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‘Ebulição’ Amazônica: a emergência dos botos-vermelhos e tucuxis no Amazonas

Por Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá 

No dia 23 de setembro de 2023, relatos de um número incomum de carcaças de botos-vermelhos (Inia geoffrensis) e tucuxis (Sotalia fluviatilis) começaram a surgir em Tefé, no Amazonas. Pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá foram rapidamente acionados para averiguar a situação, em parceria com o ICMBio-Tefé. Dezenas de animais mortos se encontravam em diferentes partes do Lago Tefé, caracterizando um evento de mortalidade nunca antes observado para botos-vermelhos e tucuxis. Poucos dias depois, em 28 de setembro, 70 carcaças foram encontradas, aumentando o nível de alerta das instituições envolvidas.

Em seguida, foi instaurada uma emergência ambiental pelo ICMBio com apoio técnico do Instituto Mamirauá e parceria com diversas instituições. A Operação Emergência Botos Tefé, como foi denominada, foi dividida em frentes de ação relacionadas ao monitoramento dos animais e das características ambientais do lago. Parte dos pesquisadores e especialistas ficou responsável por monitorar os grupos de botos-vermelhos e tucuxis ao longo do Lago Tefé em locais estratégicos, de manhã e à tarde.

Além de observar quantos indivíduos de cada espécie se encontravam em cada ponto, o comportamento de cada um era analisado cuidadosamente. No caso de algum indivíduo apresentar sinais de anormalidade, havia um flutuante adaptado para poder receber o animal e reabilitá-lo. Até o momento, a equipe não identificou nenhum animal cujas condições clínicas justificassem um resgate. Ao mesmo tempo, a equipe que vem realizando o monitoramento também procura por carcaças de botos-vermelhos e tucuxis, buscando-as para a realização de necropsia e coleta de amostras.

Atualmente, a emergência de mortes de botos em Tefé tem reduzido, fazendo com que os esforços de monitoramento tenham se resumido a apenas duas vezes por semana. Esta medida de monitoramento permanecerá como um projeto de longo prazo do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá.

O monitoramento ambiental tem focado nas características da água, como a temperatura, saturação de oxigênio e fluxo da corrente, além do nível da água no Lago Tefé. A equipe também observou uma floração de algas identificadas como sendo da espécie Euglena sanguinea, ocasionada pela incidência de radiação solar. Apesar de ser potencialmente tóxica para peixes, até o momento não há evidências de que sua toxina esteja relacionada à mortalidade de golfinhos e nem que tenha causado a morte de peixes no Lago Tefé.

Um total de 159 indivíduos de botos-vermelhos e tucuxis vieram a óbito desde o início da emergência em Tefé. A seca e a temperatura da água, que chegou a 39,1°C em um dos pontos monitorados, provavelmente estão diretamente relacionadas ao evento de mortalidade. O diagnóstico de morte por estresse térmico não é fácil de se obter, visto que os sintomas são comuns a várias causas de morte. Portanto, é necessário realizar uma ampla gama de análises na tentativa de detectar qualquer agente infeccioso ou toxina.

Apesar do grande esforço por parte da equipe que realizou as necropsias para coletar amostras dos animais mortos, houve uma grande dificuldade logística de transportá-las para laboratórios do Brasil afora, uma vez que não há estrutura para estas análises em Tefé. Entraves burocráticos por conta de companhias aéreas atrasaram imensamente o andamento de algumas análises e inviabilizaram outras, o que vem dificultando o processo de oficializar o diagnóstico, elemento crucial no atendimento à emergência.

Mais recentemente, um evento de mortalidade de botos-vermelhos e tucuxis também foi identificado no município de Coari, próximo a Tefé. De acordo com informações e fotos compartilhadas com o Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos, provavelmente teve início no mesmo período que em Tefé.

Pesquisadores locais vêm monitorando os lagos próximos à cidade e já identificaram 117 carcaças de botos-vermelhos e tucuxis, considerando que, ao contrário de Tefé, há indícios de que os animais seguem morrendo. Nesta região, nas últimas semanas, a temperatura da água não tem atingido valores extremos como as medições em Tefé e há uma floração intensa de algas. Uma equipe do Instituto Mamirauá se deslocou até o local para auxiliar nos esforços de monitoramento e capacitar a equipe local para a coleta de amostras a fim de elucidar a causa da morte nesta região também.

A emergência ambiental relacionada aos botos-vermelhos e tucuxis evidencia os impactos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade e sobre a comunidade humana. Vale salientar que o enfrentamento a essa crise vem sendo pautado pela pesquisa científica, contando com especialistas de diversas áreas e instituições. Amostras da água foram coletadas para análise de contaminantes, características ambientais tem sido amostradas para monitoramento, amostras dos animais mortos foram coletadas e enviadas para laboratórios de todo o Brasil para determinar a causa de morte e protocolos de pesquisa têm sido usados no monitoramento dos animais vivos.

Com o agravamento das mudanças climáticas previsto para o futuro próximo, o avanço das pesquisas científicas é fundamental para compreender e prever seus possíveis impactos, a fim de desenvolver formas de mitigá-los ou, em situações de emergência, como enfrentá-los.

FONTE: WWF BRASIL

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