Como investidores, bancos e ESG podem ajudar a equilibrar as cheias do Pantanal
O Pantanal está secando e nos últimos três anos sofreu com queimadas históricas. Esse é o resumo dos achados mais expressivos mostrados pelas ferramentas do MapBiomas recentemente. A perda da água substancial no bioma (74% entre 1985 e 2021) está relacionada ao fato de que o fogo estar cada vez mais presente na maior área úmida do mundo. Calcula-se que 57% do Pantanal tenha sido consumido pelo menos uma vez nos últimos 35 anos. Esses fatos não são fruto do acaso e pioram em decorrência das mudanças climáticas.
A ação do ser humano pode ser considerada um elemento central desta tragédia diária que coloca em risco, para ficar só nos exemplos econômicos, as atividades de turismo, pesca e agropecuária. A forma como investidores e agentes financeiros atuam pode ser a chave para mitigar danos e criar novas rotas, mas é preciso ter clara a percepção de que nossas ações se conectam ao planeta de forma sistêmica. A cobrança de mercados globais neste sentido não pode mais ser ignorada.
O Rio Paraguai, responsável pelo curso da água no Pantanal, é como uma grande artéria no centro-sul da América do Sul. Percorre 2.600 km de sua nascente no Brasil, passa pelo Paraguai antes de se juntar ao rio Paraná e fluir para a Argentina. A construção de represas para geração de energia na região tem correlação com a perda de superfície de água, afetando o regime hídrico, alterando a biodiversidade e a dinâmica dos rios.
O Pantanal tem hoje cerca de 50 projetos em análise para a construção de hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) – que interromperiam o fluxo livre de seus afluentes, afetando as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, além de países como Paraguai e Bolívia. Esses rios, antes muito volumosos, formam o bioma e sua pulsação de alternância entre a seca e a cheia criando um sistema próprio e natural – insubstituível e do qual dependem 10 milhões de pessoas na região e fornece água para as cidades rio abaixo.
Os rios também acolhem ao longo do seu curso mais de 4.000 espécies, a maior concentração de jacarés do mundo, e 23 espécies de peixes migratórios. As milhares de pessoas e inúmeras espécies que vivem na região pantaneira brasileira (MS/MT), boliviana e paraguaia, além de se alimentar do que é produzido ali, usam os rios para o ir e vir cotidiano.
O modo de vida e o bem-estar de toda essa sociobiodiversidade pode definhar a cada centímetro de rio perdido por projetos de energia superados pelas soluções das energias renováveis, que gerariam mais energia em quantidade, além de criar melhores empregos. O fluxo das águas perderá seu ritmo – assim como já acontece hoje nas represas que abastecem o Sul e o Sudeste, impondo a bandeira tarifária escassez hídrica, o custo e o uso de termelétricas por falta de água para mover as hidrelétricas.
As dezenas de barragens projetadas, caso os projetos sejam aprovados na região, representam duas coisas: um resultado adicional pífio de 0,6% na contribuição para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e um grande potencial de impactos e conflitos.
Essas barragens se somam a um modelo de produção agropecuária que altera o ciclo de drenagem da água e intensifica a deposição de sedimentos, reduzindo a vazão da água. Se esse modelo de desenvolvimento não for revisto, o futuro do Pantanal está comprometido. Inovações para captar e gerar energia renovável já estão disponíveis e investidores e financiadores de obras faraônicas devem ir além do discurso ESG e parar de investir nas energias de ontem.
Nenhum investidor ou financiador responsável cogitaria manchar seus indicadores fomentando obras que retiram populações locais de suas áreas, destroem matas ciliares e florestas inteiras e ameaçam espécies, como a onça-pintada, de extinção.
O efeito cumulativo da infraestrutura de PCHs pode fazer com o que o Pantanal tenha sua dinâmica de secas e cheias muito alterada, além de criar espaços artificiais em cima de uma biodiversidade única que será brutalmente alterada pelo alagamento e gerará um passivo logístico insustentável.
Hoje, no Dia Mundial das Zonas Úmidas, convidamos investidores, bancos e financiadores a mudar a mentalidade e buscar projetos que só devem ser considerados se tiverem baixo nível de conflito, baixo custo e sejam de baixo carbono. As soluções são inúmeras, é só procurar.
FONTE: WWF BRASIL