áreas de negociação, e dando o exemplo, em especial no que se refere a metas que abarquem a economia como um todo enquanto aos objetivos de eliminação dos combustíveis fósseis e de eliminar o desmatamento e a degradação de vegetação nativa”, afirma Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.
A COP30 também deve ser decisiva em temas relevantes, como a Meta Global de Adaptação, com indicadores que deem diretrizes aos países para agirem para se adaptar à crise climática e ter meios de acompanhar a implementação.
A manutenção do multilateralismo segue essencial para enfrentar os complexos desafios do presente. Como país sede tanto do BRICS+ e da COP30, em 2025, o Brasil tem uma oportunidade única de liderar a promoção da cooperação internacional e de uma estrutura de governança global mais inclusiva e equitativa. Para evitar um desfecho vergonhoso como em Baku, as negociações em 2025 dependerão de um esforço coletivo para a construção de consensos que definam os caminhos para enfrentar os desafios do século 21 e a urgência da crise climática. O Brasil já mostrou que sabe fazer isso – dado os resultados do G20, quando alcançou um acordo entre representantes dos mais diversos espectros políticos, e emitiu uma sinalização de esperança de que Belém poderá ser um marco, como alcançamos há mais de 30 anos na ECO 92.
Mais que uma quantia insuficiente para o enfrentamento da emergência climática – e dúvidas sobre a consistência desses recursos – a COP29 deixa como legado a necessidade urgente de fortalecer o multilateralismo.
FONTE: WWF BRASIL