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DAEM: O MITO DA AGÊNCIA REGULADORA

Na obra O Príncipe, Nicolau Maquiavel afirma, dentre outras coisas, que, “se necessário, um governante deve mentir e trapacear”.  Embora tenham decorridos exatos 490 anos da sua publicação e os tempos sejam outros, tal obra continua atualíssima, com nossos governantes seguindo à risca o antigo “conselho” do filósofo.

No caso do DAEM, a promessa de não concessão dos serviços feita pelo atual Prefeito, encontra-se até registrada em cartório e, no entanto, hoje tramita pela Câmara Municipal um Projeto de Lei Complementar (PLC nº 11/2022), que visa a concessão à iniciativa privada dos serviços de fornecimento de água tratada e coleta de esgoto no Município de Marília.

Criado pela Lei nº 1.369/66 como autarquia – com personalidade jurídica própria, autonomia financeira e administrativa – para prestar serviços de fornecimento de água tratada e coleta de esgoto, o DAEM passou por uma reestruturação ditada pela Lei nº 3926/1993 e posteriormente, a Lei Complementar nº 145/2007 redefiniu a estrutura do seu sistema administrativo. Mas agora, se aprovado o referido PLC, tudo mudará radicalmente e o DAEM deixará de prestar os serviços para os quais foi criado para se transformar numa agência reguladora, com a função de regular e fiscalizar os serviços que serão transferidos a uma concessionária.

Diz o Projeto que ele deverá exercer tal tarefa, com “independência decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, atendendo aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões”. Isto é o que comumente se chama de: “dourar a pílula”.

Lembramos que as verdadeiras agências reguladoras são autarquias, “sob regime especial” de funcionamento. Mas o DAEM é, e continuará sendo, uma autarquia em regime de funcionamento nada especial. Afinal, dizer que ele terá as características de “independência” ou “autonomia administrativa”, “autonomia financeira”, “autonomia funcional e patrimonial”, assim como, de “gestão de recursos humanos”, “autonomia nas suas decisões técnicas”, “ausência de subordinação hierárquica”, é o mesmo que dizer que será uma autarquia como qualquer outra – porém, um mito, como agência reguladora.

Isto por que tais características não acrescentam peculiaridade alguma, como bem ensina o jurista e professor Celso Antonio Bandeira de Mello. O que pode ocorrer, segundo ele, “é um grau mais ou menos intenso das mesmas”, pois, “o único ponto realmente peculiar em relação à generalidade das autarquias, está nas disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato dos dirigentes destas pessoas”, contidas nos arts. 5º, 6º e 9º, da Lei federal nº 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras no âmbito federal e dá outras providências.

Esclarece o festejado professor que esta lei federal não só estabeleceu que as autoridades máximas dessas agências reguladoras, bem como os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria, devem ser “brasileiros de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados” (atributos enaltecedores, estes, que no Brasil, como se sabe, têm a elasticidade que lhes queira dar a autoridade nomeante)como também estatuiu que serão “escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal (…) e com mandato fixo, a prazo certo”. Aliás, Bandeira de Mello bem lembra disposições análogas, ainda que nem sempre exigentes dos mesmos atributos, já se encontravam nas leis específicas de cada agência reguladora federal. (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 29ª ed., p.178).

No caso da Agência Nacional de vigilância Sanitária (ANVISA), por exemplo, a Lei nº 9.782/1999 que define a sua estrutura organizacional, diz que a sua gerência e a administração “serão exercidas por Diretoria Colegiada composta de 5 (cinco) membros, sendo um deles o seu Diretor-Presidente”. E assinala também que serão “indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação prévia pelo Senado Federal”, para o cumprimento de mandato de 5 (cinco) anos (arts. 10 e 11). Pela proposta apresentada, o DAEM não terá uma estrutura organizacional como esta.

A importância da segurança jurídica, representada pelo mandato de que gozam tais dirigentes, se mostrou notória por ocasião da Pandemia da Covid-19, quando a direção da Agência Nacional de vigilância Sanitária não se curvou diante das pressões vindas do Palácio do Planalto e até expediu Nota Técnica, alertando que o uso da cloroquina e hidroxicloroquina não estava liberado para o combate à doença causada pelo vírus. Se acaso não tivessem eles, “mandato fixo, a prazo certo”, no dia seguinte poderiam estar demitidos e os que seriam nomeados em substituição, certamente teriam cedido. Este, portanto, é o diferencial entre uma autarquia sob regime especial e uma autarquia comum.

Mas nada disso é conferido ao DAEM pelo PLC em tramitação. Muito pelo contrário! O art. 32 do referido Projeto diz que esta autarquia será regida por um estatuto editado por simples Decreto do Prefeito – ato administrativo, portanto. O dispositivo estabelece também as diretrizes para referido ato a ser expedido pelo Executivo. Porém, não há nada parecido com o que ocorre na ANVISA, aqui tomada como simples referência. E tudo indica que o DAEM, como agência reguladora, não passará de mais um “puxadinho da Prefeitura”, em que a vontade a prevalecer continuará a ser a política do Chefe do Executivo, a qual, não é orientada por critérios técnicos mas sim meramente políticos – o que pode não representar o interesse da sociedade.

O que a população pode e deve exigir dos vereadores eleitos para representá-la, é que honrem os votos recebidos e examinem com seriedade e profundidade cada um dos dispositivos do Projeto. E daqueles que compõem as comissões da Câmara, que cumpram o seu papel com responsabilidade, emitindo pareceres que, pela profundidade, realmente possam ser úteis para orientar colaborar com o livre convencimento de seus pares – como a MATRA está fazendo neste momento. Afinal, estarão todos deliberando sobre o desmonte de um valioso patrimônio da sociedade que é o DAEM.

Lembre-se que Marília tem dono (que não tolera mais ser vítima de mentiras e trapaças, para obter votos): VOCÊ!

FONTE: MATRA

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