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Bem-sucedido programa Luz para Todos tem dívida com povos indígenas

Por Alessandra Mathyas, Analista de conservação do WWF-Brasil, e Marcelo Martins, Analista do Instituto Socioambiental (ISA), integrantes da Rede Energia e Comunidades

Tudo o que se espera de uma política pública é que ela chegue à população de forma célere, explicativa, que atenda às necessidades de quem irá acessá-la e que seja transparente para a sociedade. No setor energético também é assim. O Brasil que avançou, e muito, na universalização do acesso à energia – considerado um país universalizado pelos critérios internacionais com 99% de cobertura – ainda está em dívida com uma parcela importante da população. Mesmo que não tão numerosa, fundamental para nosso futuro: os povos indígenas.

Há milhares de comunidades, principalmente na Amazônia, que ainda não têm energia elétrica de serviço público. Essa população, assim como os povos e comunidades tradicionais, é público prioritário do Programa Luz para Todos, considerado uma das mais bem sucedidas políticas públicas das últimas décadas. Até pela importância desse público, o último a receber a eletricidade 24 horas e de fontes renováveis, é que os processos precisam ser bem analisados.

Foi nesse sentido que entre os dias 26 e 28 de março de 2025, foi realizado, na Aldeia Khikhatxi, localizada na Terra Indígena Wawi, no estado do Mato Grosso, que integra o Território Indígena do Xingu (TIX), o Encontro de Monitoramento e Avaliação do programa Luz para Todos (LpT) em terras indígenas. O objetivo do encontro foi debater os principais desafios e encaminhar demandas e contribuições das comunidades relacionadas à implementação do programa no TIX.

O encontro envolveu representantes de 12 povos do Território, além da Associação Indígena Khĩsêtjê (AIK) e a Associação Terra Indígena Xingu (ATIX). Também estiveram presentes representantes das organizações não governamentais da Rede Energia e Comunidades (entre elas o Instituto Socioambiental e o WWF-Brasil) além de representantes dos órgãos responsáveis pela implementação e acompanhamento do LpT:  Ministério de Minas e Energia (MME), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Concessionária de Energia Elétrica do Estado do Mato Grosso, a Energisa MT.

Lamentavelmente verificou-se uma série de procedimentos equivocados na condução da chegada do Luz para Todos em algumas aldeias do Xingu.  Importante destacar que o TIX possui protocolo de consulta próprio para consulta livre, prévia e informada, que orienta a forma de diálogo entre seus povos e os empreendimentos e/ou políticas públicas em benefício ou que impactem este território, seguindo o que estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dito isso, a comunicação não efetiva entre a concessionária responsável e as populações locais, agravada pela não realização de consulta livre, prévia e informada, trouxe situações muito desagradáveis na chegada do Luz para Todos ao território. Situações como falta de materiais informativos do programa adequados à linguagem desses beneficiários, cobranças desnecessárias, como tarifa de iluminação pública (sendo que isso não é oferecido em áreas rurais e protegidas), instalação de equipamentos incompatíveis com a voltagem de eletrodomésticos e demais equipamentos usados no dia a dia dos moradores, além do impacto visual e cotidiano da vida nas aldeias são relatadas por várias lideranças locais. Todas as situações que poderiam ser evitadas para não causar uma ainda pior, que é a inclusão dos CPFs de inúmeros beneficiários em sistemas de proteção de crédito (Serasa) em função da falta de diálogo prévio acerca do programa onde poderiam ter os beneficiários maiores orientações quanto ao pagamento de faturas.

Todos esses pontos podem ser superados por meio do diálogo, desde que haja empenho na resolução dos problemas apontados. A energia tem beneficiado a população do TIX em seu bem viver, por facilitar o dia a dia das famílias. Por isso, escutar as contribuições dos povos indígenas é igualmente importante para que a política exista em benefício das populações dos territórios da Amazônia em suas diversidades.

As autoridades presentes saíram do encontro com um documento dos povos do Xingu, relatando todas as situações e solicitando correção no projeto, avaliação das cobranças indevidas e que essa situação possa orientar o Programa Luz para Todos na forma de abordagem para os próximos passos. Já a Rede Energia e Comunidades, por sua vez, apresentou um documento técnico reforçando as situações verificadas in loco e recomendando uma série de medidas que irão contribuir para que o Luz para Todos chegue de fato a todos os que querem e precisam de eletricidade de verdade.

As recomendações vão desde a garantia da presença das comunidades nas etapas de planejamento, capacitação, execução,  manutenção, faturamento e monitoramento dos sistemas remotos implementados, até o fortalecimento da governança do Programa, com mais ministérios envolvidos, aumento no número de servidores e a articulação com estados e municípios para viabilizar melhorias na infraestrutura de logística de transporte terrestre e fluvial fundamental  para as instalações e manutenções dos sistemas energéticos remotos.

Falta pouco para o Brasil de fato chegar a 100% da população com eletricidade 24 horas. É o momento de fazer bonito, fazer bem-feito, seguindo os protocolos e respeitando os modos de vida tradicionais.  

FONTE: WWF BRASIL

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