No mundo da desinformação, Brasil já está em estado de sítio, com greve de caminhoneiros e intervenção militar
Neste A Semana em Fakes, Edgard Matsuki, editor do Boatos.org, relembra como as fakes news criaram uma realidade paralela do Brasil após as manifestações de 7 de setembro.
Quem acompanhou a cronologia das checagens de fakes news antes das manifestações de 7 de setembro já tinha ideia de que todos os eventos grandiosos previstos nos atos a favor do presidente Jair Bolsonaro não iriam se concretizar.
Nós, do Boatos.org, fomos desafiados (principalmente por bolsonaristas) quando falamos que as manifestações não atingiriam milhões de pessoas em Brasília, que não haveria uma greve de caminhoneiros que iria parar o Brasil, que não haveria intervenção militar, fechamento do Congresso, prisão de ministros do STF e um golpe com Bolsonaro no poder. Por isso, chegou a hora de fazer um balanço entre expectativa e realidade.
Antes dos atos de 7 de setembro, mensagens e áudios que viralizaram por redes sociais (com toda certeza, com o auxílio de impulsionamentos automatizados) davam conta que o “povo” iria para às ruas apoiar pautas antidemocráticas. Um áudio falava em 3 milhões de pessoas em Brasília. Na prática, Brasília teve 105 mil pessoas nos atos. Um número considerável, mas muito abaixo do alardeado.
Outra “previsão do zap” que não se consolidou é a que apontava que uma “greve de caminhoneiros iria “parar o Brasil” e só acabaria com um golpe que garantiria Bolsonaro no poder. Desde quando mensagens falavam sobre esse “movimento da classe”, líderes de entidades que defendem os direitos dos caminhoneiros apontavam para o óbvio: a classe não pararia por uma pauta política (ainda mais uma pauta política absurda).
Quando o 7 de setembro acabou, alguns caminhoneiros (que, na prática, representam um número ínfimo dentro da categoria) realizaram protestos e bloqueios em rodovias. Na Esplanada dos Ministérios, todos os caminhoneiros eram ligados a meia dúzia de empresas (o que levantou a hipótese de se tratar de um ato para defender interesses de patrões). Não dá para chamar de greve dos caminhoneiros.
Antes mesmo de 7 de setembro, falamos que isso poderia ocorrer e que esse movimento não seria duradouro ou mesmo “pararia o Brasil”. Estava na cara que um movimento ilegal (e bloquear vias públicas é ato passível de punições) teria que enfrentar a lei e não perduraria muito tempo. No fim, caminhoneiros deixaram os bloqueios (alguns, inclusive, reclamando da polícia). Também previmos que uma “greve que pararia o Brasil” não teria a anuência de Bolsonaro e, principalmente, de Paulo Guedes.
As outras previsões descritas na mensagem não chegaram (ao contrário do, inclusive, apontam algumas análises) perto de se concretizar. Bolsonaro e aliados até poderiam ter intenção de dar um golpe (apesar de a retórica do presidente parecer mais uma bravata para manter a militância ativa e desviar o foco dos verdadeiros problemas do país), mas não têm, hoje, popularidade para assim o fazer.
Tanto que os atos de 7 de setembro não tiveram “fechamento do STF” e “intervenção militar”. Se mostraram apenas mais um espaço para o presidente discursar, virar notícia e ser colocado na berlinda a ponto de recuar de declarações feitas nas manifestações.
O 7 de setembro de 2021, inclusive, acabou com uma imagem um tanto quanto simbólica: a de pessoas acampadas em Brasília choravam de emoção com um estado de sítio que nunca existiu enquanto o presidente (desacreditado por alguns manifestantes) mandava um áudio pedindo o fim de bloqueios de estradas. As fake news até conseguem simular uma realidade, mas, pelo menos desta vez, não conseguiram a modificar. Seguiremos alertas.
Trends da semana
As palavras mais buscadas no Boatos.org nos últimos dias foram, em ordem crescente, Modesto carvalhosa, Modesto Carvalhosa, Alexandre de Moraes, Caminhoneiros, Estado de Sítio no Brasil, Alexandre Garcia, Estado de sítio, Alexandre de moraes, Bolsonaro e Whatsapp.
Os desmentidos mais lidos do Boatos.org nos últimos dias foram, em ordem crescente, sobre o vídeo que apontava que o estado de sítio havia sido decretado no Brasil, que o cantor Thiaguinho havia iniciado um relacionamento com o jogador de vôlei Bruninho, que Modesto Carvalhosa havia gravado um áudio sobre o que “iria acontecer após as manifestações a favor de Bolsonaro”, que o WhatsApp seria bloqueado por 7 dias e que Alexandre de Moraes iria deixar o Brasil após as manifestações.
No Facebook e no Telegram, o conteúdo com mais engajamento era a o que desmentia que o Brasil estaria em alerta vermelho e iniciaria uma guerra contra a China no 7 de setembro. No Instagram, o conteúdo mais curtido foi o que desmentia que o ministro Alexandre de Moraes iria deixar o Brasil. Por fim, no Twitter e no YouTube, o conteúdo maior engajamento que o Brasil havia entrado em estado de sítio após as manifestações.
Edgard Matsuki é editor do site Boatos.org, site que já desmentiu mais de 6 mil notícias falsas
Uma das novidades do Boatos.org para 2021 é a seção “A Semana em Fakes”. Periodicamente, faremos análises sobre os assuntos mais recorrentes em termos de desinformação na internet. Este conteúdo ficará aberto para republicação em outros veículos de mídia. No momento, publicamos o conteúdo no Portal Metrópoles, Portal T5 e Conexão Marília (caso tenha interesse, entre em contato com o Boatos.org para saber as condições). Para ver todos os textos da seção, clique aqui.