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Guardiãs, guerreiras, mães e líderes: a (re)existência feminina indígena

De 11 a 13 de setembro, quando milhares de mulheres de todos os Estados do país e de várias partes do mundo se unem em Brasília na III Marcha das Mulheres Indígenas, a capital federal se torna o epicentro da resistência e da luta dos povos originários. Com o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, o evento reafirma o compromisso das mulheres indígenas com a preservação de seus territórios, modos de vida, culturas e comunidades. E, em consequência, o compromisso com a preservação da vida de todos e do planeta.  

Organizada pela Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) e pelas Mulheres Biomas de todo o país, a Marcha espera reunir mais de 5 mil mulheres indígenas para discutir uma série de questões críticas, incluindo emergências climáticas, violência de gênero, violência política, saúde mental, acessibilidade à educação indígena e o papel fundamental das mulheres indígenas na próxima Conferência das Partes (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que acontecerá de 30 de novembro a 12 de dezembro deste ano. 

Guiadas pela compreensão da importância dos seis biomas brasileiros – Mata Atlântica, Caatinga, Pampa, Cerrado, Pantanal e Amazônia – para a conservação da biodiversidade e o equilíbrio do planeta, as participantes defenderão vigorosamente esses territórios. Para elas, os biomas não são apenas paisagens geográficas, mas sua origem e identidade, essenciais para a sobrevivência de suas culturas e estilos de vida. 

“Sabemos que não será fácil superar mais de 523 anos em quatro. Mas estamos dispostas a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral da alma e do espírito brasileiros. Isso só será possível se tivermos ao nosso lado mães, anciãs, caciques e lideranças homens colaborando com o avanço no diálogo coletivo em prol do bem maior. Nossos maiores inimigos são as leis que não reconhecem nossa diversidade e nossa existência. Falar em demarcação de terras indígenas é gritar pela continuidade da existência dos nossos povos. Ter uma mulher indígena como a 1ª ministra indígena é afirmar que as mulheres são a cura da terra e a resposta para enfrentamentos à violência de gênero e racismos como o estrutural, institucional e ambiental”, afirma comunicado da Anmiga. 

A Marcha das Mulheres Indígenas é uma oportunidade para destacar a importância dessas vozes como participação ativa nas discussões e decisões que impactam diretamente suas vidas, suas comunidades e o futuro de nossos ecossistemas, tornando-se um momento crucial para que sejam discutidos o fortalecimento da atuação feminina e a incidência política do movimento indígena no país. 

E se há motivos para celebrar, a ocupação de espaços de decisão política por indígenas certamente é um deles. Desde o início dessa jornada, as mulheres originárias têm desempenhado um papel fundamental na política brasileira, destacando-se principalmente por meio da chamada “Bancada do Cocar”.  

Em 2022, 17 candidatas indígenas concorreram às eleições para deputadas federais e estaduais, e o Brasil testemunhou a histórica vitória de Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, que agora representam os povos originários no Ministério dos Povos Indígenas e na Câmara dos Deputados, respectivamente. “O Brasil começa por nós, mulheres indígenas, então o nosso papel na tomada de decisões políticas é essencial, pois trazemos a força ancestral”, afirma Célia. 

Quando questionada sobre a inclusão e representatividade das mulheres indígenas em todos os níveis da sociedade brasileira, a deputada federal ressalta que a expectativa é de que essa presença só cresça: “Nós tivemos Joenia como a primeira mulher indígena eleita deputada federal. Temos Sônia deputada e agora ministra. Temos Juliana Cardoso, companheira indígena eleita por São Paulo. E eu sendo a primeira deputada indígena eleita por Minas Gerais e a primeira indicada presidenta de uma Comissão na Câmara dos Deputados. Nossa perspectiva é pelo aumento de mulheres indígenas no poder, trabalhamos para que todas possam chegar aonde quiserem. Costumo dizer que somos ‘mulheres semente e não mulheres somente’”.  

A Marcha das Mulheres Indígenas de 2023 acontece com contexto político mais amistoso à causa e com algumas celebrações, em comparação às edições anteriores: o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, as recentes demarcações de terras indígenas e a retomada do julgamento sobre o marco temporal no STF (Supremo Tribunal Federal)

Um pequeno alívio para povos que seguem resistindo e lutando por seus direitos, pela preservação dos biomas e pela voz das mulheres na política e na sociedade. Mobilizações como a Marcha inspiraram e enchem de esperança todos aqueles que acreditam na justiça, na igualdade e na proteção do meio ambiente, seja alguém experiente na linha de frente ou quem está chegando pela primeira vez.  

É o caso de Rosália Guató, que foi do Pantanal mato-grossense a Brasília participar da Marcha. “Pra mim está sendo muito especial. Eu estou ansiosa por ser minha primeira Marcha, mas também estou muito feliz, principalmente por ser uma mulher e poder estar aqui sentindo a força de cada mulher, o acolhimento, isso tudo está sendo muito gratificante”, diz. 

A emoção e o orgulho dessa jovem de 22 anos impressionam. É certamente a sensação de estar fazendo história e construindo um legado, pois apesar de, em número oficial, esta ser “apenas” a terceira Marcha das Mulheres Indígenas, o movimento conquista mais relevância a cada edição. 

Histórico 

Elas são cerca de metade de uma população de 1,7 milhão de indígenas distribuídos em 305 povos que falam 274 línguas diferentes no país. Essas mulheres enfrentam inúmeros desafios diários, incluindo a luta pela demarcação de suas terras, a oposição à mineração e à exploração de seus territórios, a defesa do licenciamento ambiental adequado e o enfrentamento do desmonte das políticas indigenistas e ambientais. E, mesmo assim, elas resistem! 

O marco inicial da mobilização foi o XV Acampamento Terra Livre, em abril de 2019, quando as mulheres indígenas construíram um espaço de atuação orgânica e levaram suas demandas para o centro do debate. O resultado desse esforço conjunto foi a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília, no Dia Internacional dos Povos Indígenas, em 9 de agosto daquele ano – reunindo 2.500 mulheres de 130 povos, sob o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”. 

Em agosto de 2020, um ano após a primeira Marcha, as Mulheres Indígenas do Brasil realizaram uma mobilização histórica. Diante das crescentes violações de seus direitos durante a pandemia de Covid-19, elas realizaram a maior assembleia online de mulheres indígenas. O tema foi “O sagrado da existência e a cura da Terra”, onde reafirmaram que são parte da Terra e que a Terra se faz nelas. Elas se conectaram virtualmente para fortalecer a articulação em torno das questões de gênero e geracionais, enfrentando as tentativas de extermínio dos povos indígenas e a exploração genocida de seus territórios. 

As Mulheres Indígenas também desempenharam um papel fundamental na articulação das redes de apoiadores e na construção de estratégias de enfrentamento à Covid-19. Estiveram na linha de frente das ações para proteger suas comunidades e seus territórios. Além disso, contribuíram para a defesa dos direitos dos povos indígenas, enfrentando diversas formas de violência. 

Em 2021, a Marcha também aconteceu sob o governo do então presidente Jair Bolsonaro, período de crescentes ameaças aos direitos indígenas e ao meio ambiente. As mulheres indígenas enfrentaram hostilidade e ataques, incluindo a invasão de seu acampamento em Brasília. No entanto, perseveraram e usaram a Marcha como um meio de denunciar as violações de direitos e defender suas terras e culturas. 

O Manifesto das Primeiras Brasileiras, assinado pelas Mulheres Indígenas, é uma declaração de compromisso com a defesa dos direitos indígenas, da Terra e das futuras gerações. Elas afirmam que a Terra é a mãe, e as mulheres são a cura da Terra. Esse manifesto é um grito de resistência diante dos ataques sofridos pelos povos indígenas e pelo meio ambiente. 

A Marcha das Mulheres Indígenas não é apenas um evento único, é uma manifestação contínua de resistência e luta, pois desempenha um papel fundamental na sensibilização pública, no fortalecimento das lideranças femininas indígenas e na promoção da igualdade de gênero dentro das comunidades indígenas e na sociedade em geral.  

As Mulheres Indígenas do Brasil são múltiplas, diversas e resilientes. Elas continuam a trilhar o caminho da justiça social, da defesa de seus territórios e da preservação de suas culturas ancestrais. “São guerreiras da ancestralidade, mulheres semente e curadoras, cujas vozes ecoam em defesa da vida e da Mãe Terra”. 

Serviço 

A programação da III Marcha das Mulheres Indígenas é intensa e abrangente, abordando temas essenciais para a sobrevivência e o desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas. Acompanhe aqui a mobilização e a programação completa. 

FONTE: WWF BRASIL

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