Proposta ambiental da UE é primeiro teste do governo alemão
Em dezembro, o novo governo alemão, formado por social-democratas, verdes e liberais, apresentou uma pauta ambiental um tanto ambiciosa, focada em aumentar a produção de energias renováveis e diminuir as emissões de CO2. Menos de um mês após ter sido formada, a coalizão enfrenta seu primeiro grande teste: apresentar uma postura unificada perante a controversa proposta divulgada pela Comissão Europeia na véspera do réveillon.
O órgão executivo da União Europeia pretende classificar o gás natural e a energia nuclear como favoráveis ao meio ambiente, e busca também incluir investimentos nessas fontes de energia em sua tão aguardada lista de taxonomia – um sistema de classificação verde focado em investimentos do setor energético.
A lista faz parte dos planos do bloco para descarbonizar a economia europeia e construir usinas de energia limpa, o que exigirá investimento de bilhões de euros. A classificação de atividades econômicas pela Comissão Europeia segundo a taxonomia também visa permitir que investidores dirijam seus recursos para tecnologias e empresas mais sustentáveis.
Conforme a proposta preliminar, as usinas nucleares e a gás precisam preencher determinados critérios para entrar na lista. Por exemplo, os investimentos em novas centrais nucleares em países como França, Holanda e Polônia só pode ser considerado sustentável se atenderem os mais modernos padrões tecnológicos e for apresentado um plano concreto para eliminação de grande quantidade de resíduos radioativos.
As usinas de gás natural também poderiam receber um selo verde por um período predeterminado. Para tal, os países devem respeitar certos limites de emissão de gases de efeito estufa ou mesmo provar que as usinas também podem ser operadas com hidrogênio verde ou gás com baixo teor de carbono.
Coalizão dividida
O principal ponto de discórdia na Alemanha é a inclusão de usinas a gás no projeto da Comissão Europeia. Inicialmente, um porta-voz do governo alemão saudou os planos da UE, dizendo que o gás natural é “uma importante tecnologia de transição rumo à neutralidade de gases-estufa, com a eliminação gradual da energia nuclear e produzida a partir de carvão”.
O fato suscitou duras críticas foram muito fortes por parte de diversos ministros do Partido Verde, o segundo maior na coalizão de governo da Alemanha.
O vice-chanceler alemão e ministro do Clima e da Economia, Robert Habeck, disse à agência de notícias alemã DPA que a proposta da UE “dilui o bom rótulo de sustentabilidade”, acrescentando ser “questionável se essa ‘onda verde’ será aceita pelo mercado financeiro”. A ministra do Meio Ambiente Steffi Lemke, também do Partido Verde, igualmente classificou a proposta da UE como “questionável”.
O Partido Liberal Democrático (FDP), pró-mercado livre, recuou ante as críticas dos parceiros verdes. O vice-presidente do partido, Wolfgang Kubicki, declarou ao jornal Bild que “não é um bom europeu quem só aceita o que lhe convém”, e advertiu que a coalizão precisa “chegar a um consenso sobre como alcançar um equilíbrio entre os objetivos de redução de CO2 e um fornecimento estável de energia”.
O ministro das Finanças e líder do FDP, Christian Lindner, disse ao jornal Süddeutsche Zeitung que, do ponto de vista realista, a Alemanha “precisa de usinas de gás natural como uma tecnologia de transição, já que estamos eliminando carvão e a energia nuclear”. Ele sugeriu, ainda, que as usinas de gás natural mais modernas podem ser futuramente convertidas para operar com hidrogênio.
Por fim, o Partido Social-Democrata, o maior da coalizão, já havia afirmado que o gás natural desempenhará um papel fundamental na transição energética, e isso deveria se refletir na taxonomia verde da UE.
Parte do percurso
Conforme Klaus Jacob, do Centro de Pesquisa de Política Ambiental da Universidade Livre de Berlim, esse debate em torno de questões ambientais no atual governo alemão era completamente previsível, mas não representa “um ponto de ruptura pré-determinado dentro da coalizão”.
“Não se pode fazer um plano fixo de agora até 2030, ou até 2050. É preciso se ajustar às condições cambiantes. Isso é o que a coalizão está fazendo. Vê-se no acordo da coalizão que nem tudo foi negociado. Não se pode prever tudo”, afirmou o professor à DW.
“No momento está claro, por exemplo, que as metas climáticas para 2022 e 2023 não serão alcançadas. Isso significa que será preciso iniciar programas imediatos nos setores e ministérios que contribuem em particular para essa situação.”
Isso se aplica a ministérios como o dos Transportes (FDP) e da Construção (SPD), e “ao processo de negociação que define se isso é suficiente, há sempre um conflito entre os departamentos”, concluiu Jacob.
Fase nuclear próxima de ser finalizada
Social-democratas, verdes e liberais, as três partes da coalizão governamental alemã, estão totalmente de acordo quanto à eliminação gradual da energia nuclear no país: as últimas usinas devem ser desativadas dentro de apenas um ano.
A decisão de eliminar energia nuclear, porém, não é de agora, mas foi tomada por social-democratas e verdes na coalizão de 1998 a 2003, sob o chanceler federal Gerhard Schröder (SPD), em resposta à premissa de que não havia maneira de armazenar resíduos nucleares com segurança. Quase duas décadas antes, os protestos antinucleares deram origem ao Partido Verde, que tem a eliminação da energia nuclear como uma de suas políticas centrais.
Durante o governo de centro-direita de Angela Merkel em coalizão com o FDP, houve um recuo nessa eliminação progressiva. A partir de 2011, no entanto, após o devastador acidente na usina de Fukushima, no Japão, Merkel deu uma guinada, retomando o processo de extinção gradual.
Sobre os planos de conceituação da energia nuclear como ecológica, por parte da UE, a ministra alemã do Meio Ambiente, Steffi Lemke, disse que a Comissão Europeia “cria o grande perigo de bloquear e prejudicar investimentos realmente viáveis e sustentáveis em favor da perigosa energia nuclear”.
Enquanto isso, a opinião pública na Alemanha parece estar menos crítica em comparação a anos anteriores. Numa pesquisa online feita em novembro pela YouGov para o periódico alemão Die Welt am Sonntag, cerca da metade dos 2 mil participantes se declarou a favor da reversão do desligamento nuclear, devido ao recente aumento dos preços de energia.
Fissura na União Europeia
Os 27 Estados-membros da União Europeia têm até 12 de janeiro para comentar ou protestar contra o projeto. Mas é improvável que a proposta não seja aprovada, uma vez que, além da Alemanha, apenas Áustria, Luxemburgo, Dinamarca e Portugal levantaram críticas.
A aprovação só pode ser impedida se pelo menos 20 países da UE, representando 65% da população total do bloco, ou 353 membros do parlamento votarem contra.
Enquanto a França, que detém a presidência da UE e terá eleições presidenciais em abril, é um dos países que faz campanha pelo projeto, a Áustria ameaça recorrer ao Tribunal de Justiça Europeu para impedir que a minuta seja aprovada.
FONTE: AMBIENTE BRASIL (Deutsche Welle)