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Economia da sociobiodiversidade fortalece extrativistas no Cerrado

“A natureza oferece para nós o que ela tem de melhor e nós tentamos oferecer para ela o que podemos com toda a nossa gratidão”. É do Cerrado, um dos biomas mais antigos e ricos em biodiversidade do mundo, que vem a fala de Rosana Sampaio, agroextrativista e presidente do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), apoiado pelo Projeto Cerrado Resiliente.

Localizado no Mato Grosso do Sul, no assentamento Andalúcia, no município de Nioaque, o Ceppec nasceu com o propósito de ser um centro de referência para os trabalhadores e trabalhadoras rurais da região. Entre as principais atividades realizadas estão a produção e comercialização de produtos do extrativismo sustentável de frutos do Cerrado, com destaque para o baru.

Com forte protagonismo feminino, o centro desenvolve ainda atividades de formação como cursos e outras capacitações, pesquisa, tecelagem e tintura artesanal e trabalha com outros produtos vindos dos frutos do bioma.

Décimo terceiro da natureza

É nessa relação de incentivo à geração de renda e cuidado com o bioma que muitas famílias do assentamento estão envolvidas. “Nós chamamos de um dinheiro novo. Hoje se torna quase que uma das principais rendas dentro do assentamento. Todo ano você tem baru para colher, então o pessoal fica esperando a colheita chegar, quase no final do ano. A gente entende que está entrando uma espécie de décimo terceiro da natureza”, explica Rosana.

Do fruto do baruzeiro podem ser feitos pães, bolos, doces, farinhas, bebidas e diversos outros produtos. Considerado um superalimento, o baru também pode ser consumido in natura e é aproveitado para vários usos, da casca até a semente.

A árvore frutífera é típica do Cerrado brasileiro e está presente, por exemplo, na terra de Iranete da Silva, moradora do assentamento há 30 anos e produtora de baru há quase 20. “Hoje a renda ajuda, né! A gente compra muitas coisas para a casa. Eu já comprei até uma novilha com a renda do baru”, conta a extrativista, que nasceu e cresceu no meio rural e expressa com um sorriso no rosto a sua conexão com o bioma. “Esse lugar, para mim, representa tudo… é a minha maior felicidade”, afirma.

Desafios

O Cerrado responde por 30% da biodiversidade brasileira e 5% do planeta. Nele habitam cerca de 25 milhões de pessoas, entre elas  guardiões de saberes ancestrais e de proteção do bioma. Conhecido como o “berço das águas”, o Cerrado abriga também oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, sendo responsável por fornecer água e outros serviços básicos para a vida.

Mas, além das riquezas, o bioma que já perdeu mais de 50% da sua vegetação nativa, enfrenta diversas ameaças, entre as principais estão o desmatamento e as queimadas. Dados do Deter/Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mostram que o Cerrado teve o pior mês de junho já registrado desde o início do monitoramento do bioma, em 2017. A área sob alerta de desmatamento em junho de 2022 cresceu 55% em comparação com junho do ano passado. 

No Brasil, um dos principais agentes de desmatamento é a expansão da fronteira agrícola, em especial para a produção de soja e a pecuária. Um estudo publicado pelo WWF-Brasil mostra que a maior parte das espécies perdeu entre 25% e 65% da área original de distribuição, estando no Cerrado as mais afetadas. 

Os impactos do desmatamento também são sentidos no assentamento Andalúcia entre os extrativistas do baru, principalmente na mudança do clima da região. De acordo com Silvano Moreno Valério, membro do Ceppec e extrativista “antes tinha mais chuva, agora não tem mais”. Segundo ele, a degradação do bioma ao redor da região vem causando mudanças para o clima, o que afeta também a produção local.

Para ele, é preciso valorizar a produção sem prejudicar o bioma. “Quando você olha a natureza se revoltando contra o produtor, não é só por mim, é pelos maiores no Brasil, são muitas pessoas que têm recursos. Eu já cortei uma árvore ou aproveitei quando caiu porque precisei, mas plantei outra no lugar. Nós pensamos diferente”, comenta o extrativista.

Fortalecimento da cadeia do baru

O projeto Cerrado Resiliente (Ceres), realizado pelo WWF-Brasil, WWF-Holanda e WWF-Paraguai, em parceria com o Instituto, Sociedade, População e Natureza, com o apoio da União Europeia, tem fortalecido a sociobiodiversidade. Desta forma, apoia o Ceppec, que é o segundo maior fornecedor de baru para a Central do Cerrado, cooperativa que reúne diversas organizações e comercializa os produtos do bioma.

“O Ceppec tem um potencial muito grande de expansão dessa produção e da comercialização. No projeto, apoiamos o fortalecimento da sua capacidade de gestão e a diversificar sua estratégia de fornecimento para outros mercados”, explica Ana Crisostomo, analista de conservação do WWF-Brasil.

Recentemente, um estudo lançado pelo WWF-Brasil e Conexsus (Instituto Conexões Sustentáveis) analisou os riscos e oportunidades da cadeia extrativista do Baru a fim de apontar formas de fortalecer ainda mais o trabalho que é fundamental para as pessoas na busca de geração de renda, comércio justo e valorização dos modos de vida. A publicação contou com um levantamento baseado em entrevistas com 13 instituições em 2020.

Apesar dos desafios, as histórias de luta e resistência do Cerrado são exemplos que mostram a importância da sociobiodiversidade e da valorização dos extrativistas do bioma. “É uma vivência que a gente quer reproduzir em vários níveis. É a nossa forma de existir, é a nossa bandeira de luta e existência”, afirma Rosane Sampaio.

Sobre a Central do Cerrado e o Ceppec

Fundado em 2005, o Centro de Produção Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec) é uma organização composta por agricultores familiares do assentamento Andalúcia, cujo objetivo principal é proporcionar a geração de renda e melhorar a qualidade de vida das famílias por meio do extrativismo sustentável.

Central do Cerrado

Cooperativa que reúne diversas organizações comunitárias que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado e da Caatinga.
www.centraldocerrado.org.br

FONTE: WWF BRASIL

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